
O Corvo, uma Ópera de Camara0 (0)
23 de Fevereiro, 2017
The Raven o poema de Edgar Allan Poe traduzido para português por Fernando Pessoa, adaptado para ópera de câmara e apresentado ao vivo com um cantor lírico, uma bailarina e três músicos em palco!
O formato é sui-generis, mas sem dúvida alguma que se trata de uma ópera – canto lírico com música ao vivo e envolvência teatral. Assistimos a este espetáculo numa das salas comuns do moderno edifício “Fabrica das Palavras” em Vila Franca de Xira e, com o público arrumado de forma um pouco caótica, a sala estava preenchida e as cadeiras não chegaram para todos.
O espetáculo começou com a entrada dos três músicos, um clarinete, um acordeão e um violoncelo, uma intro melancólica que ajudou a preparar o público para a entrada sinistra do protagonista, um homem solitário numa noite de inverno, traz nos braços a sua amada já morta (O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!(¹)). Ele deixa-a no chão cheio de folhas caídas e adormece num cadeirão, e enquanto dorme ela ergue-se e dança nos seus sonhos. Mais tarde, numa outra noite, ela volta como um corvo de plumas negras e de bico em riste, vem para habitar o medo deste homem só e vazio. O medo e a solidão assistem à interpretação do poema em canto lírico, muito diferente do ato da sua simples leitura. Assim cantado, o poema ganha vida, corpo, podemos sentir o ator/barítono a declamar/cantar o poema tornando-o numa espécie de ária. A magia acontece, o poema já não é só apenas um poema, é algo muito maior.
(Clique na imagem para assistir ao trailer)
Somos surpreendidos pela diversidade dos elementos usados, as folhas outonais (em grande quantidade) espalhadas pelo chão – parte da ação é amplificada na interacção a partir do som do seu restolhar – a iluminação e a base sonora de caráter electrónico (lançado em tempo real) juntas temporizam a acção, emocionalmente funcionando como suporte à espaçada interpretação musical do poema.
A janela que dá para a rua e que se encontra por detrás da boca de cena faz também parte do cenário, podíamos ver a chuva a bater nas vidraças enquanto assistíamos ao decorrer da ópera, chovia nessa noite e a própria chuva ajudou a criar o ambiente misterioso e macabro que tanto caracterizam a obra de Edgar Allan Poe.
Produzido pela Inestética Companhia Teatral, este espetáculo veio a cena a primeira vez em finais de 2015, esteve 10 dias consecutivos em cena no Palácio do Sobralinho, passou depois Festival de Teatro de Montemor-o-Novo, pela 28ª Temporada de Música em São Roque e pelo Theatro Circo em Braga.
Aproveitamos a ocasião para assinalar que estará na calha uma abordagem similar ao poema Tabacaria de Fernando Pessoa, com a estreia apontada para novembro deste ano.
(¹) GENIUS – O Corvo Fernando Pessoa – Anotado
Produção Inestética Companhia Teatral
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Música Luís Soldado
Texto original Edgar Allan Pe
Tradução Fernando Pessoa
Encenação Alexandre Lyra Leite
Direcção Musical Rui Pinheiro
Barítono Rui Baeta
Bailarina Yara Cléo / Sara Chéu
Acordeão António Correia
Clarinete Ruben Jacinto
Violoncelo Tiago Vila
Electrónica em tempo-real JoséGrossinho
Musico, entusiasta de cordofones que gosta de falar de música, da sua alquimia e do seu indelével sentido cultural.