BÉLA FLECK
O tempo torna tudo relativo.
Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 8 anos (fotos atualizadas), pode estar desatualizado.
- Imagem em destaque Tones on Stage 3-2012 © belafleck.com
Foi ao ouvir o tema Oddity do álbum Left of Cool de 1998 que descobri Béla Fleck and the Flecktones. O som límpido do banjo, a complexidade rítmica, a originalidade dos arranjos em Oddity são suportados por um baixo eléctrico que a certa altura o eleva a um nível de intensidade e virtuosismo quase inacreditável. Fui levado a pensar que o baixista seria Béla Fleck, mas não era, Béla Fleck era o tocador de banjo e líder deste projeto tão original.
Béla Fleck começou o seu percurso no Bluegrass, a solo e também integrando o grupo The New Grass Revival, mas rapidamente mostrou vontade de levar o banjo para novos universos, muito para lá da Folk.
Para a categoria de “Best Bluegrass Album” o seu trabalho a solo Drive recebe a primeira de várias nomeações para os Grammys que viria a conseguir ao longo da sua carreira. Béla Fleck é o músico com o maior número de nomeações em categorias diferentes para Grammys, o que atesta bem a sua vontade de inovar e explorar o banjo e a sua capacidade de composição.
Tocou e gravou com músicos de diversas áreas, do pop ao jazz, da world music ao neofolk, com Edgar Meyer, Mike Marshall, Jie-Bing Chen, Vishwa Mohan Bhatt, Tony Trischka, Dave Matthews, e Chick Corea, para citar apenas alguns, e em projetos como Curandero ou Dreadful Snakes.
Em 2010 partiu para Africa ao encontro dos antepassados do banjo e da cultura musical africana. Viajou por vários países enquanto partilhava o seu banjo com diversos músicos e grupos locais. Das aventuras vividas no terreno nasceu o documentário premiado Throw Down Your Heart, do qual a banda sonora ficou registada no álbum Tales From The Acoustic Planet, Vol. 3: Africa Sessions, com que viria a ganhar mais um grammy.
Mas de todas as aventuras musicais de Béla Fleck, a mais importante, a mais perdurável e significativa foi e é sem dúvida a vivida em Béla Fleck and the Flecktones!
A banda nasceu em 1988 na sequência de um convite endereçado a Béla Fleck para participar com um projeto avant-garde num programa de TV. Tinha conhecido Howard Levy (Harmónica) no Winnipeg Folk Festival em 1987 e depois de apresentados passaram toda a noite a tocar juntos sem trocar uma palavra, o que é esclarecedor quanto ao nível atingido no entendimento musical!
Por esta altura, recebeu um telefonema de um tal Victor Woten que depois de lhe afirmar que gostava muito da sua música lhe pediu que o ouvisse um pouco a tocar. Segundo o próprio Béla Fleck, quando Victor começou a tocar baixo ao telefone, ele não podia acreditar no que ouvia…era como alguém dizer-nos “tenho algo para juntar ao seu queijo,… pão e vinho!”
A secção rítmica ficou completa quando Victor Wooten apresentou o seu irmão, Roy Wooten, a Béla Fleck. Roy tinha acabado de inventar um novo instrumento, um dispositivo com várias teclas usado a tiracolo como as guitarras que simula uma bateria convencional ao ser pressionado com os dedos, a que chamou Drumitar.
Estava então formada a banda: Béla Fleck – banjos acústicos e elétricos; Victor Wooten – baixos acústicos e elétricos; Roy Wooten (Future Man) – sinth-axe Drumitar, percussões e Howard Levy – piano e harmónicas.
Howard Levy deixou o grupo em 1993 e este tornou-se um trio e assim se manteve até 1998 com a entrada de Jeff Coffin (saxofones, clarinetes) que, saiu em 2008 para a Dave Matthews Band.
Howard Levy voltou em 2011 e com a formação original de 1988 gravaram Rocket Science, o ultimo álbum da banda até á data.
Musicalmente a abordagem do grupo foi sempre maioritariamente instrumental, a partir da fusão do bluegrass e post-bop, tendo evoluído para o funk, funk rock, jam band, folk rock, world fusion e neofolk.
Apresentando todos, uma dose substancial de virtuosismo, destaca-se ainda assim o baixista, Victor Wooten. Victor participou no projeto “Vital Tech Tones”, nome formado por partes do nome das três bandas originárias dos três músicos que o formam: o baterista Steve Smith dos Vital Information, o guitarrista Scott Henderson dos Tribal Tech, e o próprio Victor Wooten dos Flecktones. Em 2008 participou também no projeto SMV (Stanley Marcus e Victor) juntamente com Stanley Clarke e Marcus Miller, três baixistas de mais alto nível juntos em estúdio e ao vivo, e num conceito completamente novo. Victor Wooten depois de ganhar três anos consecutivos o prémio de “Bass Player of the Year” é hoje considerado por muitos o melhor baixista de sempre.
O primeiro álbum que tem como título o nome do grupo veio despertar interesse ao habitual público de jazz e bluegrass apontando para novos horizontes. O álbum teve um sucesso enorme e com o tema The Sinister Minister conseguiram o seu primeiro grammy.
Álbuns como Three Flew Over the Cuckoo’s Nest, Left of Cool, que inclui o tema Oddity, Little Worlds, são marcos de inovação e invenção, exprimem sentimentos modernos que a música até então não tinha sido capaz de atingir. Outbound e The Hidden Land ganharam em 2000 e 2006 os grammys para Best Contemporary Jazz Album. O álbum ao vivo lançado em 2002, Live at the Quick tem também edição em DVD onde podemos apreciar uma performance de luxo da banda, juntamente com alguns convidados surpreendentes.
O projeto “Béla Fleck and the Flecktones” nunca se fechou apenas nas suas próprias capacidades e convocou para a sua obra músicos das mais diversas áreas e estilos entre os quais nomes importantes da cena musical mundial, que vieram enriquecer ainda mais a discografia da banda. Dentre eles podemos citar: Bruce Hornsby, Branford Marsalis, Sam Bush, Paul McCandless, Chick Corea, Edgar Meyer , Dave Matthews , Jon Anderson, Adrian Belew, Sandip Burman, Mark Feldman, Paul Hanson, John Medeski, Congar-ol Ondar, Bobby McFerrin, Matt Molloy, Chris Thile, Derek Trucks e Joe Wooten, entre outros.
A Dave Matthews Band ao vivo em Ottawa a 20 de Abril de 2002 teve em palco a banda completa “Béla Fleck and the Flecktones” como convidados, onde tocaram o seu tema #41 misturado com Sojourn Of Arjuna, outro tema dos Flecktones, do álbum Left of Cool.
Em plena atuação e com Béla Fleck, Victor Wooten, Future Man e Jeff Coffin em palco, Dave Matthews declama o seguinte texto:
“eu estava a voar pelo espaço, sabia que era um sonho porque nunca tinha voado antes, as estrelas passavam por mim, os planetas passavam por mim, sabia que era um sonho porque nunca tinha voado antes, eu fui cada vez mais, cada vez mais longe, até que um encontrei um pequenino planeta azul e algo me fez querer ir lá, sabia que era um sonho porque nunca tinha voado antes, então fui a este pequeno planeta, e então, encontrei a melhor banda do universo “Béla Fleck and the Flecktones”!”
São 14 os álbuns editados entre 1990 e 2011: Béla Fleck and the Flecktones, Flight of the Cosmic Hippo, UFO Tofu, Three Flew Over the Cuckoo’s Nest, Live Art, Left of Cool, Greatest Hits of the 20th Century, Outbound, Live at the Quick, Little Worlds, l Ten From Little Worlds, The Hidden Land, Jingle All the Way e Rocket Science.
O grupo conquistou seis grammys ao longo da sua carreira: Best Pop Instrumental Performance – The Sinister Minister; Best Instrumental Composition –Almost 12 por Béla Fleck, Future Man e Victor Wooten; Best Contemporary Jazz Album – Outbound; Best Contemporary Jazz Album – The Hidden Land; Best Pop Instrumental Album – Jingle All the Way e Best Instrumental Composition – Life in Eleven por Béla Fleck e Howard Levy
Apenas por curiosidade e para eventualmente despertar o interesse por alguma pesquisa, quanto às origens da complexidade de algumas das texturas sonoras conseguidas, deixo aqui alguns dos instrumentos menos comuns e utilizados nos diversos álbuns da banda: bass clarinet, pennywhistle, english horn, sopranino saxophone, alto flute, oboe, bassoon, tablas, steelpans, tuvan throat singing, irish harp, jaw harp, ghatam, bodhran, kanjira, triple theremin, uillean pipes, didjeridoo, ukulele, dobro, lap steel guitar, etc…
“Béla Fleck and the Flecktones” ficarão para a história como um exemplo de puro pioneirismo musical, serão lembrados no futuro como mineiros de metais novos, inventores de novas ligas, serão referidos como parte activa na revolução musical do final de século XX, fruto do experiencialismo e fusão nos géneros e conteúdos universais da música. O valor da sua obra, para lá do gosto mais ou menos imediato, transporta uma componente estética revolucionária, plena de abordagens inovadoras para nos surpreender e, para quem se “arriscar” a experimentar, há muito prazer a retirar
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Musico, entusiasta de cordofones que gosta de falar de música, da sua alquimia e do seu indelével sentido cultural.