Salvator Mundi desaparecido
e a continuação de uma saga: perda da aura?
Ia, finalmente, ser exposto ao mundo, no franchise do Louvre, em Abu Dhabi, quando se colocou a questão do seu paradeiro: afinal, que é feito de uma das mais célebres e icónicas obras de arte, de sempre?
Com o objetivo de criar um polo cultural, o Louvre depositou a pintura para exposição no seu museu em Abu Dhabi, e mais tarde seria a estrela da exposição dos 500 anos de Da Vinci, em Paris. A dúvida permanece em saber onde está a pintura, e muito se conjetura até que ponto o príncipe “agressivo” e “impulsivo” – assim caracterizado pelo New York Times – está envolvido no seu desaparecimento.
É inevitável especular sobre o que possa ter acontecido, num momento tão profícuo: os 500 anos de Leonardo Da Vinci. “(…) a versão religiosa da Mona Lisa”, analogia proferida pelo historiador de arte Martin Kemp, é uma obra desejável ao olhar, cuja aura parece nunca ter desaparecido, mesmo estando longe da exposição museológica.
Apesar, da dúvida relativamente à sua autoria, apresenta indubitáveis traços de Da Vinci, podendo até ser remetido a um trabalho de estúdio, feito por mãos aprendizes. Mas, isso não abalou o seu esplendor, sendo uma obra marcante do período renascentista, e que se perpetuou para a eternidade.
Walter Benjamin recorre à aura para caracterizar todas as fases da vida de uma obra de arte, afastando-se de um formalismo Morelliano. Uma obra, mesmo que desapareça, deixe de ser amada, ou morra materialmente, vai sempre ter a sua aura, desde que a deixemos respirar em volta dela, e lhe continuemos a colocar questões, abrindo portas para novos olhares.
A aura é o ponto de partida, e o brilho maior de uma obra, e concomitantemente a maior perda numa obra de arte. Este brilho advém da autenticidade, que bem mais do que originalidade, é algo que brilha, e nos fascina, criando um momento mágico no primeiro encontro entre o olhar, e a obra. Salvator Mundi, mesmo fora do seu tempo original, acaba por refletir a tríade mais resplandecente: a aura, o brilho e o fascínio.
Salvator Mundi, não é, no entanto, um caso único. Ao longo da história, vários casos de obras desaparecidas têm marcado o mundo da arte, e, em consequência, o mercado de arte e a especulação de valores, que rondam a esfera astronómica. Artistas tão célebres quanto Van Gogh, Picasso, Vermeer, Rembrandt, Caravaggio, Van Eyck, Rafael, Monet, Matisse e Freud, constituíram dez, das mais célebres obras desaparecidas. O seu paradeiro é desconhecido, mas para muitos casos a procura persiste.
Não obstante, a veneração, o culto, o gosto e a paixão – elementos inerentes à obra de arte, per si – continuam a emergir sobre estes casos. Perde-se a aura? Perde-se a glorificação artística, e espiritual que a arte nos transmite? A resposta é subjetiva, onde pesa, em muito, a visão historicista e a sua moda. É indubitável, que cada uma destas obras, desde o Vaso e as Flores, à Natividade com S. Francisco e S. Lourenço, ou o Retrato de um Jovem, remanescem através do estudo e da sua canonização em modelos específicos para o seu tempo de criação.
Salvator Mundi, quer esteja desaparecido por mais uma semana, ou um século, a disparidade temporal não irá afetar a sua unicidade e brilhantismo aural.
Cada obra de arte, transmite história, mas também uma vida repleta de vicissitudes que compõem a magia contextual de uma peça. Há que auferir do uso da memória, e da transmissão da mesma, para que não se deixem morrer elementos verdadeiramente importantes para um legado futuro.
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Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.