All the Gods in the Sky – de Quarxx
Quarxx, dono e senhor de uma extraordinária capacidade em cinematografar a psique, trouxe até nós, na 13ª edição do MotelX, All the Gods in the Sky (Tous les dieux du ciel), a sua primeira longa metragem. No seguimento da curta de 2016, Un Ciel Bleu Preque Parfait, realizou este filme sob uma ótica mais “leve e esperançosa”, como assim o disse no Q&A, sendo que ao longo de uma hora e quarenta e dois minutos somos colocados no limbo entre a realidade e a psicose.

Um terror SciFy forte, com cenas gráficas, imagens estonteantes e sons agonizantes. É assim que nos é contada a história dos irmãos Dormel: Simon (Jean-Luc-Couchard) e Estelle (Melanie Gaydos).
Um episódio trágico durante a sua infância, deixou Estelle paralisada e incapacitada, necessitando de cuidados de terceiros. Vinte anos depois, Simon ainda vive atormentado com a culpa do acidente, e continua a ser o tratador da irmã. Mas cedo percebemos que o seu destino já está traçado por uma doença que o acompanha e que, mais cedo ou mais tarde, o fará deixar a irmã.
Estelle dá corpo à tristeza, sem nunca proferir uma única palavra. As suas reações são estimuladas por uma sucessão de eventos, desde a visita da pequena Zoé (Zelie Rixhon), à sua violação pelo prostituto (Xavier Mussel) contratado pelo irmão, num ato de oferenda pelo seu aniversário.

Simon é-nos apresentado como um simples operário fabril, que se desdobra entre trabalho e a assistência à irmã. No entanto, a história encarrega-se de o revelar como alguém obscuro, com traumas do passado que o acompanham e com graves surtos psicóticos, com reflexos na forma como age para consigo mesmo e para com Estelle.

SciFy que se preze evoca o mundo alienígena que vive no imaginário de muitos de nós. Habitante da psique de Simon, o mundo extraterrestre tolda-lhe o pensamento, e ele deixa-se dominar, agindo em função do seu perdão. A forma como os delírios de Simon são transportados para a tela é de louvar. O medo instala-se e o suspense está sempre presente.
Simon tem ímpetos desesperados para manter Estelle junto dele, retardando qualquer tipo de estímulo à irmã. A solidão consome-o, mas a vontade de encontrar o “outro mundo” elevam o patamar da sua loucura a níveis impensáveis. Couchard desempenha a sua personagem de forma magistral, transmitindo cada gesto, como algo profundamente pessoal.
O brilhantismo de Gaydos é notável, tendo em conta que o seu background performático é tão curto. Segundo Quarxx “demorou um ano a poder encontrá-la (…) não queria uma atriz que tivesse de ser maquilhada para servir o propósito (…) A Melanie transmite aquele peso sentimental e emocional que procurava…”.

A força das imagens do sol e da terra, e o som elevado e perturbante, são um relâmpago de emoções. Não receiem os menos aficionados ao SciFy, visto que os aliens não têm grande protagonismo, mas são mais um peso numa história tão psicótica e que nos pode parecer tão real.
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Nota máxima para esta loucura cinematográfica francesa, em competição no festival, que nos arrasta para o mundo louco e disfuncional que prende e amaldiçoa os irmãos Dormel.
All the Gods in the Sky no IMDB
Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.

Concordo com a escritora do artigo. Na minha modesta opinião, o filme “Tous les Dieux du Ciel”, do, para mim desconhecido, realizador francês que utiliza Quarxx como seu exótico nome artístico, foi o verdadeiro tesouro escondido do festival. O melhor, sem margem para dúvidas, dos 16 a que tive oportunidade de assistir no Motelx deste ano. Original, bizarro, violento e tocante.
Embora “Why don’t you just die!” do russo Kirill Sokolov seja um crowd pleaser, que também bastante me agradou, creio que o Prémio MOTELX para Melhor Longa-Metragem de Terror Europeia 2019 deveria ter sido entregue ao filme francês.