
Conversa com Pedro Souto e João Monteiro sobre o MotelX 20210 (0)
5 de Setembro, 2021
Conversa sobre o MotelX 2021
Numa tarde deste quase fim de verão, fomos à esplanada da Cinemateca Portuguesa, “tomar um café” e conversar com o Pedro Souto e com o João Monteiro sobre o MotelX e este 15º em particular.
O João e o Pedro cresceram em Benfica e juntamente com o João Viana e o Carlos Pontes, formam o grupo que, anos mais tarde, viria a criar o MotelX. Grupo que ainda hoje se mantém.
Tudo começou com este grupo de apaixonados pelo Cinema, e em particular pelo cinema de terror e fantástico, reunidos num sótão “algures em Benfica”, a idealizar a criação de um cineclube. O grupo foi crescendo com a aproximação de outros entusiastas e as ideias foram aparecendo, até culminarem na criação do CTLX – Cineclube de Terror de Lisboa. Alguns anos mais tarde, e numa iniciativa inédita, ou no mínimo rara em Portugal, o cineclube iniciou, realização de sessões públicas de cinema.
No percurso, tiveram outros projetos, dos quais destacam sessões de cinema dedicadas à loucura e paranoia no pavilhão 21C do Hospital Júlio de Matos, em que contaram com a participação de Vasco Granja.
Artes & contextos – A última edição pré-pandémica do MOTELX foi em 2019, e nesse mesmo ano o festival trouxe novidades e eventos a ele associados muito especiais. Para além de terem tido a sorte, passe a expressão, de uma sexta-feira 13, onde organizaram uma festa temática, houve a criação das Curtas à Tarde e a receção de Ari Aster e Jack Taylor. Podem falar-nos um pouco sobre esta 13ª edição?
João Monteiro – A diferença entre um ano e outro é abismal.
Pedro Souto – Esse ano foi muito divertido. O Ari Aster revelou-se uma pessoa muito fixe, ainda muito perto da sua fase de fã, e muito disponível para os autógrafos, e assim. É muito bom receber realizadores mais jovens.

(Dir.Esq) Nuno Monteiro, Pedro Souto, Laura Carvalho Torres e Rui Freitas, Foto © João Beijinho, Artes & contextos
A&c – Quando a pandemia surgiu, chegaram a ponderar não realizar o festival?
P.S. – Não realizar totalmente não! Tínhamos alguns planos em backup, quer fosse tal como aconteceu, quer fosse de forma híbrida (online e presencial) ou só online.
A&c – Como é que organizaram a equipa e geriram contactos, reuniões e todos os recursos humanos para a edição de 2020?
J.M. – Cortamos essencialmente o contacto com convidados estrangeiros, recorremos a reuniões online. Chegar ao festival foi uma vitória, e soube mesmo bem!
P.S. – Houve sempre falhas de comunicação, o que gerou um caos mais ou menos latente, mas geriu-se. Este ano, nós estivemos metade do ano em teletrabalho, e até custou mais.
J.M. – Foi a fadiga! Mas, o mais interessante é que até tivemos algumas ideias vindas dessa situação.
A&c – Essas contrariedades que a pandemia trouxe obrigaram-vos a assumir novas atitudes e direções. Aproveitaram alguma coisa dessas experiências mais negativas e “algumas ideias vindas dessa situação”, como referes?
J.M. – Bem, acho que foi o voltar aos ciclos temáticos. Já não fazíamos um desde o ciclo de zombies, aqui na Cinemateca. Escolher temas que demonstram a maturidade do festival, tal como a representatividade de género e daí que haja uma reformulação dentro dos festivais a nível da inclusão de filmes deste género.
O João fez História da Arte na Universidade Nova de Lisboa, onde teve cadeiras de Cinema e que lhe deu acesso a trabalhar num festival de cinema de terror; o João estudou Cinema na variante de Produção onde produziu “algumas curtas-metragens” e teve ainda ligações ao design.
Ar&c – Em retrospetiva, desde a 1ª edição até agora, como tem crescido o festival, em termos de contactos, filmes e internacionalização?
P.S. – Foi um processo. Tivemos de perceber como é que isto funcionava. Agora já compreendemos, temos algumas coisas standards. Falamos com as distribuidoras, já nos conhecem, e estabelecemos relações. E vemos outros festivais, noticias, catálogos, etc…

Pedro Souto, Foto © João Beijinho, Artes & contextos
A&c – O MotelX volta a ser palco de uma antestreia de um filme da A24, The Green Knight do David Lowery. Como se sentem pelo MX ser palco desta antestreia?
J.M. – Muito bem mesmo. O trabalho com a NOS é muito importante, tal como aconteceu com o Midsommar. Estes mainstream são difíceis de agarrar. Estão sempre a mudar de distribuidora.
A&c – Quais são na Europa, os festivais parceiros do MotelX?
P.S. – Os festivais da federação Méliès, uns maiores, outros mais pequenos. Apesar de sermos dos poucos que se foca exclusivamente no terror.
Os temas centrais desta edição são as mulheres assassinas e as memorias da guerra colonial, a primeira nasce da questão “quantos filmes de mulheres assassinas existem?”. A segunda é impulsionada pelo 60º aniversário da guerra colonial e pela premissa de que afinal, a guerra é terror.
A&c – Pegando um bocado por aí, na edição passada, 5 das 10 longas foram realizadas por mulheres e também abordaram a temática do racismo. Qual a importância da abordagem destes temas num festival de cinema?
P.S. – É essencial! A nossa presença, neste ano, em termos de mulheres realizadoras, é mais escassa, mas, isso não quer dizer nada, este ano não conseguimos, mas tínhamos vários selecionados. Nos últimos anos tem-se sentido uma preocupação em relação a estes assuntos, e o assumir de um problema. Se não o assumirmos como tal, não vai mudar nada e o que é facto é que o paradigma está a mudar. Em relação ao racismo, era importante explorá-lo num festival de cinema, havendo exemplos tão claros na cinematografia. Conseguimos conjugar um aspeto mais visual, com temáticas mais profundas, que exigem reflexão.
J.M. – E não podemos fugir disto. Os filmes de terror mostram muito da realidade, do alimentar do medo. E, é o que está a acontecer com o cinema feminino, em que num filme a mulher em vez de vítima é o carrasco, é um ato político.
P.S. – Notam-se uma série de abordagens e temáticas, e a abordagem à temática é diferente, uma variedade de visões.
A&c – Ainda a esse propósito, qual a vossa perspetiva em relação à mutação constante deste género, o terror? Vem-se a adaptar sempre à realidade?
J.M. – Bem, as mulheres, a sua presença, e a partir do momento em que o ponto de vista deixa de ser masculino e passa a ser feminino, ou afro-americano, por ex., tudo muda. Esta geração é mais radical nesse sentido, e ainda bem. São diretos e não estão com rodeios. E sinto que estamos a voltar a algum cinema militante que surgiu no final dos anos 60.
P.S. – Desde o início, esse era o nosso objetivo. Ao longo dos tempos, e aproveitando até a ajuda do The Walking Dead, uma série que se tornou um fenómeno mundial da cultura pop, no caso do terror o mainstream não é obrigatoriamente mau. Isto dá espaço à evolução do cinema de terror. O objetivo do festival sempre foi esse, desafiar o publico nesse sentido, colocá-lo à prova, também, sem afastar novo publico, mas mantendo o de sempre.
Os Warm Up Events, marcam o início do festival ou um pré-festival, apresentado com o objetivo indicado na própria designação, aquecimento. É afinal um evento em várias partes, cada vez mais apreciado e procurado pelos fãs e este anos, são três, que terminam com uma sessão ao ar livre no Largo Trindade Coelho, com parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Voltou o Convento de S. Pedro de Alcântara a ser palco imprescindível e uma abordagem mais intimista associada ao Story Telling, com atores como a Maria João Luís, José Anjos, Miguel Borges e Vítor Alves da Silva. Houve artes performativas, na rua e a inauguração da exposição de Edgar Pera, com trabalhos realizados durante a pandemia.
A&c – Uma das secções mais originais do festival é o Lobo Mau. De onde surgiu esta ideia?
P.S. – Para nós, esta área tinha todo o sentido, até por ser um desafio. Começamos o lobo mau com esta ótica de filmes, ateliers, e dar uma iniciação ao terror às crianças e tentamos incluir várias faixas etárias dentro do setor. Mas, também sofremos muito com a época em que o festival acontece, sendo que as crianças estão de férias, mas quase em aulas. O lobo mau nunca explodiu naquilo que nós imaginávamos para ele.
J.M. – É a prática do terror desde pequeno, todos nós passamos por isso.

João Monteiro, Foto © João Beijinho, Artes & contextos
A&c – As curtas-metragens têm três espaços: as curtas, as micro curtas e as curtas experimentais, que dão visibilidade à produção nacional. Como é que estes “espaços” surgem e qual é que é a sua importância?
J.M. – Queríamos mostrar curtas e tínhamos de ir à procura delas. Tem corrido muito bem! Tentamos promover estas curtas, principalmente as portuguesas noutros festivais. E corre sempre bem! Este trabalho até se reflete em longas que têm por aí aparecido.
A&c – Para além das que todos os cineastas encontram, quais as dificuldades de realizar terror em Portugal?
P.S. – Falta de dinheiro, e falta de tradição de filmes de terror portugueses, que não atraía produtores e argumentistas. Partes sempre com essa fragilidade. É uma luta dura e que ainda vai demorar um bocadinho. Este ano poderá significar uma nova esperança. Temos visto e vamos ter um painel ligado à distribuição de estrangeiros a viver em Portugal, que estão a trabalhar em Portugal e com empresa de produção em Portugal. É uma coisa que pode ser muito positiva! O ICA e o Ministério da Economia conseguiram que as coisas se tornassem mais apelativas para pessoas estrangeiras, e ai o trabalho deles tem sido útil.
J.M. – O problema é muito a tradição e as raízes. Não há! Não temos nem atores para isso, que não sabem trabalhar estes registos. Os novos realizadores sabem fazer, mas n tem substrato cultural Portugal para explorar esta ficção.
A&c – Os spots promocionais têm vindo a crescer em importância. Qual o processo de seleção da equipa realizadora, dos temas…
J.M. – Escolhemos quem quer trabalhar connosco, e damos-lhes liberdade criativa. Os últimos 3 spots têm que ver com dança. Nunca tivemos uma ligação direta com a temática do festival.
P.S. – Não queríamos prender o spot promocional ao festival em si. Ou seja, queríamos dar espaço criativo e liberdade. É também uma forma de contribuir para o panorama do cinema português.
J.M. – Por norma este pessoal já gosta de trabalhar este género, é um valor acrescentado.
A&c – a algum de vocês já vos surgiu a ideia de realizar um filme de terror?
P.S. – Eu realizar não, produzir eventualmente, embora tenha respeito a mais pelo género para falhar hahaha.

Laura Carvalho Torres e Rui Freitas, Foto © João Beijinho, Artes & contextos
A&c – Se fossem apenas espectadores do festival, que filmes iam ver?
P.S. – Eu continuo sempre a ficar muito impressionado com filmes mais chocantes ou que chocaram uma audiência. Isso continuo a achar muito interessante, a capacidade de choque: Violation, Sadness, After Blue, Fio de Baba Escarlate e o do Romero, Amusement Park
J.M. – Eu não me consigo por nessa posição ahaha. Ia ver os documentários, talvez!
A&c – Como é que gostavam de ver o festival daqui a 10 anos?
J.M. – Que ele existisse, acima de tudo!
P.S. – Gostava de o ver com alguns projetos que temos em stand by já a funcionar, mas a manter o espírito!!
Fotografia: João Beijinho
Talvez seja do seu interesse: Premiére MotelX 2021
Ajuda-nos a manter viva e disponível a todos esta biblioteca.

0
Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.