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17 de Dezembro, 2020
Porque é que os violinos não têm trastes?
Se não entende mesmo nada de guitarras, já se pode ter questionado, ao ver um guitarrista a tocar, o que seriam aquelas inserções metálicas no braço do instrumento. Em muitas guitarras, clássicas, acústicas e elétricas, a escala, como é chamada na linguagem corrente, tem uma série de barras metálicas (trastes) que percorrem o braço do instrumento.
Estes “trastes” ajudam os artistas a identificar onde têm de posicionar os dedos quando querem produzir certas notas ou acordes. Estes trastes são, certamente, uma vantagem para pessoas que estão a começar a aprender a tocar guitarra ou baixo. Quando é atingida uma maior fluência técnica, imagino que a necessidade de trastes se torne menos importante. De facto, durante alguns anos os baixos foram fabricados sem trastes.

Foto de Calin Draganescu em Unsplash
Então porque é que os violinos, violas, violoncelos e contrabaixos não têm trastes? Uma resposta a esta questão é que a presença de trastes altera significativamente o som destes instrumentos. Sem me alongar nas complexidades físicas associadas a esta questão, todos os instrumentos de cordas acima mencionados dependem de proporções harmónicas que ocorrem naturalmente nas suas sonoridades.
Há uma complicação adicional. Na música ocidental, usamos, desde há centenas de anos a “escala temperada ocidental”. Isto significa que a oitava é dividida igualmente por doze tons ou semitons. Esta não é a forma mais “natural”, mas se ouvir uma escala baseada em harmónicas naturais vai soar “fora de tom” aos nossos ouvidos igualmente temperados.
A vantagem do violino, e de outros instrumentos de cordas da família, é que consegue produzir, não só tons que aderem à escala do temperamento igual como também consegue produzir tons que não dividem a oitava dessa forma. Estes afetam diretamente a qualidade tonal e a entoação dos instrumentos, logo, são evitados.
https://youtu.be/DoqKSS1_9Ps
Se ajudar a ilustrar esta questão, um violinista é capaz de tocar tanto um Fá como um Fá sustenido. Se está a ler isto e a pensar que estas duas notas são a mesma coisa, é porque o são em instrumentos com trastes, pianos e harpas, etc, mas são notas diferentes que o violino (ou outros instrumentos sem trastes) pode tocar.
Outra questão a ter em consideração é que o semitom não é a menor divisão possível. Música de muitas outras culturas evidenciam isso com escalas com um considerável número de divisões. Em termos práticos, o violino consegue produzir uma enorme game de subtilezas tonais, o que não seria possível se o instrumento tivesse trastes.
Técnicas como o “portamento” (um suave deslize entre notas) ou o “glissando” não seriam tocadas tão fácil e fluentemente e o violino soaria muito diferente. Um desafio adicional seria colocar os trastes na parte mais distante do braço do violino.
Dadas as dimensões do violino, não faria sentido tentar colocar os trastes na 6ª posição pois estariam tão próximos entre eles que seriam inutilizáveis. O facto de o violino ser capaz de tocar uma gama tão vasta deve-se ao facto de não ser limitado por trastes naquele registo do instrumento.
O instrumento de cordas que mais apreciado foi por músicos e compositores durante muitos anos foi a viola de gamba. Além da viola de gamba, o alaúde fez parte dos instrumentos da corte durante séculos e voltou a aparecer já no século XXI. Todos estes instrumentos tinham trastes. Logicamente, isto levanta a questão, porque é que todos estes instrumentos tinham trastes e o violino não?
À primeira vista essa é uma suposição bastante óbvia. Mas após um pouco de pesquisa constatou-se que alguns destes instrumentos, violas de gamba, alaúdes, bandolins, por exemplo, têm trastes móveis. Estes eram feitos do mesmo material (geralmente intestinos de animais) e podiam ser movidos por forma a permitir diferentes afinações e produzir outros tons. Embora a viola de gamba tenha sido substituída pelo violino, mais rico a nível de tons e mais vibrante e erudito, a viola de gamba não possuía as restrições que parecia ter. No que diz respeito ao alaúde e, possivelmente às primeiras guitarras, a opção movível teria sido quase essencial para que o músico conseguisse tocar à maneira da época.
O desafio enfrentado por todos os estudantes do violino é, geralmente, onde colocar os dedos de forma a produzir a nota correta e afinada. O mais ligeiro movimento dos dedos pode causar as mais catastróficas desafinações. À medida que os músicos desenvolvem as suas capacidades, esta é uma forma comumente utilizada para atribuir um “vibrato” a qualquer nota, que é um elemento importante da técnica de qualquer violinista. O que já vi alguns professores fazerem é colocar fita-cola ou autocolantes de cor nas várias posições da escala, de forma a mostrar ao estudante onde colocar os dedos.
De igual modo, guitarristas iniciantes são muitos vezes encorajados a colocar os dedos perto dos trastes, de forma a garantir que tocam as notas certas. O problema para o violinista (ou para quem toca viola de gamba) é que o campo de visão não está direcionado para a escala. Um guitarrista consegue, com alguma flexibilidade, ver mais facilmente os trastes e aprender tanto pela visão como pelo tato, onde posicionar os dedos.
Para o violinista o problema mantém-se. Mesmo que existisse um violino com trastes, estes seriam provavelmente inúteis e impediriam que o aluno aprendesse a colocar corretamente os dedos, e a tocar com a entoação precisa.
Curiosamente, uma vantagem técnica proporcionada pelo design de um instrumento como o traste, pode causar a maior das desvantagens para outro instrumento. De acordo com Seraphim Protos no website “violinista.com”, há uma outra razão muito importante para os violinos não terem trastes.
Um relato histórico lembra que o famoso fabricante de violinos Antonio Stradivarius ficou obcecado por cumprir a sua quota mensal de instrumentos produzidos. A sua adorada e atenta esposa tentou consolar o ilustre fabricante dizendo “Don’t fret dear…” (Não te preocupes querido). Antonio pensou que a mulher estaria a dar um conselho para o design do instrumento. O resto, como dizem, é história.
Este artigo foi traduzido do original em inglês por Constança Costa Santos
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O artigo original foi publicado em @CMUSE – Classical
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