Isabel Nolasco
Cruzei-me com a Isabel no lançamento/apresentação do seu segundo livro intitulado TIMOR-LESTE DO PARAÍSO | HUSI PARAÍZU e encetamos uma pequena conversa.
Artes & comtextos – Isabel, porque Timor-Leste?
Isabel Nolasco – Por circunstâncias ligadas à minha carreira enquanto gestora, fui convidada para integrar a equipa de gestão da Timor Telecom, em Timor-Leste, em 2009. Já anteriormente, em 2001 e 2002 tinha ido a Timor-Leste, em estadias prolongadas, no âmbito de um projeto de telecomunicações. Foi amor à primeira vista. E foi em Timor-Leste que decidi enveredar pela fotografia. Este livro é uma justa e sentida homenagem ao país que me acolheu durante quase 10 anos e ao qual chamo a minha segunda casa.
A&c – Quando descobriste que através da máquina fotográfica podias contar a história de Timor-Leste?
I.N. – Descobri muito cedo que tinha que documentar esses 10 anos da minha vida através da fotografia, que é o meio pelo qual melhor me expresso. Tendo sido uma parte significativa da minha vida a que passei em Timor-Leste, senti que devia contar, senão a história do país, pelo menos a minha história ao longo desses 10 anos.
A&c – Procuras as imagens ou as imagens chamam-te?
I.N. – Ambas as situações, dependendo das circunstâncias. Se viajo para um determinado local, como um templo, ou um spot famoso pelo seu nascer ou pôr do sol, por exemplo, estou à procura de determinada imagem. Mas, pelo meio, surgem-me cenários ou situações que me saltam à vista e aí são as imagens que me chamam. Basta saber observar, e por vezes o menos óbvio. As imagens surgem, ou já lá estão, só temos que as captar com o nosso olhar singular.
A&c – O que tens que ver num rosto para precisares de fotografá-lo?
I.N. – À partida pode ser um rosto bonito, pode ser um rosto sofrido, com rugas, com marcas. Mas é o olhar, a expressão, o espelho da personalidade de quem o detém. Saber retirar uma história de uma expressão é um desafio que persigo e, quando consigo, nada é mais gratificante!
A&c – Os olhares são iguais em todo o mundo?
I.N. – Não. Ou melhor, até podem ser diferentes num determinado mundo, ou local. Por definição um olhar de alguém mais desfavorecido é diferente do olhar de alguém bem-sucedido na vida (seja lá isto o que for). E olhar das pessoas em países menos desenvolvidos é, para mim, diferente do olhar daqueles que vivem em países mais ricos. Porque estes por vezes “produzem” pessoas com um olhar sem tempo, com pressa, sem expressão, que quase perdem o seu olhar. O olhar de alguém que não tem muito a perder é um olhar mais disponível, mais profundo, mais empático. São esses olhares que mais me inspiram.
A&c – O que é que a imagem monocromática ganha à imagem colorida? Foco? Narrativa?
I.N. – Eu gosto de fotografias editadas a preto e branco, principalmente se se trata de pessoas. Perde-se a cor, mas ganha-se intensidade. Não há elementos de distração, e no preto e branco não há raças, não há cor de pele, somos todos iguais como deveríamos sempre ser. Pelo menos assim quero acreditar, embora como é óbvio as tonalidades variem. Mas é essa a mensagem, entre outras, que pretendo transmitir: ver para além da cor, do óbvio. Dar espaço ao imaginário de quem vê.
A&c – Como surgiu a ideia de transportar para livro as imagens captadas? É fácil escolher as fotos para uma publicação?
I.N. – Escolher as fotos é o eterno dilema de um fotógrafo. Na era digital, o número de fotos que se podem fazer é ilimitado. Por isso também cabe ao fotógrafo disciplinar-se no sentido de não usar essa facilidade de uma forma leviana. Tentar fazer “a” foto com o mínimo de tentativas é um desafio para ser um melhor fotógrafo, pelo menos na minha perspetiva. Para além disso, facilita a tarefa da escolha. Escolher as fotos é algo que aprendemos a fazer, com base no total dos elementos presentes numa foto. Depois é transportá-las para um conjunto, que faça sentido em termos de mensagem e de estrutura, e compor um livro. Publicar um livro, creio, é desejo de qualquer fotógrafo. Aquele sentido de eternidade, de testemunho para a posteridade. É como plantar uma árvore, ou ter um filho. Como diz a velha máxima.
A&c – Dois livros em dois anos, a mesma data. É “só” o princípio?
I.N. – Diria que sim. Para além de um desafio lançado pela minha editora, a “Poética Edições”, é um desafio pessoal e de superação. De tentar ser cada vez melhor fotógrafa, de produzir um trabalho que tenha cada vez mais um cunho pessoal. Já tenho pensados, pelo menos, os 3 próximos. Assim todas as condições se mantenham favoráveis, o que acredito venha a suceder. É muito estimulante o processo de criação. É como uma gestação, que vai criando forma devagarinho, e que culmina com algo palpável, físico, nas nossas mãos e à mercê do nosso olhar, correspondendo finalmente ao que sonhámos. Poucas sensações serão mais gratificantes!
A&c – Fala-nos um pouco sobre ti, quem é esta mulher por detrás da lente que nos toca a alma e o coração, e nos leva a percorrer caminhos inebriantes?
II.N. – É uma mulher aventureira, desassombrada, positiva, poderia até dizer corajosa. Porque mudei de vida quase aos 50 anos para perseguir um sonho. Troquei a estabilidade pela liberdade, aprendi a viver com menos e a dar ainda mais valor ao essencial. Agradeço todos os dias as minhas bênçãos. Adicionalmente, quero sempre imprimir um traço humanista ao meu trabalho e com ele realçar, não as diferenças, mas as semelhanças dos povos deste planeta. O lema do meu primeiro livro “Latitudes da Semelhança” é, assim, transversal em toda a minha fotografia: realçar que somos todos mais iguais do que diferentes, e que a toda a humanidade deveria ser garantido o mesmo respeito pelos seus direitos universais.
A&c – E por fim para quando uma exposição?
I.N. – Logo que possível, estou a trabalhar neste sentido e a procurar espaços que a queiram receber, em todo o país. Tenho ainda várias fotos da exposição que preparei aquando da publicação do meu primeiro livro e que, devido à pandemia, não foi possível apresentar noutras localidades (com exceção da grande Lisboa e Elvas, onde teve lugar). Por isso estou ativamente a sondar galerias e outros espaços onde possa expor o meu trabalho, o anterior e o atual sobre Timor-Leste!
Obrigada Isabel.
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Arquitecta de formação e de paixão, também escrevo palavras sobre arte, exposições, artistas, galerias, museus… sobre o momento, sobre que me apetece seja em prosa, poesia ou misto das duas.