Mauro Giaconi - Why I Draw

Mauro Giaconi – Porque é que eu desenho
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3 de Março, 2021 0 Por Artes & contextos
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Também o tempo torna tudo relativo.

Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 2 anos - o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.

Mauro Giaconi

 

O facto de Mauro Giaconi ter estudado arquitetura durante três anos antes de completar a sua licenciatura em pintura é revelador. Os seus desenhos e o espaço que ocupam são ambos cuidadosamente configurados, de modo a que a experiência do espectador seja inevitavelmente física. Para a sua exposição performativa ‘Felicidad’ na Ruth Benzacar em Buenos Aires em 2017, Giaconi apresentou uma peça em duas partes.

O artista começou de frente para uma parede limpa, armado de um martelo e de uma mochila cheia de lápis. Ao tentar pregá-los violentamente à superfície branca, tanto os lápis como a parede racharam, gerando um cenário ruidoso e frustrante. A segunda parte da performance começou quando o artista e o seu público deixaram a destruição para trás e avançaram para o espaço principal, onde cubos de betão feitos à mão e revestidos de grafite espessa decoravam o chão. Giaconi agarrou num desses blocos e atirou-o contra a parede, gesticulando para que o público se juntasse a ele e repetisse a ação. Quando os cubos se partiram, o pó de grafite salpicou a parede branca, revelando um padrão de rede de arame pré-elaborado e invisível até então.

Espalhar pelo chão com objetos cobertos de grafite é uma característica recorrente no trabalho de Giaconi. Conceptualmente, ele não está apenas interessado nas existências físicas, mas também nas ausências; na forma como estas se prolongam, e como os sistemas binários que opõem o presente e o ausente sucumbem naquele preciso instante em que o grafite explode e o cubo e o pó coexistem, ou em que as folhas reais e falsas se sobrepõem.
Giaconi é um dos mais de cem artistas contemporâneos apresentados em Vitamina D3: Today’s Best in Contemporary Drawing, o novo e indispensável inquérito da Phaidon sobre desenho contemporâneo. Sentámo-lo e fizemos-lhe algumas perguntas sobre como, porquê e quando ele desenha. Se estiver interessado no seu trabalho, o nosso artigo contém links para alguns dos seus trabalhos disponíveis no Artspace.

Lo que parece justo 01, Mauro Giaconi, 2012

Lo que parece justo 01, Mauro Giaconi, 2012

 

Quem é e o que lhe vai na cabeça neste momento?

O meu nome é Mauro Giaconi. Sou um artista visual, professor e gestor cultural independente. Nasci em Buenos Aires, na Argentina; e vivo e trabalho na Cidade do México desde 2011. Atualmente estou a rever o conceito de CH’IXI da escritora e ativista boliviana Silvia Rivera Cusicanqui. É um termo aimará que, segundo a minha interpretação, afirma basicamente que as coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo; que somos a coabitação de opostos justapostos. Também penso muito sobre isso em relação a uma possível simbiose entre a vida quotidiana e a produção artística. Tudo isto é alterado devido à atual situação pandémica, que – sem querer parecer demasiado otimista quanto ao futuro – creio que causou ao tempo a perda do seu magnetismo, tendo adquirido uma nova velocidade, que por sua vez nos deve permitir reavaliar as nossas ideias e energias.

 

Lo que parece justo 26, Mauro Giaconi, 2012

Lo que parece justo 26, Mauro Giaconi, 2012

 

Qual é a sua relação com o desenho e como descreveria o que faz?

A minha relação com o desenho tem sido praticamente uma estratégia de vida, dado que é uma das atividades que permaneceu um interesse constante ao longo do tempo, ao longo de cada etapa, desde a minha primeira infância. Durante a escola primária trocava desenhos por trabalhos de casa e no liceu a minha irmã e eu desenhávamos imagens de Rock em t-shirts que mais tarde vendíamos num mercado de música clandestina e de mercadorias pirateadas no Parque Rivadavia em Buenos Aires que havia aos domingos. O meu interesse pelo desenho também me levou a vaguear durante algum tempo entre uma licenciatura em arquitetura e depois a estudar artes e a dedicar-me a essa profissão durante vinte anos.

Gosto de pensar na minha relação com o desenho quase como uma militância porque tem-me permitido combinar prazer e trabalho, entrelaçando diferentes interesses a fim de permanecer num estado constante de exploração, lazer e deambulação. Tem sido também uma ferramenta farta para estabelecer cumplicidades com outros artistas, o que é uma das coisas que mais valorizo, e tem-me permitido estabelecer vários grupos de estudo e aprendizagem, e comunidades de interesses comuns.

 

Lo que parece justo 30, Mauro Giaconi, 2012

Lo que parece justo 30, Mauro Giaconi, 2012

 

Porque é que há um interesse crescente em desenhar neste momento?

Ao longo dos últimos anos (especialmente a nível institucional e do mercado) o desenho tem recebido alguma atenção especial, mas não creio que essa atenção especial esteja relacionada com a prática do desenho em si, mas sim com a necessidade de mudar o foco da nossa atenção, de criar um sentido de novidade ou de valorizar o que anteriormente era subestimado.

De certa forma, as disciplinas artísticas tornaram-se confusas e os limites entre uma e outra tornaram-se cada vez menos necessários e relevantes. Talvez seja por isso que surge a necessidade de elevar esta ou aquela disciplina, como se houvesse um certo receio de que o conjunto de regras que definem “o artístico” pudesse perder a sua hegemonia. Mas fora dessa lógica, o desenho esteve sempre no pódio, é uma disciplina inevitável; está em todo o lado, tanto na prática artística como na sua periferia. Está a vaguear, está nas ruas, no graffiti urbano, na tecnologia, nos panfletos políticos, nas capas de álbuns, nos rituais, nas instruções que vêm com produtos e ferramentas, nos logótipos, no desenho industrial, na infância, na arquitetura, nos jogos, e assim por diante até aos tempos pré-históricos.

 

Geopoética (08 redención), 2013

Geopoética (08 redención), Mauro Giaconi, 2013

 

Quais são as coisas em que tem mais dificuldade em acertar?

A minha maior dificuldade é, por vezes, de abordar com sucesso todos os temas que intersetam os meus interesses pessoais e a minha prática artística. Também é tentar compreender como estar física e mentalmente presente numa certa multiplicidade de desejos e necessidades, sem deixar escapar nada, evitando ao mesmo tempo cair numa dinâmica autoimposta de exploração do trabalho.

 

Geopoética (12 el sur del norte), 2013

Geopoética (12 el sur del norte), Mauro Giaconi, 2013

 

O imediatismo do desenho faz parte daquilo que o atrai no desenho?

Tento ultrapassar essa sensação de imediatismo ou frontalidade que é geralmente atribuída ao desenho. Acredito que as minhas obras não têm essas características, dado que prefiro construir imagens complexas que não revelam imediatamente a sua intenção. Procuro incitar experiências diversificadas no que diz respeito à distância a que cada desenho é percebido, uma vez que ganhamos acesso às múltiplas camadas através dos detalhes que vamos descobrindo à medida que nos aproximamos. A escala também é, às vezes, muito importante; a relação entre a obra e o corpo, o próprio corpo da obra, bem como o do espectador, atua como estratégia para ocultar múltiplas situações na sua monumentalidade.

O desenho pode ser brutal e refinado simultaneamente, pode ser imediato à vista de todos e ao mesmo tempo ocultar múltiplos cenários. Estou especialmente interessado na possibilidade de ocultar uma certa justaposição de planos e realidades. Mas o que, particularmente, mais me afeta ao desenhar é a sua economia; com isto quero dizer que é uma atividade acessível, barata, não existe uma indústria ou uma tecnologia que a incuta de vida.

 

Estallar, 2014

Estallar, Mauro Giaconi, 2014

 

Pode explicar a diferença entre desenhar enquanto criança, algo com que todos nós nos podemos relacionar, e desenhar enquanto artista – algo que a maioria de nós não consegue?

Na infância, o desenho não é uma atividade cultural, mas uma exploração no sentido de desenvolver ferramentas cognitivas para a compreensão do mundo e do próprio corpo. Na idade adulta, é compreendê-lo especialmente do ponto de vista da prática artística, ou seja, é o oposto: é um meio para desenvolver ferramentas de acesso a esse estado de exploração, a fim de abordar a cultura.

 

Untitled (serie TRES dibujos), 2011

Untitled (serie TRES dibujos), Mauro Giaconi, 2011

 

O que é que a maioria das pessoas deixa escapar quando tenta ‘avaliar’ um desenho?

O mais difícil e interessante sobre esta questão é compreender quais são as consequências de abordar a lógica da “maioria das pessoas”. A maioria das pessoas de onde, de que contexto, de que etnia, continente, clima, história? A maioria das pessoas a partir de que realidade social, económica ou de que género? Creio que cada contexto e cada indivíduo tem uma relação muito distinta com a arte, com a cultura e, portanto, com o desenho artístico. Eu entendo o meu trabalho como um equilíbrio entre certezas e erros; não exijo a sua eficácia, apenas a procuro, já que o fracasso se torna parte da equação, e a eficácia do encontro depende da outra pessoa. Estou interessado em permanecer nessa tensão, e estou interessado quando uma obra, um desenho, ou o que quer que seja, deixa em aberto uma margem de confiança para que o outro complete a equação. Quando as apostas incidem sobre essa margem de confiança entre a obra e o público, e lhe cabe a ele reforçar esse encontro, o resultado é muito mais potente.

Quando é que desenha e em que tipo de lugar físico, espiritual, mental ou geográfico tem de estar para que seja bem-sucedido? Poderia dizer que trabalho de duas formas ou situações específicas. A primeira é no meu estúdio e a segunda é site-specific. Embora ambas as formas tenham o seu próprio conjunto de particularidades, a minha produção é geralmente bastante racional. Trabalho muito do ponto de vista da acumulação e da repetição de um único gesto para que as imagens cresçam progressivamente através de um gesto reiterativo, seja em papel, livros, espaços ou na própria arquitetura. É uma forma de trabalho que exige alta concentração da minha parte, e é por isso que trabalho melhor de altamente focado durante curtos períodos de tempo, nunca mais de uma hora a fazer a mesma coisa, para depois me afastar e regressar mais tarde com concentração renovada.

Pode ver mais de Mauro Giaconi no Artspace, e através do seu Instagram, @maurogiaconi.

 

Este artigo foi traduzido do original em inglês por Constança Costa Santos

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Jaime Roriz Advogados Artes & contextos