GAC – Guerrilheiro-Artista-Contemporâneo
Imagem em destaque: Hands off my tags! Michael Gaida por Pixabay
O momento em que este ensaio está a ser escrito e lido, é em si um paradoxo, pois nas linhas que se seguem é pretendido perdemo-nos numa curta reflexão sobre o contemporâneo (tanto o tempo como a arte). Ora o problema é o da distância: temos de nos distanciar para poder pensá-lo, mas temos de o integrar para poder vivenciá-lo.
Claro que ao fazer este exercício ficamos aquém, como nos explica Giorgio Agamben em Nudities (2011) porque estamos já «demasiado tarde» apesar de ser «ainda muito cedo» para o trabalhar – é este movimento simultâneo em que assenta a prática contemporânea, não sendo nem absorvido pela exclusividade do Presente, nem por um qualquer tipo de nostalgia do Passado. Estaremos, por conseguinte, ao longo das linhas seguintes a ser contemporâneos através desta relação de desfasamento e anacronismo necessários para com o nosso próprio tempo.
E se partindo deste pressuposto de análise acrescentarmos o contexto histórico, o paradigma adensa-se, e para isso recorro à ideia de Após do crítico Cuauhtémoc Medina, em que o contemporâneo torna-se mais numa substituição do tempo anterior do que uma nova conceção teórica. Perante o fim das grandes narrativas e dos ideais políticos (pós-Colonialismo; pós-monopólio Euro-Americano; pós-Guerra Fria, inclusive o pós-fim da história de Fukuyama, a arte encontra-se num mundo em necessidade de libertação da pressão e stress dos projetos revolucionários inacabados, ultrapassadas pelas lógicas neoliberalista e consumista que dominam o quotidiano: “‘contemporary art’ appears as the figure of a revolution in standstill awaiting the moment of resolution “1.
Neste presente dominado pela Luz 2 (aquilo a que somos expostos a ver, ignorando o que está em seu redor) e por um generalizado analfabetismo secundário 3, trabalha-se para afastar o imediatismo da ‘iluminação imediata’ e perceber o que há além disso. Assim urge a necessidade de citar a história, usando a arte como um alerta da memória no presente – lembremos por exemplo By Heart de Tiago Rodrigues – sem depender em exclusivo dela, mas não a esquecendo. A arte atua como se fosse o longo libertar de stress e revoluções falhadas do momento passado. Este é um trabalho de questionar e meditar comparando e jogando com tempos e espaços diferentes.
Neste movimento, nascem novos artistas, que influenciados, ou melhor dizendo, pressionados pelos contextos económico-sociais têm de encontrar soluções, primeiro para a sua sobrevivência enquanto cidadão e depois para a sua afirmação artística. Chamemos GAC – Guerrilheiro-Artista-Contemporâneo: O Artista contemporâneo que age em estilo de guerrilha, isto é, em pequenos grupos, ou individualmente, não pertencente ao um grande exército/grupo ideológico-estético, sem grandes afinidades pelas convenções. Tal como a guerrilha é um tipo de guerra disperso e que demora longos períodos de tempo, recorrendo a mecanismos psicológicos elaborados, também o GAC, pelo seu trabalho contínuo é aquele que não para de interpelar, numa urgência de comunicar e de se fazer entender, quer com perguntas, respostas, sensações ou perspetivas. Está nele subjacente a ideia que “a cultura é uma arma, quanto mais sabes, mais defendido estás”.
E neste percurso arte e artistas combatem também o preconceito da “falta de sentido”. Este mesmo é abraçado pelo estilo dos GACs que agem de forma quase independente, numa atitude de reação, em grande dinâmica numa biodiversidade de estéticas em que cruzam fronteiras artísticas, não se prendendo nem com temáticas ou estilos fixos (e.g. trabalho (des)contínuo de Rui Horta Pereira).
Esta cacofonia vem substituir os -ismos agrupando-os sob um mesmo teto celebrando a informalidade. A “Unanswerability” da sua definição torna-se um espaço de trabalho. Este paradigma reforça a subjetividade do espectador, incentivando-o a dialogar com a obra, mesmo que essa interação seja efémera.
O GAC atua entre as suas dinâmicas e uma rede de instituições que os catalogam esteticamente, além das novas tecnologias. Estas fortes redes entre espaços e cruzamento de financiamentos – realidade onde brotam coproduções – possibilita a exposição em mais espaços, sendo possível alcançar mais público – não dependendo dos antigos centros de poder cultural. Com a dilatação artística e heterogeneidade de perspectivas, o elitismo tende a desaparecer (em teoria) criando uma dialética entre o novo jet set privado, que procura a sua identidade na filantropia, e o ‘proletariado’ – gerando horizontalidade no acesso à cultura. Este populismo aristocrático, contudo, cria rarefação do criticismo: se por um lado é facilitado o acesso à arte, por outro esta cai no risco de ser apenas produto, ou procurada apenas por nichos.
Tendo em conta estas mesmas considerações, urge uma pergunta maior: não são estas dinâmicas (das estéticas, entre arte e instituições, entre arte e público,…) o epicentro de uma tempestade que num futuro será encarado da mesma forma que hoje se encaram movimentos artísticos mais distantes no tempo e espaço – com simplicidade de uma quase linha reta?
PS: A resposta parece-me complicada, mas decerto que o percurso até lá será (e já está a ser) proveitoso.
1 Paráfrase de Walter Benjamin em: Medina, (2010) Contemp(t)orary Art: Eleven Thesis in Julieta Aranda, Brian Wood, Anton Vidokle, What is contemporary art? Sternberg Press: 2010
2 Agamben. Nudities. (Trad. by David Kishik). Stanford: Stanford University Press, 2011
3 “A ideia de existirem graus de analfabetismo, sendo o primeiro aquele que não sabe ler nem escrever, e num grau secundário aquele que se desconhece a si mesmo enquanto tal e acha-se informado. Sabe ler e escreve e interage como mundo que o interpela, porém, não sabe que há muito mais mundo para além daquele que foi desenhado à sua figura”: ENZENSBERGER, Hans Magnus. Mediocridade e loucura e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1995.
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Lisboa, 1999. Tenta encontrar respostas através do Palco. Vê o teatro como um aliado da história e filosofia para resolver (ou não) os problemas do mundo.