
Estações da Cruz0 (0)
9 de Junho, 2015
Este filme denso e lento, faz uma abordagem sempre delicada aos fundamentalismos religiosos, sobretudo quando confrontados com o nosso mundo ocidental “expressionista”, sensitivo, ininterruptamente apelativo, – tentador – de forma visual e sonora nas mais vulgares trivialidades do dia-a-dia.
Os irmãos Dietrich e Anna Buggermann contam a história de Maria, (Lea Van Acken) uma adolescente de 14 anos e o seu caminho pela fé, emoldurada pelas 14 estações da Via Sacra de Jesus Cristo. São 14 cenas praticamente sem ação em que apenas a palavra e o ambiente (e de que maneira) interessam.
Maria não pode ser igual a todas as outras jovens. Ela é educada na religião católica na congregação Fraternidade Sacerdotal de S. Paulo, formada, “para preservar a igreja na sua verdadeira forma”. (Esta congregação foi marginalizada por rejeitar o concílio de Vaticano II).
Na primeira cena, com mais de 15 minutos, de câmara estática e sem cortes, de belíssima estética minimalista que atravessa todo o filme, o padre Weber (Florian Stetter) explica, ou lembra ao grupo de jovens que prepara para o Crisma, os fundamentos da “fé verdadeira”. Os dez mandamentos são os seus condutores e o pecado o seu terror. As revistas de adolescentes, os olhares dos elementos do sexo oposto e a música ritmada, são demoníacos e artimanhas do diabo para afastar os jovens da virtude e de Deus.
O padre considerava, por exemplo, que no concílio de Vaticano II, (em que a igreja se propôs abrir-se ao mundo moderno, aprovar a liberdade religiosa e em qua a missa deixou de ser obrigatoriamente lida em Latim) Satanás, o inimigo, violou as paredes erguidas e entrou na igreja. Maria pergunta-lhe porque permite Deus que as crianças adoeçam, para ouvir o padre explicar-lhe que a doença das crianças pode ser uma Graça especial e um sinal do amor do Todo-Poderoso.
Em casa Maria tem na mãe (Franziska Weisz), alguém que para além de subscrever tudo isto é intolerante e não tem o condão do perdão, e no pai (Michael Klaus Kamp), um mero “corpo presente” emasculado e inoperante frente à prepotência da matriarca. O ambiente familiar é permanentemente pesado e claustrofóbico de onde se exclui Bernadette (Lucie Aron), a única pessoa adulta que a protege e acarinha naquele rigor opressivo. Na sua vida pacata, Maria vai enfrentando pequenos incidentes que acendem a sua luta pela fé.
As aulas de ginástica mistas, “mais um absurdo moderno”, indignam a mãe que ameaça mudar Maria de escola se tal não se modificar. Mãe que na sua “paranoia” se recusa a “deixar a filha sozinha” com o médico no consultório.
Maria é gozada pelos colegas, pela sua postura e atitudes e aqui se levanta o problema das duas caras da intolerância, aquela dos que rejeitam a religião ou a sua rigidez e dos religiosos que rejeitam o modo de vida dos primeiros. Entretanto a sua mãe recusa insolentemente aceitar o diagnóstico do médico, segundo o qual a filha poderá ser vítima de perseguição, ou vítima tão só.
Maria quer seguir Deus da forma mais rigorosa e “pune-se” pelas suas falhas. Pondera tornar-se freira, deseja ser santa e decide finalmente entregar a sua vida a Deus como sacrifício para que o seu irmão de quatro anos que não diz uma palavra comece a falar.
Numa das cenas finais a mãe, numa ironia cruel, cai no pecado da vaidade e logo de seguida no pranto, contraria o discurso da fé, mas a ironia já tinha estado presente em mais do que um momento na 12ª cena no hospital, atingindo o auge no fecho desta, ou quando Maria desmaia ao ser benzida na cerimónia do Crisma.
Os planos estáticos, longos, os ambientes austeros de cores pálidas e a rigidez minimalista, falam pelos autores quanto ao rigor e inflexibilidade dos dogmas em presença.
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O espectador tomará partido eventualmente para lá das convicções, já que as angústias de Maria, que gostaríamos que não tivesse, estão longe das normais de uma jovem da sua idade.
Não ficamos com a certeza se Maria ama Deus devotamente, ou se apenas está preparada para isso. Sabemos que o tenta com todas as suas forças e que acredita, mas acima de tudo precisa que assim seja.
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.