Laurence Garnesson
Quanto mais o discutimos, menos o compreendemos, mais vale inserirmo-nos nele. – Lao Tseu, Dao de Jing
Nos papéis e volumes de Laurence Garnesson, a confrontação entre os médiums evidencia aquilo que não é visível nos pequenos gestos espontâneos e previamente interiorizados. A procura plástica faz-se na pureza. Trata-se de um diálogo entre a matéria e o espaço branco da não intervenção, aquele que revela particularmente a ausência que não cria. É este silêncio maioritário que denota a pequena quantidade de material utilizado. O vazio anuncia-se pelo símbolo, mesmo sob a forma de um esplendor, e o neutro adquire uma verdadeira materialidade. O papel, cuidadosamente escolhido, não “suporta” o gesto (no sentido de “suporte” pictural): é plenamente médium que se conjuga com a matéria. O desenho não é, desde logo, nem um acrescento, nem uma omissão, pois já lá está tudo, no papel. Se é o artista quem faz a obra, esta faz-se, então, de alguma forma, sem o seu conhecimento.
Trata-se, evidentemente, de fragilidade: tanto no material quanto no desenho. Os gestos são frangíveis, prontos a partir como vidro, e as tintas diluídas invocam uma gama de cores que se dissolvem como açúcar. Frequentemente, estas bandas coloridas são sustentadas por alguns traços escuros e entalhos no papel, despertadas para o mundo tangível pelas barrinhas ou agrafos que furam o desenho para o impedir de se desfazer.
As formas deslizam, sem reserva, para esta atmosfera acolchoada, movidas por um impulso que sacrifica a imagem pelo imaginário, a aparência pela perceção. Por outras palavras, é por camadas que o desenho se revela. Brice Marden refere o “limite espartano do quadro”: tudo tem de ter lugar no seu seio. Este limite é posto em causa por Laurence Garnesson que trabalha o verso do papel, os seus rebordos e tiras numa porosidade que ignora qualquer fronteira. As saliências da pintura são aproveitadas e as sinapses juntam-se, afastam-se e atravessam-se no, e par além, do espaço plástico. Quanto às formas, definem-se menos pela sua unicidade que pela sua relação, pela sua passagem, pela sua porosidade.
Esta relação com o espaço persiste nas obras em volume que retomam os padrões de fissuras e de sobreposições naqueles que parecem ser desenhos em duas dimensões.
Conjuntamente, os materiais nobres são rejeitados para benefício de materiais mais rugosos: terra, cimento, cartão. Estas substâncias de salitre degradam-se, escapam à perfeição e, assim, reatribuem à obra a sua humanidade. Arquiteturas brutas, já precárias, que relembram a tenuidade da matéria, já evidente nos desenhos. De forma geral na obra de Laurence Garnesson, o acesso ganha-se por um interstício, um detalhe, um vão que deve ser aceite, propriamente, como uma proposta plástica, que remete ao pensamento oriental do vazio, segundo o qual o universo se encontra no ínfimo. O observador é convidado a partir de outra coisa do que aquilo que vê e a interessar-se pela obra como uma experiência sensível, tão decisiva quanto parece inofensiva, como um calafrio ou cócegas. Desviar o gesto para melhor o realçar é a palavra de ordem.
Neste projeto, a limitação da expressividade é rigorosa. Pois, para que seja necessário, o gesto, deve despir-se de expressão. Mais do que uma necessidade interior – aquela que as vanguardas históricas, e Kandinsky em particular, apreciavam como princípio criador – é uma necessidade do gesto, desprovida de qualquer tagarelice. “Fazer obra” torna-se uma procura prescrita, substituída pela procura como obra. A artista-investigadora só prospera na chama do sentido, para utilizar uma expressão de Barthes, no seio de uma relação amorosa com a tela que se estabelece pela espera, pelo compromisso e pela exigência.







Uma arte heurística, quase-forense na sua tenacidade, em suma, que não abraça a precisão. “É somente a caça, e não a presa, o que procuram” (Pascal, Pensamentos)
Este artigo foi traduzido do original em francês por Constança Costa Santos
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