Gaël Davrinche
Gaël Davrinche é um aventureiro da figura humana que brinca com os seus modelos como brinca com a própria pintura. Para além das aparências, os seus retratos questionam a nossa humanidade e lançam um olhar negativo sobre a nossa sociedade.
Os retratos dos grandes mestres da pintura clássica inspiraram-no a começar pelas múltiplas reinterpretações, desacreditando as obras-primas ao forçar algumas das suas características.
Da paródia da história da arte, cujas efígies estão cheias de pistas que identificam as personagens e o seu lugar na sociedade, aos retratos codificados contemporâneos, só há um passo, dado com o mesmo prazer de provocar surpresa. Através do uso de acessórios sempre invulgares, e com a cumplicidade dos seus modelos, o artista revela as suas personalidades e elabora um retrato das suas vidas num determinado momento, perpetuado na tela. Em contraste com as imagens efémeras que invadem o nosso cotidiano desde o desenvolvimento da fotografia digital e do diktat das redes sociais, estas obras param o tempo e o olhar para focalizar os seres.
Referências telescópicas e séculos olham-se nos olhos nestas obras que são vistas como se lê um livro. Ali, um Mickey abraça o crânio de um futuro adulto, posando em frente a um fundo referenciando o filme The Mirror de Andrei Tarkovsky; noutro lugar, umqa embalagem de isopor emnvolve os ombros de uma jovem mulher na camisa de forças a quotidiana, morangos sufocam as personagens de Velasquez e Rembrandt. A cada século o seu supérfluo.
Embora os acessórios pareçam dizer muito sobre o indivíduo, eles são apenas a ponta do iceberg e escondem o essencial, sob a superfície daquela epiderme que Davrinche vai rebentar. Ele começa por apagar gradualmente os seus rostos atrás da matéria e da cor, até que se tornam irreconhecíveis.
Após a aparição, ele entra no coração do ser, para revelar uma outra faceta mais inominável da sua verdade.
Revelado pela série ” Kalashnikov “, ressoa dolorosamente com a violência do nosso tempo: os rostos não são nada mais que carne gritante, e só se pode distinguir vagamente um olho ou uma boca nesta face oculta da humanidade, a da destruição do homem pelo homem. Os fundos estão em uníssono, as suas gotas evocando uma poluição ou uma podridão oculta. Esta desconstrução da forma é em si mesma um memento mori.
O retrato finalmente estilhaça quando um crânio escapa da cabeça de um homem, voltando o olhar para o espectador para testemunhar a sua vaidade. Enquanto o fundo da tela se prepara para engolir o rosto, uma brancura fantasmagórica guia o olhar no movimento ascendente dos restos esqueléticos.
A porta está aberta aos estados de espírito… Eles parecem guiar a mão do pintor na sua série ” Under the Skin“.
Com sobreposições sucessivas e movimentos acentuados, a pintura dita a sua lei e anima as telas com uma vida própria, longe de qualquer ideia preconcebida. A tinta tem precedência sobre o tema, até se tornar a personagem da pintura.
Alguns retratos, além disso, parecem modelados. Pode-se seguir os traços dos dedos, espalhando o material diretamente sobre a tela, num gesto menos padronizado do que aquele obtido com um pincel. Esta relação visceral com a pintura é encontrada no formato geralmente escolhido pelo artista, 200×160 cm, daqueles que se podem abraçar.
Com a sua pintura, é toda a humanidade que Davrinche abraça nos seus retratos.
Este artigo foi traduzido do original em francês por Redação Artes & contextos
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