Terra Nullius

Terra Nullius
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8 de Fevereiro, 2022 0 Por Filipe Daniel
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Também o tempo torna tudo relativo.

Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 1 ano, o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.

Terra Nullius

 

 

Inserido na programação do Feminist Futures Festival no Teatro Nacional Dona Maria II que decorreu no final do mês de janeiro foi-nos possível rever e re-experienciar esta proposta de Paula Diogo que já tinha sido apresentada neste teatro em 2020.

A proposta é uma caminhada, um teatro em movimento. O Teatro não necessita de um espaço físico sagrado para se fazer sentir. Sempre existiram(ão) alternativas aos espaços tradicionais para apresentação de performances, mas é agora, neste momento contemporâneo em que essas propostas nos querem dizer algo mais que apenas a não necessidade do espaço sagrado- pedem-nos calma, reflexão e introspeção. Neste tipo de iniciativas, e lembrando a Maratona de Procrastinação no ano passado em que nos é pedido para ‘invadir e procrastinar’ o jardim botânico de Lisboa, a necessidade de contar uma história mais pessoal, com pontos de contacto que apenas cada espectador pode fazer com o espetáculo, individualmente, mas sempre em companhia. Jacques Rancière se presenciasse estas ações no exterior regozijar-se-ia em pleno.

 

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Terra Nullius, Foto © Filipe Ferreira

 

Somos chamados a iniciar Terra Nullius junto ao rio Tejo, precisamente num local de mera passagem, é de Lisboa bem sabemos, mas bem que poderia ser de ninguém, tal como são a Antártida, Bir Tawil ou os corpos celestes. Ali estamos, um pequeno grupo entre o Porto de Lisboa com as imponentes gruas Poderosa e Vigorosa que por vezes se atiram ao rio a carregar e descarregar contentores de barcos chilenos, Colombianos, escolham um país… decerto que elas já sentiram a aragem desses territórios- de tão vividas, de tão úteis para o mundo e por isso que moral ou direito temos de as reivindicarmos só para nós? Do lado oposto ao porto vemos o Paquete Funchal em obras e uma delegação do SEF no que é o Terminal de Santa Apolónia.
Este é o Ponto de Partida, entre terras para o comércio mundial e um espaço que lida com a população migrante acompanhado por um emblemático barco a mudar o seu rumo de vida a flutuar num rio.
Este rio é o que nos guia durante a primeira parte da viagem que a Paula planeou para nós- dali caminha-se para o cais das colunas e depois para o TNDMII.

Após as instruções de como usar os auscultadores e o MP3 começamos a viagem.
A gravação explica o conceito de Terra Nullius, e reflete sobre os erros históricos do passado, inserindo-se assim na discussão sobre a descolonização do pensamento europeu. Que estórias tinham os indígenas para contar? Que peripécias e sentimentos? Não sabemos ao certo, mas sabemos os de Paula na sua ida para a Islândia, sendo esse o caminho que escolta o nosso trajeto.
Uma história pessoal sobre a sua experiência no lugar e dos lugares.

 

Terra Nullius

Terra Nullius, Foto © Filipe Ferreira

 

Toda a ideia do espetáculo fora de portas, assumindo as falhas e imprevistos (que acrescentam caráter e profundidade) como o trânsito, ou, como aconteceu nesse dia: arruadas eleitorais no preciso momento em que que ouvimos na gravação questões sobre a emigração e habitação- uma coincidência no mínimo caricata- criando assim uma experiência única que pode e naturalmente é partilhada aquando a chegada ao TNDMII onde nos é servido um chá e um lugar para sentar, e por isso refletir, contemplar, contemplar e contemplar.

O mais fascinante é que esta técnica pode ser replicada inúmeras vezes sem perder qualidade, pois basta mudar o espaço e o espectador.

Mais do que a ideia de um espaço a descobrir é o de pensar o teatro em andamento e por isso o da sociedade real no espaço real. O teatro já não é o mundo. O famoso Globe cujas portas fechadas embarcavam toda a possível existência e no fim do espetáculo regressamos à nossa realidade, é cada vez mais substituído pelas experiências já no globo real, sem necessidade de grandes artifícios quer estéticos quer de linguagem.

Hoje o teatro pode ser em qualquer lugar, sobre qualquer coisa, e se bem encaixado fará todo o sentido.

Ainda bem que este espetáculo existe.

 

Terra Nullius  no site do TNDMII

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Autor

Lisboa, 1999. Tenta encontrar respostas através do Palco. Vê o teatro como um aliado da história e filosofia para resolver (ou não) os problemas do mundo.

Jaime Roriz Advogados Artes & contextos