Sintra Con-Cê
No passado dia 25 de setembro, em Sintra, realizou-se a terceira edição do festival «Sintra Con-Cê» (SCC).
Projeto da Associação Cultural Juvenil Apertum Ars (A3), em parceira com a Associação Cultural Juvenil Dínamo, op festival Cintra con-cê, faz parte do Movimento Claraboia. O evento deste ano teve por base um Open Call para artistas emergentes entre os 16 e 30 anos, e que apresentassem curtas-metragens, música ou artes plásticas. E é, com esta interdisciplinaridade que se organiza o festival.
A programação dividiu-se em 3 espaços: o palco, a selva e a tela. Nestes, música e talks sobre agricultura sustentável, desenvolvimento social e arte urbana; a zona de artes plásticas, com exposições, música ao vivo, oficinais pontuais, e exibição de curtas-metragens e de uma longa-metragem, além da zona de comidas e bebidas.
A Laura, do Artes & contextos conversou com Nuno Cintra e Giulia Dal Piaz, diretores do festival.
Artes & contextos: Falem-nos um pouco acerca do projeto Claraboia e das duas associações – A3 e Dínamo – que estão por detrás do Festival Sintra con-cê.
Nuno Cintra: Se calhar é melhor ser eu a começar a falar. Eu estou na associação A3, que é em Mafra, e todos os anos organizam um festival chamado «Dia Aberto às Artes», onde acontece mais ou menos o que acontece aqui. O espaço que eles têm é um jardim de uma casa, neste caso, este ano foram dois dias, e inclui exposições, concertos e uma festa reservada a sócios. Eu juntei-me a esta associação porque também gostava de fazer algo similar em Sintra, tenho uns amigos artistas, e também gostava de os ajudar. Então juntei-me a eles, e criámos o Sintra con-cê (SCC) como um projeto da A3. Juntei-me à Associação, e daqui nasce a Claraboia. Há cada vez mais gente a juntar-se. A Claraboia passa-se em Sintra.
Giulia Dal Piaz: A Dínamo é uma associação mais virada para o contexto social. E juntar a Claraboia à Dínamo fazia sentido. Como o SCC já existia, colocámos o festival como um projeto da Claraboia. Este ano já realizámos um concerto, um debate sobre a cultura em Sintra, o lançamento da Lá Magazine, um festival de curtas-metragens e agora o Sintra Con-Cê.
A&c: Então, de onde o surge o SCC? Que afinal já existia à priori?
NC: Basicamente é uma história engraçada. Eu vivo aqui, e este jardim já não era usado há imenso tempo e isto era um espaço completamente fechado. Falei com um amigo e disse-lhe que seria giro fazer aqui uns concertos. De uma brincadeira vieram cento e tal pessoas, e tornou-se um borburinho em Sintra. Repetimos, e no ano seguinte juntámos mais gente, incluímos também exposições, curtas-metragens, alugámos um melhor sistema de som, e vieram bandas tocar realmente, e já estavam 300 e tal pessoas. Sentiu-se que fazia sentido continuar, mas com a pandemia parámos. Este ano foi uma decisão, mas tinha de ser com apoios financeiros para não ser um investimento em vão, tendo em conta que as primeiras duas edições foram investimento próprio. Também fizemos um open call, tornou-se algo mais formal. Aqui toda a gente é voluntária, e cada um entrega algo de si, criativamente e dinamiza a organização, preparando o espaço e desbastando o mato, por exemplo. É um festival num quintal, e isso torna-o especial.
A&c: Então, quais são as diferenças que assinalam marcadamente, entre as outras edições e esta?
NC: Bem, ser legal (risos).
GDP: O open call também! Para encontrar coisas diferentes, ser algo mais bem estruturado.
NC: Desta vez os concertos são feitos por bandas, uma atuação a sério, as exposições também têm mais pessoas. O tempo de preparação é muito maior, mas com as restrições tivemos de limitar muito as entradas no espaço. Até as escolhas dependem muito do tipo de música, que não faça com que as pessoas queiram muito dançar, e têm de estar sentados. Bem, é assim.
GDP: Temos mesmo de cumprir, garantir que tudo corre bem. É chato, e quebra a vibe do festival, mas não impede que se faça!
A&c: Na vossa opinião, qual é a importância deste tipo de eventos a nível cultural, para a massa jovem, tendo em conta que vocês são jovens e estão por detrás desta organização?
GDP: Dar oportunidade a artistas emergentes, e até na Claraboia estamos muito abertos para projetos. É importante dar espaço e oportunidade, se não as ideias morrem. É tudo muito voltado para Lisboa, e queremos trazer a cultura para cá. Sintra é um concelho gigante, com zonas urbanas, não é só a Serra e os Palácios. E desmistificar que se tem de ir para Lisboa para consumir cultura.
NC: Como não há nada por estes lados, dá logo nas vistas qualquer coisas que se faça. A própria Claraboia faz alguma coisa e destaca-se logo. Até porque é bem feito e organizado. Sintra é o 2º concelho em Portugal com mais jovens. Organizar estes eventos tem um impacto grande, até no que o concelho vai produzir no futuro. Muitas vezes, quem tem importância na área da cultura em Sintra não quer ouvir o que os jovens têm para apresentar. Diziam muito «não faz sentido!».
GDP: Todos os nossos eventos ficaram esgotados, sucessos a nível de público. Se não houver nada, as pessoas acostumam-se à inércia e ao «não haver nada».
NC: Não se faz publicidade de eventos sintrenses em Lisboa, mas o contrário sim. Não faz sentido nenhum! É tão importante que se fizesse, e o acesso é tão fácil. As pessoas da câmara acham que não há procura.
A&c: Em suma o que é podemos esperar do SCC este ano?
NC: Concertos muito mais sólidos, mesmo tipo de ambiente, mas a nível artístico mais profissional e maturo. Nós não cobramos bilheteira, apenas tens de ser sócio e pagar uma quota. Por quase nada, consegues assistir a um festival, cheio de arte e cultura, com voluntários que puseram as mãos à obra!
A&c: E a adesão à open call, como foi?
GDP: Foi impressionante! Tivemos 1500 candidaturas.
NC: Foi muito bom! Tínhamos medo de não receber candidaturas a exposições ou curtas-metragens, mas de repente surgiram coisas boas! Adotámos critérios mais rígidos no final, pela falta de tempo e pessoal para tratar das candidaturas, mas correu bem. É curioso que 99% das candidaturas musicais foram rapazes ou pessoas que se identificam como tal, e nas artes foi o inverso. A discussão centrou-se nessa equiparidade que não existiu. É algo que se pode ver a nível nacional, até! Porquê, não é?
A&c: E para finalizar, na vossa opinião, o que é que está a faltar em Portugal para a dinamização de uma melhor cultura artística?
NC: Em Lisboa acaba por ser rotineiro. Se tivermos em conta, há 50 anos tínhamos uma alta taxa de analfabetismo. Não podemos esperar uma erudição da população tão de repente. E continua a não haver assim tanto dinheiro para aceder à cultura. E, o estado não pode estar constantemente a financiar projetos.
GDP: A cultura é um mercado. É preciso querer consumir e estar disposto a querer pagar por isso. Às vezes preferem pagar um bilhete de 4€ para ver um filme da Marvel, do que pagar o mesmo para ir a uma exposição ou um festival como o SCC. E o elitismo na cultura também afasta as pessoas.
NC: É necessário começar com o acesso gratuito e habituar as pessoas à cultura e a disfrutar dela. É importante que isso se verifique até no resto do país. As pessoas se habituadas, vão-se começar a disponibilizar a pagar.
GDP: Passa muito pelo financiamento e acreditar em novos projetos. Na esperança de que daqui a uns anos isto se possa tornar rentável financeiramente também.
NC: É importante verificar que muitas entidades que te dão apoio financeiro exigem que tenhas autofinanciamento de algum tipo, que às vezes é 5% ou algo assim. Isso significa que vais cobrar bilheteira, e isso para a entidade do patrocínio nem é nada. Mas, afasta algumas pessoas. Se fosse entrada livre seria mais fácil. Se não se cobrar bilheteira há muito mais fácil acesso. Infelizmente, a estrutura do autofinanciamento não o torna possível.
GDP: Consumir cultura devia ser um hábito. Devia querer-se pagar por um lado, porque os artistas também recebem, mas se nunca se pagou por tal, como convencer as pessoas a fazê-lo?
O evento teve o seguinte cartaz:
Concertos
- Open Stage
- Miguel Cintra
- Monje
- Biloba
- Ossos D’Ouvido
- Metamito
- Thiago Guiselini
Cinema
- «Cellfie»
- «Perhaps The Butterflies Murdered Him»
- «There’s a Woman»
- «Somewhere in Outerspace this Might be Happening Somehow»
- «O Truque de Magia»
- «Nzila Ngola»
Exposições:
- Camila Almeida
- Liam Andersen
- Maria Ribeiro
- Nastia Marques
- Fabiu Bento
- Mafalda Riobom
- Rita Grancho
- Henrique Netto
- Inês Santos
- Camila Almeida
- Marta Costa
- Pedro Macau
E após mais uma edição de «Sintra con-cê», com um enorme sucesso, resta desejar que muitas mais aconteçam.
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Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.