Mauro Giaconi
O facto de Mauro Giaconi ter estudado arquitetura durante três anos antes de completar a sua licenciatura em pintura é revelador. Os seus desenhos e o espaço que ocupam são ambos cuidadosamente configurados, de modo a que a experiência do espectador seja inevitavelmente física. Para a sua exposição performativa ‘Felicidad’ na Ruth Benzacar em Buenos Aires em 2017, Giaconi apresentou uma peça em duas partes.
O artista começou de frente para uma parede limpa, armado de um martelo e de uma mochila cheia de lápis. Ao tentar pregá-los violentamente à superfície branca, tanto os lápis como a parede racharam, gerando um cenário ruidoso e frustrante. A segunda parte da performance começou quando o artista e o seu público deixaram a destruição para trás e avançaram para o espaço principal, onde cubos de betão feitos à mão e revestidos de grafite espessa decoravam o chão. Giaconi agarrou num desses blocos e atirou-o contra a parede, gesticulando para que o público se juntasse a ele e repetisse a ação. Quando os cubos se partiram, o pó de grafite salpicou a parede branca, revelando um padrão de rede de arame pré-elaborado e invisível até então.
Espalhar pelo chão com objetos cobertos de grafite é uma característica recorrente no trabalho de Giaconi. Conceptualmente, ele não está apenas interessado nas existências físicas, mas também nas ausências; na forma como estas se prolongam, e como os sistemas binários que opõem o presente e o ausente sucumbem naquele preciso instante em que o grafite explode e o cubo e o pó coexistem, ou em que as folhas reais e falsas se sobrepõem.
Giaconi é um dos mais de cem artistas contemporâneos apresentados em Vitamina D3: Today’s Best in Contemporary Drawing, o novo e indispensável inquérito da Phaidon sobre desenho contemporâneo. Sentámo-lo e fizemos-lhe algumas perguntas sobre como, porquê e quando ele desenha. Se estiver interessado no seu trabalho, o nosso artigo contém links para alguns dos seus trabalhos disponíveis no Artspace.

Quem é e o que lhe vai na cabeça neste momento?
O meu nome é Mauro Giaconi. Sou um artista visual, professor e gestor cultural independente. Nasci em Buenos Aires, na Argentina; e vivo e trabalho na Cidade do México desde 2011. Atualmente estou a rever o conceito de CH’IXI da escritora e ativista boliviana Silvia Rivera Cusicanqui. É um termo aimará que, segundo a minha interpretação, afirma basicamente que as coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo; que somos a coabitação de opostos justapostos. Também penso muito sobre isso em relação a uma possível simbiose entre a vida quotidiana e a produção artística. Tudo isto é alterado devido à atual situação pandémica, que – sem querer parecer demasiado otimista quanto ao futuro – creio que causou ao tempo a perda do seu magnetismo, tendo adquirido uma nova velocidade, que por sua vez nos deve permitir reavaliar as nossas ideias e energias.

Qual é a sua relação com o desenho e como descreveria o que faz?
A minha relação com o desenho tem sido praticamente uma estratégia de vida, dado que é uma das atividades que permaneceu um interesse constante ao longo do tempo, ao longo de cada etapa, desde a minha primeira infância. Durante a escola primária trocava desenhos por trabalhos de casa e no liceu a minha irmã e eu desenhávamos imagens de Rock em t-shirts que mais tarde vendíamos num mercado de música clandestina e de mercadorias pirateadas no Parque Rivadavia em Buenos Aires que havia aos domingos. O meu interesse pelo desenho também me levou a vaguear durante algum tempo entre uma licenciatura em arquitetura e depois a estudar artes e a dedicar-me a essa profissão durante vinte anos.
Gosto de pensar na minha relação com o desenho quase como uma militância porque tem-me permitido combinar prazer e trabalho, entrelaçando diferentes interesses a fim de permanecer num estado constante de exploração, lazer e deambulação. Tem sido também uma ferramenta farta para estabelecer cumplicidades com outros artistas, o que é uma das coisas que mais valorizo, e tem-me permitido estabelecer vários grupos de estudo e aprendizagem, e comunidades de interesses comuns.

Porque é que há um interesse crescente em desenhar neste momento?
Ao longo dos últimos anos (especialmente a nível institucional e do mercado) o desenho tem recebido alguma atenção especial, mas não creio que essa atenção especial esteja relacionada com a prática do desenho em si, mas sim com a necessidade de mudar o foco da nossa atenção, de criar um sentido de novidade ou de valorizar o que anteriormente era subestimado.
De certa forma, as disciplinas artísticas tornaram-se confusas e os limites entre uma e outra tornaram-se cada vez menos necessários e relevantes. Talvez seja por isso que surge a necessidade de elevar esta ou aquela disciplina, como se houvesse um certo receio de que o conjunto de regras que definem “o artístico” pudesse perder a sua hegemonia. Mas fora dessa lógica, o desenho esteve sempre no pódio, é uma disciplina inevitável; está em todo o lado, tanto na prática artística como na sua periferia. Está a vaguear, está nas ruas, no graffiti urbano, na tecnologia, nos panfletos políticos, nas capas de álbuns, nos rituais, nas instruções que vêm com produtos e ferramentas, nos logótipos, no desenho industrial, na infância, na arquitetura, nos jogos, e assim por diante até aos tempos pré-históricos.

Quais são as coisas em que tem mais dificuldade em acertar?
A minha maior dificuldade é, por vezes, de abordar com sucesso todos os temas que intersetam os meus interesses pessoais e a minha prática artística. Também é tentar compreender como estar física e mentalmente presente numa certa multiplicidade de desejos e necessidades, sem deixar escapar nada, evitando ao mesmo tempo cair numa dinâmica autoimposta de exploração do trabalho.

O imediatismo do desenho faz parte daquilo que o atrai no desenho?
Tento ultrapassar essa sensação de imediatismo ou frontalidade que é geralmente atribuída ao desenho. Acredito que as minhas obras não têm essas características, dado que prefiro construir imagens complexas que não revelam imediatamente a sua intenção. Procuro incitar experiências diversificadas no que diz respeito à distância a que cada desenho é percebido, uma vez que ganhamos acesso às múltiplas camadas através dos detalhes que vamos descobrindo à medida que nos aproximamos. A escala também é, às vezes, muito importante; a relação entre a obra e o corpo, o próprio corpo da obra, bem como o do espectador, atua como estratégia para ocultar múltiplas situações na sua monumentalidade.
O desenho pode ser brutal e refinado simultaneamente, pode ser imediato à vista de todos e ao mesmo tempo ocultar múltiplos cenários. Estou especialmente interessado na possibilidade de ocultar uma certa justaposição de planos e realidades. Mas o que, particularmente, mais me afeta ao desenhar é a sua economia; com isto quero dizer que é uma atividade acessível, barata, não existe uma indústria ou uma tecnologia que a incuta de vida.

Pode explicar a diferença entre desenhar enquanto criança, algo com que todos nós nos podemos relacionar, e desenhar enquanto artista – algo que a maioria de nós não consegue?
Na infância, o desenho não é uma atividade cultural, mas uma exploração no sentido de desenvolver ferramentas cognitivas para a compreensão do mundo e do próprio corpo. Na idade adulta, é compreendê-lo especialmente do ponto de vista da prática artística, ou seja, é o oposto: é um meio para desenvolver ferramentas de acesso a esse estado de exploração, a fim de abordar a cultura.
O que é que a maioria das pessoas deixa escapar quando tenta ‘avaliar’ um desenho?
O mais difícil e interessante sobre esta questão é compreender quais são as consequências de abordar a lógica da “maioria das pessoas”. A maioria das pessoas de onde, de que contexto, de que etnia, continente, clima, história? A maioria das pessoas a partir de que realidade social, económica ou de que género? Creio que cada contexto e cada indivíduo tem uma relação muito distinta com a arte, com a cultura e, portanto, com o desenho artístico. Eu entendo o meu trabalho como um equilíbrio entre certezas e erros; não exijo a sua eficácia, apenas a procuro, já que o fracasso se torna parte da equação, e a eficácia do encontro depende da outra pessoa. Estou interessado em permanecer nessa tensão, e estou interessado quando uma obra, um desenho, ou o que quer que seja, deixa em aberto uma margem de confiança para que o outro complete a equação. Quando as apostas incidem sobre essa margem de confiança entre a obra e o público, e lhe cabe a ele reforçar esse encontro, o resultado é muito mais potente.
Quando é que desenha e em que tipo de lugar físico, espiritual, mental ou geográfico tem de estar para que seja bem-sucedido? Poderia dizer que trabalho de duas formas ou situações específicas. A primeira é no meu estúdio e a segunda é site-specific. Embora ambas as formas tenham o seu próprio conjunto de particularidades, a minha produção é geralmente bastante racional. Trabalho muito do ponto de vista da acumulação e da repetição de um único gesto para que as imagens cresçam progressivamente através de um gesto reiterativo, seja em papel, livros, espaços ou na própria arquitetura. É uma forma de trabalho que exige alta concentração da minha parte, e é por isso que trabalho melhor de altamente focado durante curtos períodos de tempo, nunca mais de uma hora a fazer a mesma coisa, para depois me afastar e regressar mais tarde com concentração renovada.
Pode ver mais de Mauro Giaconi no Artspace, e através do seu Instagram, @maurogiaconi.
Este artigo foi traduzido do original em inglês por Constança Costa Santos
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