Catarina... [um apontamento partindo da obra de Tiago Rodrigues] Artes & contextos Catarina e a Beleza de Matar Fascistas FI V2

Catarina… [um apontamento partindo da obra de Tiago Rodrigues]
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7 de Maio, 2021 0 Por Filipe Daniel
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Também o tempo torna tudo relativo.

Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 2 anos - o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.

Catarina e a Beleza de Matar Fascistas

 

[um apontamento partindo do espetáculo de Tiago Rodrigues: Catarina e a beleza de matar fascistas]

Catarina,,,

Um título provocador. Personagens com dúvidas e certezas extremas. Atores verdadeiramente empenhados no que fazem (relembrar o prémio Ageas recebido por Sara Barros Leitão). Um autor que simultaneamente é encenador e o diretor do teatro, não um teatro qualquer, mas o Teatro Nacional Dona Maria II, uma das referências base do teatro nacional. Uma sociedade com grupos cada vez mais polarizados.

Esta peça com todas as características apontadas tornou-se alvo de críticas e apoios. Repúdios e elogios, no entanto, o texto que se segue não pretende avaliar a obra em questão, nem tão pouco fazer uma tradicional crítica teatral. Do mesmo modo que Tiago Rodrigues faz uso de um título provocador para pôr questões políticas em Palco, nós fazemos uso desta peça para ajudar a aprofundar o debate em torno do que é, ou pode ser um género de Teatro Político.

A sociedade ou a mensagem do espetáculo não pretende ser o alvo da análise. Foquemo-nos nos movimentos circundantes e em como a polémica causada é também ela parte do espetáculo. O teatro saiu fora de portas… e dentro delas isso sentiu-se. (que o digam os assistentes de sala…)

O espetáculo decorre sem percalços, como apenas mais uma muito elaborada produção do TNDMII até chegar ao momento mais esperado do espetáculo, e depois de muito surpreendido pelo massacre de quase todas as Catarinas pela Catarina interpretada por Marco Mendonça, com recurso ao que parece ter sido uma arma verdadeira com pólvora seca, segue-se um momento de silêncio do qual partiria um dos grandes momentos da peça de Tiago Rodrigues.

 

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Rui M. Silva , Pedro Gil, Marco Mendonça, Isabel Abreu, António Fonseca, Sara Barros Leitão, Beatriz Maia em Catarina e a Beleza de Matar Fascistas de Tiago Rodrigues ©Jaime Machado

 

A encenação toda do espetáculo pode ser questionada e analisada segundo os parâmetros do que é o estilo do Teatro Político Piscatoriano e Brechtiano, poder-se-á também apontar que foi a política que entrou no teatro e que esta peça é escrita com base na espuma dos dias. No entanto fugindo a essas discussões, o momento que garante que aquele, e todo o teatro que provoque a ação que se segue, é (independentemente de características formais, teóricas ou filosóficas sobre tudo e todo o teatro ser ou não política) um espetáculo de Teatro Político.

Durante os últimos disparos reparo que a porta de acesso aos lugares da plateia do lado direito abre e um assistente de sala entra, do lado esquerdo a assistente também se mexe e logo após os tiros oiço atrás de mim o suave correr da cortina que fecha a coxia central, enquanto a Ação e posterior início do discurso de Romeu Costa decorre, leves como penas os assistentes de sala do Teatro Nacional Dona Maria II percorrem toda a lateral até ao corredor da primeira fila e posicionam-se- quase invisíveis- encostados às paredes que limitam a boca de cena, a luz da sala abre ligeiramente, e a coxia central encontra a sua assistente pronta, entre as caixas de controlo de som e luz, para auxiliar todos os espectadores que se queiram rebelar contra o discurso provocador proveniente do palco.

Este movimento dos assistentes de sala é um claro exemplo do que pode ser um tipo de teatro político, um teatro muito para lá das características originárias do século XX ou de apenas um teatro que contenha uma mensagem política.

 

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Sara Barros Leitão, em Catarina e a Beleza de Matar Fascistas de Tiago Rodrigues ©Jaime Machado

 

Os assistentes de sala junto ao palco facilmente ganham duas funções: ajudar pessoas insultadas com o discurso (mas não com o ator) a saírem, mas também encarnaram a posição de guarda-costas de palco como nos grandes comícios, onde se sabe que a qualquer momento há alguém que pode começar a correr para atacar o orador.

Este insignificante momento ganha uma força ainda maior quando posto ao lado de toda a polémica nas redes sociais sobre um simples título e inserido num contexto de polarizações políticas e sociais. O teatro foi falado em praça pública e fez mover pessoas, (recordemos também Hanan Benammar e Pia Maria Roll em Oslo com o espetáculo Ways of seeing, em que o próprio governo norueguês tomou uma posição e criticou abertamente o espetáculo) quem, ao conhecer estas polémicas insiste em ver a peça, não vai apenas por gostar de teatro ou pelo tema, foi também para marcar a sua posição: Apoio uma cultura pluralista, de liberdade de expressão e artística (mesmo que depois tenham saído mais cedo, ou que tenham tido vontade de matar a personagem de Romeu, como foi proferido em alto e bom som por uma senhora que se sentava na cadeira ao lado.)

Tenhamos em vista este cenário quase absurdo para um espetáculo, dois assistentes de sala um em cada lado em frente ao palco que simultaneamente auxiliam as pessoas na sua saída revoltosa, mas que subitamente podem ser a única barreira protetora das personagens desta peça, neste tipo de teatro a quarta parede não os protege, aliás esta parede é quebrada com a atitude da personagem de extrema-direita, ele assume-se como o mobilizador e o político que quer mudar o país.

Nós como espectadores cientes do que se passa fora de portas, muitos que sofreram na pele por serem minorias não se podem deixar rebaixar perante uma personagem que nos assalta e agride diretamente, olhos nos olhos. A vontade de levantar e de justiça é encorajada e lá estão os assistentes para relembrar que aquilo é ficção, mera teatralidade. O ser humano de farda que se assume como a quarta parede que o texto destruiu.

 

Catarina e a Beleza de Matar Fascistas

António Fonseca, Isabel Abreu, Romeu Costa, Pedro Gil, Marco Mendonça, Beatriz Maia, Sara Barros Leitão, Rui M. Silva em Catarina e a Beleza de Matar Fascistas de Tiago Rodrigues ©Pedro Macedo

 

Tendo estes movimentos em atenção é de seguro afirmar que se causar movimento aceso, discussão e até algum tipo de transtorno é teatro político (ou para distinguir tipos e géneros de teatro, um teatro politicamente ativo/mobilizador), enquanto outros são de conteúdo ou âmbito Político que podem ou não causar movimento ou enquadrar-se em artivismo.

Não esquecendo o eco na sociedade em questão, se a sociedade não atribui tanto valor de debate e lugar de discussão sobre o Teatro em geral, sempre que surge uma peça que questione abertamente e seja mais do que um megafone do meio em que está inserido, seja também causador de um impacto em lutas fora do espectro cultural, o valor da sua interferência na sociedade ganha ainda mais relevância e reforça a causa agitprop.

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Autor

Lisboa, 1999. Tenta encontrar respostas através do Palco. Vê o teatro como um aliado da história e filosofia para resolver (ou não) os problemas do mundo.

Jaime Roriz Advogados Artes & contextos