Roncos do Diabo, a epopeia de um som chamado “Gaita Transmontana”
Quatro gaitas infernais e um bombo diabólico fazendo seu o reportório e o legado gaiteiro dos povos da Ibéria – são assim os Roncos do Diabo, um esconjuro inspirado na voz ancestral da gaita-de-foles transmontana, um total incitamento à folia!
Roncos do DiaboEsta é uma história que remonta ao ano de 1997, altura em que Paulo Marinho, um dos raros e quase inexistentes gaiteiros das paisagens urbanas, organizou um workshop de gaita-de-foles. O evento foi recebido com enorme entusiasmo pelos participantes e o interesse foi tal que rapidamente passaram a existir aulas de gaita-de-foles com a frequência de várias dezenas de alunos. Este movimento de interesse resultou na formação do grupo Gaitafolia, o grupo torna-se visível na animação da Feira do Livro de Lisboa em Abril de 1998. Nesse mesmo ano fazem parte do programa de animação de rua da Expo98 e nesse mesmo evento participam no concerto dos Gaiteiros de Lisboa na famosa praça Sony. Em 1999 foi criada a Associação Gaita-de-foles que se tornou num pólo importante de apoio ao ensino e à divulgação do instrumento e que ainda hoje se encontra em pleno funcionamento. Os elementos que hoje formam os Roncos do Diabo provêm deste espaço cultural e associativo, sendo todos eles ex-tocadores da Gaitafolia.
Em 2005 André Ventura, João Ventura, Vítor Félix e Mário Estanislau (Gaiteiros), e Tiago Pereira (Percussão), formam os Roncos do Diabo e o novo grupo surgiu com dois ingredientes secretos: o primeiro a Gaita Transmontana, o segundo a abordagem rítmica inovadora feita apenas por um único bombo.
A história por detrás do 1º ingrediente provém do encantamento causado pela sonoridade do ponteiro da gaita do transmontano Ruan Prieto Ximenes de Rio de Onor. Num dos workshops realizados por Paulo Marinho, o timbre deste ponteiro impressionou de tal forma que inspirou Mário Estanislau e Vítor Félix para o projecto de fabricar uma gaita com o mesmo tipo de sonoridade. Não por ser de Trás-os-Montes, mas pela sua sonoridade ser representativa dessa região, chamaram-lhe Gaita Transmontana. Estas mesmas gaitas passaram a ser usadas em exclusivo – e ainda hoje o são – pelos gaiteiros dos Roncos do Diabo.

O 2º ingrediente é fruto da falta de comparência de percussionistas nas atividades da Gaitafolia, Tiago Pereira vê-se obrigado a alterar a forma de tocar bombo devido a muitas das vezes ser o único percussionista a acompanhar os gaiteiros e desenvolve a abordagem técnica que transporta em definitivo e de forma assumidamente individual para os Roncos do Diabo.
Pela primeira vez se experimentaram temas do reportório ibérico usando várias gaitas de sonoridade transmontana, combinando “vozes” diferentes tocadas em harmonia. No seu reportório há temas Galegos, das Astúrias, da Cantábria, de Trás-os-Montes, da região centro de Portugal e alguns originais, um deles escrito por Mário Estanislau dedicado ao famoso festival “L Burro i l Gueiteiro” a Murinheira Burriqueira. A alma do grupo alimenta-se principalmente de tocar ao vivo em festivais, concertos ou animações de rua, logo compreende-se que o seu único trabalho discográfico seja o de um registo ao vivo de um dos seus concertos. O disco foi gravado em Almada, no Auditório Fernando Lopes-Graça, a 26 de Janeiro de 2008, da forma mais simples possível: foram colocados os microfones por zonas e não houve pistas individuais, nem repetições ou correções. Só desta forma se conseguiria captar a verdadeira essência do grupo e a verdadeira energia da sua música.
Na conversa que A&c teve com Mário e Vítor nas instalações da “cúmplice” Sons da Musica, a oficina artesanal de instrumentos tradicionais que partilham, foram desafiados a escolher uma das histórias engraçadas que ao longo do tempo foram acontecendo ao grupo, escolheram a que viveram no festival William Kennedy International Piping que se realiza em Armagh, irlanda do Norte:

Na sequência dos vários contactos e pedidos de orçamento efetuados pela organização do festival William Kennedy a grupos de gaitas-de-foles portugueses, os Roncos acabaram por ser selecionados e viajaram para a Irlanda do Norte, onde se viriam a sentir menosprezados, tendo a sua atuação sido relegada para uma sala muito pequena e com condições muito precárias. Surpreendentemente no final do festival e depois das suas atuações, foram abordados de forma espontânea pela organização que para além de um pedido de desculpas pela falta de atenção que lhes dedicaram, os contratou para voltarem no ano seguinte com um cachet substancialmente melhorado.
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Os Roncos voltaram a Armagh e marcaram presença no palco principal do festival tocando antes da actuação da banda de gaitas campeã do mundo em título, que é presença “obrigatória” no programa do festival. Este facto é tanto mais extraordinário quanto se sabe que o festival tem por norma não repetir bandas de um ano para o outro.
Falou-se no futuro dos Roncos do Diabo e ficou a ideia de que o grupo está pronto para abdicar da utilização exclusiva da gaita transmontana e incluir outros tipos de gaita e também instrumentos que não sejam gaitas, como é o caso da sanfona recentemente construída nas oficinas da Sons da Música. Falou-se também da inclusão no grupo de mais instrumentos de percussão, tendo sempre em conta o caráter experimental e inovador no papel de suporte à gaita-de-foles. Ficou a promessa de que se estes novos fatores conjugados tiverem o valor cultural e artístico desejado, poderemos então esperar quem sabe, por um novo disco que espelhe todas estas novidades.
Musico, entusiasta de cordofones que gosta de falar de música, da sua alquimia e do seu indelével sentido cultural.

O texto é muito interessante ,e está relatado com muita autenticidade.
PARABENS