Nascido em 1966, docente na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, e autor da tese “Retrato: O desenho da presença”, publicada em 2010, Artur Ramos apresenta a exposição “O Corpo da Fisionomia”. Anteriormente patente na FBAUL, está agora, desde 4 de junho, de forma parcial, na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.
Laura Carvalho (L.C.) – Em que medida “A Fisionomia do Corpo” transparece aquilo que é a sua obra?
Artur Ramos (A.R.) – A exposição reflete o tema principal determinante para todo o meu trabalho. O corpo humano e em particular o retrato. Desde o desenho tirado do natural até ao subtil processo de idealização passando pela pesquisa em torno dos meios atuantes a exposição ‘expõe-me literalmente’.
Distribuída em dois corredores, a exposição é composta por vários desenhos de autor, monocromáticos, maioritariamente em carvão e tinta, e alguns com intermediação tonal. A temática apresentada é a representação do corpo nu, feminino e masculino. Apresenta-nos o corpo reclinado, numa perspetiva mais classicista, ainda que surja sentado. Um dos desenhos, é constituído por um fundo em carvão, que delineia o corpo, o qual varia entre o branco e o tom realista de pele “branca”. Parece inacabado, apesar de assim o ser intencionalmente, afigurando-se como um impulso do próprio artista para criar uma variação tonal. Há uma sensação faseada da criação, um antes, durante e depois da obra final.
L.C. – O realismo com que trata os corpos permite transparecer o estudo intensivo que fez. Qual o impulso por detrás deste mesmo estudo?
A.R. – Os corpos parecem ser realistas, mas estão muito alterados no sentido de se autocaracterizarem, ou seja, de ficarem ainda mais parecidos com os próprios referentes ou mais concordantes em si. Por isso tento descobrir, quando desenho um corpo ou um rosto, a lógica que sustenta a sua harmonia. No caso desta não ser totalmente presente é preciso corrigir para o desenho ficar convincente.
A visualização do corpo de diferentes perspetivas transmitindo ao observador a sensação de movimento, cria um olhar sobre o próprio corpo, por parte da figura representada, uma réplica da réplica da criação. É originada uma tensão na representação, implicando o olhar em diversas frentes, vendo a obra como um todo.
L.C. – O estudo do movimento é algo que trabalhou nas obras patentes nesta exposição. Até que medida a figura reclinada que apresenta, ligada ao cânone classicista, é uma confirmação de como a perfeição e o cânone é algo muito longínquo?
A.R. – A figura de que fala é uma citação de uma pintura de Andrew Weyth ‘O mundo de Cristina’. O que me despertou nela é exatamente a sensação de movimento que advém da natureza da pose e da ocupação em diagonal da página. A modelo tem um cânone e 8 cabeças. Lísipo é o mais composto. No entanto, proporcionalmente nem tudo bate certo, mesmo com as pequenas acentuações ou alterações de que falei há pouco.
Ramos, apresenta um painel de grandes dimensões que ostenta inúmeros estudos de faces, de frente, em perfil, deitadas, apenas contornadas ou sombreadas em carvão. O estudo fisionómico é-nos dado através da análise do corpo humano, do seu movimento, das suas diversas expressões e posicionamentos.
L.C. – Relativamente a este painel, apresenta caras de diferentes populações. Qual o papel da arte na preservação das particularidades do mundo?
A.R. – Acho que pode ser integradora. Uma das modelos usadas é filha de pais com características muito diferentes.
Uma exposição que indicia a análise e reflexão próprias do observador, através de uma coletânea de desenhos tão próprios, realizados por um artista, que também é um filósofo.
L.C. – Para si, em que medida o corpo, enquanto referente, pode ser um reflexo direto do artista que o pinta?
A.R. – Exatamente no modo como o artista capta a sua natureza formal. Os olhos mostram não só aquilo que quiseram ver, mas também como o viram. E eu doseio essas percentagens…
L.C. – A fisionomia dos corpos, também é a fisionomia da mente?
A.R. – Não sei. Estender a fisionomia ao corpo é porque cada corpo é tão diferente quanto os rostos são uns dos outros. Associo fisionomia a algo estritamente da ordem do visível. À mente, ao pensamento ou ao espírito associo o temperamento ou a personalidade. E aí estaria mais próximo da fisiognomonia que é um outro mundo.
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“Muitas vezes fazemos um desenho e ficamos satisfeitos com o resultado, mais tarde desapontamo-nos ao olhar para o mesmo desenho, ele parece não resistir à ausência do seu modelo. Nos meus trabalhos procuro que o desenho resista à passagem do tempo e ao desaparecimento do seu próprio referente. (…) Assim, cada retrato é uma aposta num sentido fisionómico que nunca está confirmada e cada figura é uma confirmação de como a perfeição e o cânone é algo muito longínquo.” Artur Ramos, 9 de maio de 2019.
Exposição patente entre 5 de Junho – 30 de Julho 2019, Átrio do Auditório da Biblioteca da FAUP
Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.