Masha Silchenko
Após quatro anos de aprendizagem académica de técnicas de pintura na Escola de Belas Artes de Odessa na Ucrânia; foi preciso decompor, pôr de lado o seu conhecimento e voltar aos seus instintos primários: os de pegar uma folha branca e pintar nela animais, arco-íris e casas. Foi depois destes quatro anos que Masha Silchenko chegou às Belas Artes de Paris, onde explora a pluralidade das formas de expressão do seu mundo, através dos mediuns de cerâmica, sobretudo de pintura, para oferecer profundidade às suas linhas.
Os traços do trabalho de Masha são ingénuos e infantis. Eles deixam aparecer aos nossos olhos aqueles que tínhamos esquecido, deixados na berma da estrada, todos aqueles pedaços de papel deixados em caixas velhas. Aqui renascem as casas instáveis, as sereias dos nossos sonhos, os monstros debaixo das nossas camas, e por aí fora, as memórias. Há sempre uma criança no nosso coração que dorme dentro de nós; Masha Silchenko não a aconchegou nem fechou a porta do seu quarto. Ela a deixou entreaberta e a luz acesa. Esta criança, ela embala-a e canta-lhe histórias ao ouvido, abre a janela. Ela encontra todas as doçuras dos contos, das histórias de fadas, e deixa-as voar para as nossas mentes adultas, adornar numa doce melancolia.
Por detrás do óleo de cor pastel da artista desenham-se, por vezes, seres humanos, retratos de amigos, de família saídos das suas observações diárias ou encontrados no meio de um sonho. Mas às vezes, sob os pelos do pincel, são animais que se depositam. Morcegos, leões, cães e algumas aranhas também, feelings for a spider. Estes animais são instintos, símbolos, obsessões que vieram bater na cabeça do artista. Por nós, por vós, por Chagall, que pintava leões apaixonados, por todos os grandes garotos deste mundo que não os veem morrer; por ela, que os imagina a chorar rios.
No ano passado, a Masha foi para o Japão para aulas de cerâmica. Lá foi necessário seguir as regras dos métodos tradicionais de cerâmica. Então ela acomodou-se a essa arte e encontrou alternativas, como contar histórias com pratos? Nesta cultura, os objetos são como seres vivos, por isso ela inspirou-se neles. Ela procura na poesia de Frank-O’Hara, Melancholy Breakfast, e todas as manhãs, ela come os seus mueslis em taças de sofrimento.
No meio dessas histórias maravilhosas, há algumas inspirações mais graves; algumas das suas pinturas falam da dor de uma separação, da perda, ou da morte. Os lenços de sangue são moldados numa argila de luto. Algumas pedras oferecem sepulturas para os animais, tributos para os nossos mortos, hinos da natureza. Quando passadas no forno, é como se as flores renascessem das cinzas. Por vezes, fala-se também de fantasmas, de um reflexo do além no espelho, ou de alucinações, à imagem dos textos de Unica Zurn ou das palavras de Lilac Wine, de Jeff Buckley, « Isn’t that she, coming to me nearly here ? Lilac wine is sweet and heady, where’s my love ? Lilac wine I feel unsteady, where’s my love ? Listen to me, why is everything so hazy ? Isn’t that she, or am I just doing crazy, dear ? »
As suas histórias, Masha Silchenko faz existir, gravando-as na terra. A escolha deste meio, as noites passadas sem dormir para vigiar a cozedura são quase de ordem do ritual; a incerteza das decorações, a minúcia dos formatos dá-lhes a dimensão mística. Não são páginas que se viram, mas pedras que se prega na parede para não se deixar ir. Porque somos seres humanos vivendo em paredes de tijolos, estes pergaminhos de terra e linho, tecendo paisagens nas nossas gaiolas. Os quadros de Masha não são tensos nem agrafados. Eles são livres e enrolam-se sobre si mesmas. É como se tivessem passado pelo tempo, várias gerações. Estas palavras, estas cores, é preciso desenvolvê-las, mantê-las para que a obra se desenhe aos nossos olhos, e depois a história chegue até nós, viva.
Trata-se, pois, de abrir os olhos
no olhar dos nossos defuntos nos céus,
sobre todas as lágrimas derramadas,
Estas águas fazem transbordar tantas tigelas.
As nossas lágrimas de alegria e os nossos antigos caprichos,
As nossas lágrimas de amor que encheram tantos cálices.
Tantos copos de vinho enfiados
afogaram-se nas nossas gargantas.
Todas estas poções mágicas revelam-se,
a tantas doenças curadas, outras sem remédio.
Tantas cicatrizes fechadas e tantas feridas abertas.
No more Dying, como uma oração de sangue.
Trata-se de encantar de novo os nossos desencantos:
modelar fontes de água mágica,
Mergulhar as nossas mãos em abençoadores encantados.
Tantas palavras de amor nos nossos cadernos,
sob os traços duros da caneta esferográfica
toda a ternura do cão de caça.
No papel, Masha reescreve:
“So messed up I want you here
And in my room I want you here
And now we are gonna be face to face
And I’ll lay right down in my favorite place
Yeah you know what that is
(Iggy Pop, I wanna be your dog)
Este artigo foi traduzido do original em francês por Cláudia Almeida
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