Hotel Califórnia
Durante o “pânico satânico” da década de 1980, uma nova espécie de caçadores de bruxas lançou uma rede de arrasto pela cultura pop, que capturou canções, artistas e álbuns que supostamente faziam parte de uma conspiração demoníaca para corromper a juventude americana. Uma música aparece frequentemente nessas listas: Hotel California, dos Eagles. A sério? Os Eagles? A maior banda de rock mais vendida nos EUA? Super-estrelas do soft-rock que pavimentaram o caminho colorido de cocaína para super-estrelas do rock de ainda mais suaves?
Eles não seriam os Black Sabbath, mas o Hotel California era realmente sobre a Anton LaVey’s Church of Satan, disse-se (basta ouvi-lo de trás para frente). Dependendo dos seus sentimentos sobre o Satanismo e/ou os Eagles, “a verdade mostra-se muito menos interessante do que as miríades de rumores que surgiram”, escreveu David Mikkelson no Snopes. “A canção é geralmente interpretada como uma alegoria sobre hedonismo e a ganância no sul da Califórnia, nos anos 70”. Acabou por ser uma profecia auto-realuizada.
Hotel Califórnia, o álbum, elevou os Eagles para lá do “sucesso a um nível assustador” e fez com que se queimassem totalmente. Pela altura do seu último álbum dos anos 70, The Long Run, eles sentiram-se presos num inferno de celebridades, que teria que congelar antes de se voltarem a juntar, como Don Henley observou (daí o título do Hell Freezes Over de 1994). Para os Eagles, o inferno eram as outras pessoas da banda, a constante tour, e as incríveis quantidades de dinheiro espalhadas à sua frente, mais maldição do que bênção, aparentemente.
Apesar destas tensões internas, os Eagles produziram uma banda sonora perfeita para os anos 70.
“Eles refletiam o estilo musical emergente de uma América do pós-guerra dos anos 70, e a primeira geração verdadeiramente livre sexualmente…. não tiveram problemas em serem identificados com uma banda que cantava como anjos e festejava como demónios”, escreve Marc Eliot. Hotel California tem sido tão identificado com a cultura americana que “quando um avião espião americano fez uma aterragem de emergência na China, em 2001”,disse Mark Savage na BBC, “os membros da tripulação foram convidados a recitar a letra para provar sua nacionalidade”.
Na realidade, Hotel California não foi escrito como louvor a Satanás nem à América. O seu título provisório era Reggae mexicano, um aceno ao padrão invulgar de dedilhar, que “seguia uma técnica mais próxima do flamenco do que do rock”, escreve Savage, “mas tocava em off-beat”.
A paisagem proibida na letra da canção, uma “atmosfera de um homem num ambiente rural desconhecido, inseguro sobre o que está a testemunhar”, veio do romance The Magus de 1965, do escritor inglês John Fowles, um autor querido da contra-cultura, diz Glen Frey: “Decidimos criar algo estranho, só para ver se éramos capazes”.
Havia, é claro, mais na música – a interpretação padrão de Hotel California como uma crítica aos excessos dos anos 1970, foi confirmada por Don Henley e Frey, que escreveram a maioria da letra. A canção, disse Henley numa entrevista de 1995, “captou o zeitgeist da época, que foi uma época de grande excesso neste país e no negócio da música em particular…. Liricamente, a canção trata de temas tradicionais ou clássicos de conflito: escuridão e luz, bem e mal, juventude e velhice, o espiritual versus o secular. Acho que pode dizer-se que é uma canção sobre perda de inocência” – um sentimento, como diz Joe Walsh no clip da entrevista acima, que surgiu da experiência de chegar e tentar chegar a L.A. “Ninguém era da Califórnia”, diz Walsh. “Toda a gente era de Ohio.”
Hotel California também “esconde” uma escavação nos seus rivais Steely Dan na letra, “they stab it with their steely knives” e mal esconde o desprezo de Henley pela sua ex-namorada, a designer de jóias de L.A. Loree Rodkin, como ele admitiu mais tarde: “Há algum coisa de todas as miúdas com quem andei, em todas as minhas canções; são combinações de personagens, com ficção. No entanto, algumas das partes mais depreciativas de Hotel California, são definitivamente sobre Loree Rodkin – “Her mind is Tiffany twisted, she got the Mercedes bends/She got a lot of pretty boys that she calls friends” – isto é acerca dela, e eu não estaria a vangloriar-me se fosse a Sra. Rodkin. No que me diz respeito, ela é a Norma Desmond da sua geração.”
O comentário mais incisivo de Henley sobre a canção vem do documentário History of the Eagles de 2013, no qual ele fala francamente sobre a opinião crítica da banda pelo sucesso e a cultura que produziu e abraçou o Hotel California:
Em quase todos os álbuns que fizemos, havia algum tipo de comentário sobre o negócio da música, e sobre a cultura americana em geral. O próprio hotel poderia ser tomado como uma metáfora não apenas para a criação de mitos do sul da Califórnia, mas para a criação de mitos que é o American Dream, porque há uma linha ténue entre o American Dream, e o American Nightmare.
Quanto àqueles arranjos de guitarra barroca? Para essa parte da história, devemos recorrer a Don Felder, que compôs a canção – depois de Walsh se ter juntado à banda para substituir Bernie Leadon – a fim de mostrar o talento dos dois guitarristas principais. Veja acima, Felder a falar sobre sua maior contribuição e veja-o a tocar o solo “Hotel California” no Metropolitan Museum of Art num clip do Sunday Morning da CBS.
Aqui acima, veja uma entrevista com Felder nos bastidores do Rock and Roll Hall of Fame, na qual discute o papel da improvisação no seu processo, e como a sua formação em jazz o levou a escrever o Mexican reggae que acabaria a passar na rádio americana a cada 11 minutos, a sua mais refinada declaração dos “temas que percorrem todo o nosso trabalho”. Henley diz: ”A perda da inocência, o custo da ingenuidade, os perigos da fama, do excesso; a exploração da obscuridade do sonho americano, o idealismo realizado e o idealismo frustrado, a ilusão contra a realidade, as dificuldades de equilibrar as relações amorosas e o trabalho, tentando ajustar a relação conflituosa entre negócios e arte; a corrupção na política, o desvanecimento do sonho dos anos sessenta de ‘paz, amor e compreensão”.
Este artigo foi traduzido do original em inglês por Redação Artes & contextos
O artigo original foi publicado em @Open Culture
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