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Cinema Medo, No Cinema São Jorge
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7 de Junho, 2022 0 Por Filipe Daniel
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Também o tempo torna tudo relativo.

Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 1 ano, o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.

Cinema Medo

 

 

O período ditatorial português é uma cicatriz, e dúvida não há de que demora a sarar. No Cinema São Jorge teremos mais uma estória desse mesmo período, ou melhor dizendo, é o ponto de partida.

Cinema Medo conjuga cinema, teatro e (uma quase) visita guiada pelo Cinema São Jorge através de uma narrativa sobre uma mulher dos anos 50, 60 que sonhava em ser atriz. Uma diva que nunca o foi, mas que em si absorveu todos os traumas e frustrações deste espaço.

Antes de entrar na Sala Manoel de Oliveira, o público é dividido em 3 grupos através da entrega de um pequeno bilhete com cores distintas. Ficam assim formadas as equipas que disputaram um pequeno jogo e cujo o prémio é entrar na Sala Rank para assistir à última parte do espetáculo- momento esse que tentará dar vida ao rumor das visualizações de filmes por parte de Salazar e onde a Censura cortava películas.

Este espetáculo inicia com uma curta-metragem de João Pais da Silva em que parece que o espectador está sozinho pois todo o público (20-30 pessoas) está espalhado pelos mais de 800 lugares dando mesmo a ilusão de solidão, coisa que mais tarde se percebe não ser bem assim pois há sempre ‘visitantes’.

 

Cinema Medo Cinema São Jorge / Projeto Casa Assombrada do Teatro Reflexo

Cinema Medo Cinema São Jorge / Projeto Casa Assombrada do Teatro Reflexo

 

Acaba a curta e começa o ‘jogo’ cada equipa dirige-se a uma porta diferente e percorrem os espaços do Cinema acompanhados pelos assistentes de sala que desempenham também eles um papel notável.

A resistência física é quase tão importante quanto a capacidade de enfrentar o medo, pois são escadas, e corredores compridos a percorrer entre desafios. Cada um destes desafios assenta em coisas tão simples como um jogo de cartas, encontrar uma fralda ou apenas conseguir entrar num espaço escuro em que desconfiamos que uma das personagens da curta-metragem saltou da tela para se apresentar fisicamente e contar um pouco da sua história.

Todo um espetáculo de aproximadamente 1 hora tenta fazer um exercício de psicologia duplo, se por um lado vivemos e analisamos a frustração da personagem principal e todos os seus momentos: quem era, como morreu, quem são os seus demónios (sempre em momentos curtos de cerca de 3 minutos em cada espaço), por outro é exercício pessoal de entrar e lidar com o medo de cada espectador, como é que cada um de nós vamos lidar com o desconhecido atrás da porta? Não é uma questão de jump scares  é um terror mais pensado, muito bem complementado pela excelente caracterização das personagens e a simplicidade do discurso.

 

Cinema Medo, No Cinema São Jorge Artes & contextos cinemamedo

Cinema Medo  – Cinema São Jorge / Projeto Casa Assombrada do Teatro Reflexo

 

Este projeto de Michel Simeão e coproduzida pelo Projeto Casa Assombrada do Teatro Reflexo e a EGEAC não dos mais fortes comparado com outros feitos desde 2015 (Ímpios, Matadouro, Crime na Casa Museu e Internato), mas compensa pela interação com o ‘monumento’ que é o São Jorge e a forma como se tenta conter e direcionar o medo exponenciando-o mas sem nunca esquecer de preservar, e também, usar a história e o peso dos anos do espaço na dinâmica.

É um espetáculo que faz uma bela homenagem ao Cinema, mas também ao que é o teatro imersivo, consegue aplicar a estética da informalidade contemporânea conjugando-a com uma matriz dramatúrgica (que apesar de o texto se apresentar em fragmentos) muito coerente com início meio e fim justificados e sem deambulações extravagantes- coisa que seria natural neste tipo de ambiente.

Este espetáculo vem lembrar sobre a necessidade de ir ao teatro ou ao cinema, deixarmo-nos consumir pelo material artístico mas não cair na ilusão do facilitismo, de que cada um de nós pode fazer igual ao que está a ser mostrado. Se por um lado a arte é de todos e para todos, por outro lado nem todos a conseguem fazer, e aqueles que insanamente a tentam fazer sem qualquer tipo de experiência, apenas baseados num amor fictício podem, como a personagem principal deste espetáculo, acabar a assombrar espaços culturais por este mundo fora.

Ainda bem que este espetáculo existe.

 


Criação: Michel Simeão | Atores: Michel Simeão, Rita Ruaz, Luísa Fidalgo, Inês Melo, Joana Sapinho, Marco Augusto, Miguel Sousa, Miguel Mateus e Ricardo Denzel
Realização da curta-metragem: João Pais da Silva

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Autor

Lisboa, 1999. Tenta encontrar respostas através do Palco. Vê o teatro como um aliado da história e filosofia para resolver (ou não) os problemas do mundo.

Jaime Roriz Advogados Artes & contextos