Cinema do Ar.Co. na Cinemateca
No dia 16 de Dezembro, o Artes & contextos esteve presente na exibição das curtas-metragens realizadas pelos alunos do curso de Cinema e Imagem em Movimento do Ar.Co.
Com a sessão esgotada (e a lotação reduzida), alunos, professores, amigos e curiosos juntaram-se na Sala M. Félix Ribeiro, na Cinemateca, para ver o resultado destes trabalhos académicos criados e desenvolvidos neste ano atípico.
Os oito filmes exibidos são, maioritariamente, de caráter experimental. No início da sessão, os realizadores subiram ao palco, e com grande regozijo, percebemos terem sido, na sua maioria, realizados e produzidos por mulheres, o que não deixa de ser uma lufada de ar fresco no mundo da 7ª Arte, ainda tão desigual. Após um breve discurso por parte da Cinemateca e de Maria Mire, professora e responsável pela organização do projeto, a sessão teve início com algum entusiasmo. As curtas-metragens apresentadas foram: «Quarentena» de Marcus Silva, Mariana Menseses e Natasja Tuszynska; «Noctur» de Ana Vala; «A Place That Doesn’t Exist», de Filipe Andrade; «Os Pássaros Voam à Noite», de Ana Almeida; «Maria – A Historical Analysis of Sambizanga, 1972», de Stephanie Kyek; «Cassoulet» de Gaiato; «Depth Wish», de Margarida Albino; «Anna Bê» de Julia Nogueira.
Após 90 minutos de exibição, o público aplaudiu, demonstrando apoio e agrado com o trabalho apresentado. Sendo que as curtas apresentadas se destacavam nas suas características distintivas, como a experimentalidade anteriormente referida, e uma estética visual e sonora bastante próprias enquanto objetos plásticos, achámos importante estar à conversa com Maria Mire e três das realizadoras (Ana Vala, Gaiato e Julia Nogueira).
Dois dias depois, passámos pelo Ar.Co., sediado em Xabregas e, de um modo informal, à mesa do café, trocámos algumas impressões.
– Artes & contextos: Olá! Queria começar por falar com a Maria sobre o projeto das curtas-metragens e a sua exibição na Cinemateca. Como é que surge esta ideia?
– Maria Mire: Antes de mais obrigada por estarem aqui e pela vontade de conversar connosco. Este projeto de colaboração entre o Ar.Co. e a Cinemateca surgiu no final do ano letivo passado, quando percebemos que haveria um conjunto de trabalhos com muita qualidade, e que gostávamos que fossem vistos. Indo de encontro ao nosso objetivo de ser uma escola aberta, que procura trazer artistas e realizadores até ao interior da escola, de modo a partilharem a sua prática e experiência e levar a escola e o trabalho que aqui se produz para fora de portas. Julgo que essa preocupação é transversal a todos os cursos do Ar.Co. Ao ver este conjunto de trabalhos, procurámos um contexto para os exibir. A Cinemateca foi uma escolha óbvia, assim como esta rubrica da «Ante-estreias», criada pela própria Cinemateca e que potencia a partilha com o público do que é feito em termos de cinema independente contemporâneo e também de filmes realizados em contexto escolar. A edição deste ano foi exclusivamente de trabalhos realizados pelos alunos durante o ano de 2020. Houve um trabalho de curadoria por parte dos professores, tendo ficado alguns filmes de fora da sessão, por não ser possível, como é óbvio, alongá-la ainda mais.
– A&c: O Ar.Co. não segue um paradigma mais tradicional e académico, até relativamente às outras escolas com componente de cinema. Em que medida é que isto de traduz no curso de Cinema e Imagem em Movimento?
– MM: O Ar.Co. é uma escola de artes, e o curso de cinema nasce nesse contexto. Independentemente de se tentar construir um currículo mais específico, há um conjunto de disciplinas que estão presentes e que cruzam as artes plásticas. E, por conseguinte, o cinema, aqui, é visto como algo muito experimental e ligado a muitas outras disciplinas artísticas. O curso nunca foi pensado de modo completamente isolado, e desde o seu início tem disciplinas que cruzam outras práticas, como por exemplo disciplinas de desenho. Procura-se, no fundo, uma interdisciplinaridade como base da formação.
– A&c: Tenho agora algumas questões mais direcionadas para as três realizadoras. Grande parte, ou até a totalidade das vossas produções foi feita durante a quarentena. Em que medida é que isto afetou o vosso trabalho, de forma positiva e negativa?
– Julia: Quando a quarentena começou, ia começar a produção do filme, que sempre foi pensado como documentário. Depois, perdi a oportunidade de o fazer, e tive de dar a volta.
– Ana Vala: Problemas de produção principalmente.
– Gaiato: Acabas por ter de te reinventar, não é! Repensar tudo. No meu caso, filmei tudo na Lourinhã, e a restrição de mudança de concelhos não ajudou.
– AV: Bem, eu tive alguma dificuldade em arranjar possibilidade de utilizar determinados espaços. Houve uma reformulação de muita coisa, mas também se tornou um desafio. Uma entreajuda e empatia, entre colegas e os próprios proprietários dos espaços. Mas, de forma positiva, unimo-nos mais. Juntámos esforços! As coisas não acontecem sozinhas, temos de nos unir a pessoas com diferentes competências. Estava toda a gente isolada, e este trabalho deu-nos este pretexto para continuar em frente!
– G: Acabámos por saber com quem contar. Não há barreiras, a interdisciplinaridade já existe, então acabamos por ter os contactos facilitados. Eu, como filmei ao ar livre, acabei por ter facilidade em alguns aspetos. A mostra na Cinemateca é a cereja no topo do bolo! É fixe, ter uma sala onde apresentar, para além da escola. Eu ainda pensei em desistir, mas reuni forças dentro de mim, apesar de tudo!
– A&c: E, tendo em conta o paradigma do cinema e da cultura artística em Portugal, quais são as dificuldades, que desde já, anteveem para o vosso trabalho futuro?
– AV: Há vontade, mas não há grandes meios para a concretizar. Mas, mais uma vez, juntamos esforços! Há quem diga que o cinema em Portugal está morto, no entanto, há pessoal mais no underground que continua a trabalhar, mesmo sem apoios nenhuns.
– G: Desde que continue a haver vontade. Isto dá para o cinema como para o teatro, no fundo. Não vale a pena estar sentado só à espera de apoios. É importante criar um grupo de pessoas com quem possas contar, saber que, se amanhã, quiseres gravar, eles estarão disponíveis.
– A&c: Estes trabalhos foram realizados em contexto académico, mas já é notória uma diferenciação entre os trabalhos apresentados, como por exemplo, os vossos. Quais foram as linhas inspiradoras para a realização dos vossos filmes?
– J: O filme é o meu recorte da Ana Bárbara, uma amiga. Ela permeia todos os universos com os quais me identifico, e acho justo ver representado. Ver o meu filme numa tela, com espectadores, os meus amigos, foi incrível!
– AV: No meu caso, Chelas. Vivo nesta zona, e numa proposta de workshop de cinema documental comecei a trabalhar neste sítio, tendo desencadeado a ideia do filme.
– G: Bem, para mim foi uma loucura. Tinha outro projeto, mas como não o concretizei, tive de passar à frente, e numa semana filmei a curta. Há sempre problemáticas que nos inspiram, mas seguimos uma componente mais autoral. Não há trabalhos iguais, há uma boa diversidade. A inspiração é constante, coisas que te interessam e dedicas tempo, focas e aprofundas.
– A&c: Agora uma pergunta para a Ana. Achei o teu trabalho, visualmente, muito apelativo, a cor, a fotografia, etc… Qual o conceito por detrás da composição cénica, e o plot da curta?
– AV: Interessava-me explorar esta zona de Chelas, e comecei a sentir uma dimensão de jogo. Para além disso, gostava que fosse exclusivamente com mulheres, aliás o único homem é um ser andrógeno. Há uma dimensão meia etérea.
– A&c: Relativamente ao Cassoulet, fiquei curiosa com a leitura que fiz da curta. Um pouco sádica, quase como se o karma se virasse contra a personagem principal, rasando o cinema de género. Gostavas de continuar esta linha?
– G: Bem eu ainda estou a experimentar, mas correu bem, por isso sim, porque não continuar não é! Fala sobre o crescimento, a ilusão, e a chegada à idade adulta.
– MM: Para finalizar, gostaria só de dizer que cada aluno tem um percurso muito particular. Mas sempre tivemos uma ideia muito clara relativamente a esta sessão na Cinemateca. Só mostraríamos estes filmes, caso houvesse um número substancial de resultados com muito boa qualidade. O que veio a acontecer. Porém, os filmes que vimos não são só de finalistas. Alguns deles são inclusive resultado de exercícios feitos em aula no contexto de workshops. Foi uma noite muito importante, para dar um palco maior aos alunos, e para estes pensarem também em quem está a ver e que ideias constroem em torno dos seus filmes. E estas três curtas-metragens, em particular, representam um término de um ano de estudos.
No final de uma longa conversa, o recorte que aqui apresentamos é um resumo. O cinema em Portugal continua em crescimento, apesar das dificuldades presentes. Estes alunos são a prova viva disso mesmo, desenvolvendo um trabalho muito próprio e dinâmico que nos cria a ânsia de ver mais do futuro da realização em Portugal. Esperamos encontrá-los novamente, deixando aqui os nossos parabéns pelo seu trabalho.
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Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.