Bacurau – de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
Os dois realizadores trazem ao MotelX 2019 o filme galardoado com o Prémio do Júri no Festival de Cannes deste ano.
Tratando um mundo distópico (ainda que com muitas referências ao real), as personagens habitam uma aldeia fictícia com o nome Bacurau, um local remoto no interior do Brasil, de difíceis acessos e que praticamente não é visitado por ninguém.
A população sem acesso a água potável, nem a medicamentos, embora tenham a uma médica, a Sra. Domingas (brilhante papel de Sónia Braga), vive com o que a terra lhe dá. A terra e o que o Prefeito da região em campanha eleitoral lhes concede, como livros velhos e alimentos fora de prazo.
Em contraste, dispõem de alguns exemplares de novas tecnologias, como alguns telemóveis, tablets ou o computador na miniescola, que pretendem dar-lhes a falsa noção de pertencerem a um Brasil que os estima, quando na realidade – acabam por perceber – nem constam dos mapas.
As generosas ofertas Prefeito passam também em dado momento, o momento no tempo da pacífica comunidade em que a morte passa a ser uma constante, pelos muito úteis caixões.
O momento é quando começam a aparecer corpos de gente da aldeia brutalmente assassinada. Os hediondos crimes são da autoria de um grupo de norte americanos de extrema direita, que se instalara nas proximidades de Bacurau. O grupo fortemente armado, munido de drones e chefiado por Michael (Udo Kier), mata indiscriminadamente, com o objetivo de esvaziar as terras.
Kleber Mendonça Filho cria um universo em que o Brasil é dominado por negócios suspeitos com os Estados Unidos da América, que passam pela dizimação das minorias étnicas e indígenas e no qual os outsiders matam indiscriminadamente e sem pudor, motivados por interesses financeiros pouco claros.
O aumento das mortes e o fatal esvaziar das famílias acabam por provocar a união da comunidade que munidos de pistolas, caçadeiras e catanas e com a ajuda de uma planta “medicinal” e alucinogénica que mascam, se mobilizam para responder aos assassinos, decididos a usar da mesma crueldade de que têm vindo a ser vítimas.
Teresa, (Bárbara Colen) que nos introduz na pequena aldeia, usa um pendente com uma serpente, exemplificando a relação que estas comunidades hoje ainda mantêm com os animais ofídicos e Lunga usa um pendente com uma figa que chegou ao Brasil pela cultura Iorubá e que representa a contenção da energia sexual feminina.
Sónia Braga dedicou a sua prestação à falecida Marielle Branco, que teve também a homenagem dos realizadores dando o nome a uma das personagens falecidas e as minorias, ficam também representadas na personagem Lunga (Silvério Pereira) – que encarna características masculinas e femininas, trajando roupas que não definem um género.
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Bacurau, após Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, apresenta uma proposta nova para o cinema brasileiro e um grito para a indústria em geral.
Bacurau no IMDB
Licenciada em História de Arte pela Faculdade de Letras de Lisboa. Apaixonada por histórias contadas na imagem, literatura do século XIX e artes decorativas. Defensora da liberdade no mundo da arte.
Para mim, uma desilusão completa. Bem intencionado, sem dúvida, mas muito pobrezinho e maniqueística. O nível médio das interpretações pareceu-me bastante fraco, em muitos casos a roçar o amador. É certo que só a presença de Udo Kier faz cair a pique qualquer média, mas, ainda assim, não havia necessidade…
Apesar da estupefação que me provoca a eleição de personagens do calibre de Trump e de Bolsonaro e da aversão que tenho às suas “ideias”, o valor intrínseco de “Bacurau” como obra cinematográfica parece-me reduzido.
Foi o segundo filme que menos gostei dos 16 a que assisti no Motelx2019, superando apenas o inenarravelmente absurdo “It Comes” de Tetsuya Nakashima, uma salganhada japonesa sem ponta por onde se lhe pegue.