Instrumentos calmos
Quantos instrumentos calmos conhece no mundo inteiro?
Até certo ponto, quase todos os instrumentos podem tocar uma enorme variedade de dinâmicas e volumes. Conseguem produzir um tom subtil e calmo ou um tom extremamente alto, sendo alguns instrumentos mais adequados para tal do que outros. O que este artigo pretende explorar são os instrumentos cujo timbre é mais bem aplicado em cenários calmos e delicados do que numa partitura exuberante.
Vou começar com um instrumento provavelmente desconhecido do grande público. Chama-se Mbira ou Kalimba, e tem a sua origem em África, na população Xona do Zimbabué. O nome mais comum adotado pela Europa é “piano de polegar”, o que dá uma relevante pista sobre a forma como o instrumento produz som e a razão pela qual é um dos instrumentos mais calmos dos dias de hoje.
Existem diferentes tipos de mbiras mas a construção mais comum consiste em cerca de 28 lamelas metálicas que são fixadas sobre uma placa de som (ou ressoador) de madeira, geralmente madeira de lei africana. As lamelas metálicas podem ser feitas de diversos tipos de metal, desde o aço (muito comum nos dias de hoje) ao latão, cobre ou mesmo metal reciclado de molas de cama, bicicletas ou carros. O mbira é comumente segurado com duas mãos e as lamelas são pressionadas pelos polegares do músico. Como o som é relativamente baixo, os músicos tendem a colocar o instrumento sobre um ressoador maior por forma a amplificar o som.
Pensa-se que um dos mais suaves instrumentos alguma vez fabricados, datando possivelmente de há 5000 anos, é um antigo instrumento chinês intitulado “guqin” ou até apenas “qin”. Diz-se que era o instrumento que tocava o célebre filósofo chinês Confúncio e muitos dizem que é um instrumento capaz de grande expressão e refinamento.
O guqin é um instrumento com sete cordas que se toca puxando essas cordas. O seu alcance é de cerca de quatro oitavas, estando o seu tom mais baixo a cerca de duas oitavas abaixo do Dó médio ocidental. Técnicas instrumentais incluem o glissando e produções harmónicas tais as de um violoncelo, viola ou violino. Curiosamente o som de um guqin foi enviado, num LP em ouro, nas naves espaciais Voyager 1 e 2 como parte dos sons instrumentais de todo o mundo.
A viola de gamba era o instrumento de eleição antes do aparecimento do violino. A sua popularidade foi quase incontestável desde o final do século XV até ao final do século XVII. Semelhante à família das cordas de hoje, a família das violas compreendia instrumentos tanto pequenos como grandes, sendo os mais pequenos tocados no colo dos músicos em vez de sob o queixo, como o violino e a viola.
As violas de gamba dominaram a paisagem musical do Renascimento e foram muito utilizadas por compositores da altura tais como Henry Purcell, Orlando Gibbons ou William Byrd. O tom da viola de gamba é sereno e tem uma sonoridade quase nasal que, apesar de penetrante, não se compara à ressonância e riqueza produzidas pelo violino ou pela viola. Os compositores do período clássico rapidamente trocaram o timbre suave e vibrante da viola de gamba pelo violino, embora as violas de gamba tenham sido utilizadas com grande sucesso em algumas composições do século XXI.
Um instrumento geralmente associado ao Japão mais do que à China é a flauta transversal denominada “shakuhachi”. Esta flauta é tradicionalmente feita de bambu e produz um timbre maravilhosamente expressivo e arejado. Ao contrário das flautas que vemos nas orquestras e conjuntos de hoje, o som da shakuhachi é criado soprando num buraco esculpido no final do tubo de bambu.
Apesar de existirem shakuhachis de diferentes tamanhos, o nome em japonês significa comprimento. Um “shaku” são 30,3cm e “hachi” quer dizer 3cm. Cada flauta tem, geralmente, quatro orifícios para os dedos na parte frontal do instrumento e um orifício para o polegar no verso. Devido à construção do shakuhachi, o som tende a ser subtilmente chamativo, consistindo o seu repertório tanto de solos como de pequenas composições em conjunto. Curiosamente Peter Gabriel utilizou o som emulado do shakuhachi no seu início do seu êxito “Sledgehammer” de 1986.
O “piano de brinquedo” remonta ao final do século XIX e é um dos instrumentos mais calmos da história. Originalmente estas pequenas versões de piano eram, como o nome indica, designados para crianças apesar de terem sido utilizados para várias músicas “a sério”. John Cage utilizou-o na sua “Suite for Toy Piano” (1948) e George Crumb manipula surpreendentemente o instrumento na sua assustadora composição intitulada “The Ancient Voices of Children”.
Inicialmente era a Schoenhut Piano Company quem fabricava estes instrumentos, mas desde o início do século XX que estes se tinham tornado num fenómeno e eram tremendamente populares. Esta situação deu origem a estilos variados de pianos de brinquedo, alguns muito mais sofisticados que outros, incluindo opções de piano de mesa.
O som do piano de brinquedo não é muito diferente do do vibrafone. As lamelas de metal são pressionadas por pequenos martelos em madeira ou borracha, criando um tom chamativo apesar de delicado. Versões mais iniciais do instrumento tinham as lamelas feitas de vidro o que não assegurava a longevidade do instrumento nas mãos de um jovem estudante.
Muitos músicos consideram que a flauta de bisel está entre os instrumentos mais calmos. Tal como muitas famílias de instrumentos, a flauta doce existe em variados tamanhos, desde o gravador de baixo, mais comprido, ao saxofone sopranino que produz uma gama mais alta de tons. Cada um destes instrumentos de sopro tem um conjunto dinâmico de capacidades sonoras, mas, pelo menos para os meus ouvidos, soa melhor quando tocado nas gamas inferiores do seu espectro sonoro.
Por fim, tenho de incluir o “teclado silencioso”. A Yamaha produziu o primeiro modelo no início da década de 1990 e nunca mais voltou a tocar no assunto. Apesar de este instrumento não poder ser verdadeiramente considerado “calmo”, pode ser classificado como tal no sentido em que é tão ensurdecedor que não se pode ouvir.
O teclado silencioso faz uso de uma tecnologia muito sofisticada que permite uma reprodução fiel da performance do músico quando ouvido em headphones. O instrumento também pode ser utilizado como piano acústico normal. Surpreendentemente e dada a popularidade destes instrumentos “silenciosos”, a Yamaha fabricou um conjunto de cordas, metais e sopro também classificados como “silenciosos”.
Este artigo foi traduzido do original em inglês por Constança Costa Santos
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O artigo original foi publicado em @CMUSE – Classical
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