Manchester by The Sea

Manchester by The Sea
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5 de Janeiro, 2017 1 Por Rui Freitas
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Também o tempo torna tudo relativo.

Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 6 anos - o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.

Manchester by The Sea é um filme poderoso, brutalmente honesto e ao mesmo tempo de uma simplicidade assinalável. É a vida de Lee Chandler (um soberbo Casey Affleck) que nos narra o autor e realizador Kenneth Lonergan.

Lee é-nos apresentado logo no início como um zelador de apartamentos que cumpre as suas funções sem qualquer entusiasmo, um homem sorumbático, e solitário, pouco expressivo e pouco emotivo, e que, veremos mais à frente, é dado a resolver os problemas a soco.

Num dia igual a todos os outros Lee recebe uma chamada em que fica a saber que o seu irmão Joe (Kyle Chandler) está a morrer no hospital da terra onde tinham crescido, vitima de uma insuficiência cardíaca diagnosticada há muitos anos. Aparentemente indiferente, tem a sua primeira reação quando num bar se vira à pancada a dois clientes cujo olhar o estava a incomodar.

Dirigiu-se àquela terra de pescadores onde decidira não voltar e quando chega ao hospital o irmão já tinha falecido.

O encontro com pessoas do seu passado numa terra onde toda a gente conhece toda a gente, despoleta as mais diversas reações que vão desde a alegria ao desprezo, e à provocação, o que nos deixa as primeiras pistas de que há algo para contar.

Pelo advogado do irmão fica a saber que aquele lhe deixara a tutela do filho de 16 anos, Patrick (excelente papel do jovem Lucas Hedges, uma estrela a nascer) com o qual na sua infância nutrira uma ligação profunda. A mãe de Patrick, (Gretchen Mol), uma alcoólica mentalmente desequilibrada deixara a família há muito e Lee que não se sentia capaz de tomar conta nem de si próprio vê-se confrontado com as contingências da adolescência.

E a relação entre os dois vai-se reconstruindo atribuladamente.

A linearidade da narrativa vai sendo entrecortada sabiamente e sem sobressaltos por flashbacks que a propósito de momentos do presente nos vão gradualmente desvendando o passado da vida de Lee, e o que o transformou naquilo que é, no homem que se odeia e que nutre por si próprio uma raiva reprimida e auto mutiladora. Conheceremos então uma tragédia familiar, uma história inenarrável de dor e amargura que se alastrou à comunidade e que como consequência destruiu o seu casamento com Randi (Michelle Williams) e ditou o seu afastamento da terra. Mostra-nos os personagens antes da tragédia que os marcou, passando por esta, até culminar no presente, num encontro de rua entre Lee a ex-mulher Randi, numa cena inesquecível dominada por silêncios e palavras subentendidas, de uma intensidade dramática e de uma genuinidade notáveis.

Manchester by The Sea

Mas Lonergan sabe que a vida não é composta apenas de tristezas e que continua apesar de tudo, continua sempre. Mostra-nos em Patrick um jovem saudável e como tal a perda ainda que terrível, não toma conta da sua vida. Angustia-o o facto de o pai não poder ser sepultado de imediato – a terra está demasiado dura, terá que ficar congelado até à primavera – mas ao mesmo tempo tem que continuar com a sua banda e a gerir o tempo com as suas duas namoradas. Introduz aqui e ali momentos hilariantes sem que pareçam forçados nem patetas, mas momentos simples da vida, que continua. Enquanto transporta o sobrinho para os ensaios, ou para casa das namoradas Lee vê a mãe de uma delas a tentar seduzi-lo e sem jeito nem interesse descarta-se atabalhoadamente.

E a morte do irmão vai sendo absorvida pelo quotidiano de Lee, da sua relação com Patrick, com os seus fantasmas e com a insuportável ideia de que terá de permanecer naquela terra muito mais tempo do que desejaria.

Esta história apresenta-se-nos de uma forma autêntica, a um ritmo perfeito, sem lapsos e sem pressa.

Com excelentes prestações e personagens impecavelmente desenhadas, o realizador não descarta nunca o sofrimento, para seguir em frente livre de constrangimentos, mas mantém o espectador agarrado à realidade de que uma tragédia da dimensão da que Lee e Randi sofreram não se cura facilmente, simplesmente não se cura. Mas também é só isso, sem o recurso a um desespero épico nem aterrador. O realizador não nos quer contagiar com o sofrimento das personagens, quer apenas mostrá-lo de uma forma realista e honesta como se o estivéssemos a acompanhar perante pessoas do nosso bairro.

Apesar de um ou outro apelo à lágrima, está longe de ser este o objetivo do realizador. É a vida. Lonergan faz expor em cada olhar em cada frase ou em cada silêncio as emoções das personagens e não se deixa nunca cair em lugares comuns nem em tentações hollywoodescas de início fresco e tranquilo, para uma tragédia profunda, seguida da gestão de rancores e vinganças para o apaziguamento, e da redenção para a paz do final feliz.

A narrativa segue um rumo natural da vida a avançar indiferente às contingências e aos dramas de cada um, levando-nos atrás.

Lee vive marcado pela tragédia e mortificado pela culpa e em momento nenhum procura redenção ou apela à nossa compaixão; sem momentos de catarse e sem truques na manga. Vive-a como os seres humanos a vivem. Assim como Patrick e como Randi…

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Realizado por Kenneth Lonergan, com cinematografia de Jody Lee Lipes e edição de Jennifer Lame; musica da responsabilidade de Lesley Barber (bela “aplicação” de Adagio em Sol m pela London Philarmonic Orchestra) e com uma extraordinária prestação de Casey Affleck, mas também Lukas Edges e Michelle Williams, Manchester by The Sea, ficará certamente como um dos grandes momentos de cinema do ano.

 

 

Manchester by The Sea no IMDB

 

 

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Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.

Jaime Roriz Advogados Artes & contextos