The Night House
Beth (Rebecca Hall), recentemente viúva, percebe, ao encaixotar as coisas do marido, que aquele tinha uma vida que ela desconhecia.
Seria mais uma versão de um argumento banal e repetido, não tivesse esta história sido magistralmente escrita por Ben Collins e Luke Piotrowski e superiormente realizada por David Bruckner.
Beth é uma mulher pragmática e cética, que parece passar por cima do suicídio de Owen (Evan Jonigkeit) com uma naturalidade que lhe permite inclusivamente algumas tiradas sarcásticas, com as quais consegue chocar a sua amiga Claire (Sarah Goldberg).
A nota de suicídio de Owen transporta-a para a discussão recorrente entre ambos sobre se haverá ou não algo depois da morte e trazem-lhe à memória o resultado de um acidente que sofrera há muitos anos, em que esteve “morta” quatro minutos.
Claire receia pela sua saúde mental e insiste para que Beth saia de casa – uma casa desenhada pelo marido, envolvida por arvoredo, com um pequeno ancoradouro nas margens de um belo lago – mas excetuando alguns momentos nostálgicos, Beth parece não quebrar e fica.
Começa a ter sonhos perturbadores, a ouvir ruídos e a ver presenças fantasmagóricas pela casa, mas que até podem ser atribuídas ao exagerado consumo de brandy a que se entregara. No entanto os sonhos são vívidos, e misturam-se com a realidade, como se de duas dimensões se tratasse, e quando terminam ao acordar, já com a luz do dia, fica a dúvida do quanto o que acabou de viver foi apenas sonho. Esta dualidade tem o seu momento, quando Beth em sonho, encara Beth a dormir (e a sonhar).
Bruckner evita o déjà vu dando plausibilidade ao terror, e vai deixando saídas aceitavelmente racionais, e ligações ao real, mas quando Betth começa a encaixotar as coisas de Owen para a caridade, a estranheza aumenta ao encontrar no seu bloco, desenhos do que parecem ser plantas arquitetónicas enigmáticas, e até uma planta da sua casa invertida lateralmente. Para além disso, e ao começar a ver o que julga serem pistas para o suicídio do marido, as descobertas tornam-se cada vez mais perturbadoras.
Apoiado pelo excelente trabalho de fotografia de Elisha Christian, limpa, e rica em construções e ilusões dimensionais e Ben Lovett que no desenho de som, ironicamente, utiliza temas musicais verdadeiramente melódicos para fazer saltar na cadeira, mas pelo volume e pelo inesperado, Brucker realizou um filme em que consegue fugir aos lugares-comuns mais “esperados”. Nada é previsível, não usa “falsos” suspenses (“inventados” por Hitchcock~), como ‘afinal atrás da porta a bater não havia nada’, nem o monstro encontrar-se em grande plano ao virar da cabeça.
Rebecca Hall encarna na perfeição a mulher que não se deixa assustar facilmente, e reage racionalmente ao mais bizarro, mas que começa, em face das evidências, a duvidar da sua própria sanidade.
Ah, para concluir: os sonhos de Beth acabam por aproximá-la das respostas que procurava e levam-na a descobrir o inimaginável, mas quando julga ter percebido o que levou o marido à decisão fatal, está tão longe da verdade como no início da demanda.
Leia as nossas críticas aos filmes MotelX 15:
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- Première MotelX 2021
- THE LODGER, DE BAPTISTE DRAPEAU
- AFTER BLUE, DE BERTRAND MANDICOL
- RUN, DE ANEESH CHAGANTY
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Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.