Vida Longa
Cecilia Granara toma emprestado o seu léxico pictórico de um sincretismo simbolista. Esta jovem artista, formada pela ENSBA, afirma a sua apetência por imagens que refletem conceitos, muitas vezes provenientes de um registo que se qualificaria de espiritual.
As formas são livres do seu significante primário para se realizar no emblema puro, aberto a múltiplas interpretações. Vida, nascimento, natureza, amor: as ideias com as quais se relacionam genericamente constituem um referencial meditativo e benevolente. Ecoando a estas noções, a técnica pictórica de Cecilia Granara é às vezes um feito ingénuo, onde o grau de realismo é menos dependente do know-how do que de uma analogia sensata. Por outras palavras, o médium é significativo quanto à coisa figurativa, a forma é uma metáfora do sentido. A imagem de um fluxo vital percorrendo o corpo é marcada por pigmentos muito líquidos, enquanto o aerógrafo faz transpirar elementos impalpáveis, como uma pintura que vibra e respira.
Resultando uma obra quase ritualizada, cujas imagens se desdobram no centro da tela como as etapas de um baralho de tarô, cuja prática a artista aprecia. Uma roda da respiração ou um coração em chamas são exemplos dos símbolos presentes, abertos a diferentes presságios. E como acontece com os mapas, trata-se de interpretar: os padrões de falhas, frequentes em Cecília Granara , podem ser traduzidos por olhos ou folhas. A paleta franca (vermelho, azul, amarelo, verde) marca a dimensão ingénua e mística dessas figuras, delimitando os seus contornos. Surge uma tensão não incompatível entre uma arte estilizada de um lado e um toque livre e aquoso do outro. Da mesma forma, coexistem nesta pintura representação realista e figuração decorativa.
No livro de imagens de Cecilia Granara, figuras extravagantes são frequentemente cheias de grotesco, como é o caso de uma representação de Sheela-na-gig, deusa exibindo um sexo aberto, que apareceu nas Ilhas Britânicas no século XII. Nela, como sempre na artista, encontramos a ideia de um corpo que vê e sente as coisas em simbiose com a natureza. Os órgãos são colhidos na ponta dos ramos; as emoções viajam pelos membros. Muita doçura emana desses seres larvais que ondulam no espaço. As figuras deitam-se em posturas emprestadas da ioga ou do xamanismo. Observa-se por exemplo a deusa egípcia Nout como um cachorro de cabeça para baixo, ou o deus grego Argos com mil olhos que se tornou uma árvore da vida. O pincel não recua em frente de nenhuma hibridização e o léxico da transformação é recorrente: borboleta que se metamorfoseia, plantas germinando. Cecilia Granara parte dessa ideia de que as coisas nos atravessam e fluem, assim como a sua pintura cobre menos do que liga. Os elementos saem ou entram no corpo? Entre digestão, incorporação e nascimento, a diferença é obrigatória.
Auxiliar no atelier de Francesco Clemente, Cecilia Granara foi certamente influenciada pela trans-vanguarda italiana e pelo retorno por ela preconizado à representação pictórica livre. A omnipresença do artista de figuras astutas é de facto notada, onde a energia das formas serpentinas é realçada pelo aspeto líquido da cor, como uma vida que é injetada. Essa mesma ideia de fluxo é encontrada no fascínio assumido pelos modelos transexuais ou hermafroditas e, mais geralmente, pelo fluido de género que eles reivindicam de forma subjacente. Essas figuras refletem-se ou duplicam-se, numa espécie de morfogênese que lhes dá origem por si mesmas. O milagre da vida, tema central da obra de Cecília Granara, é sugerido por um fundo amarelo que desperta as cores como um amanhecer que aponta. As ideias de luz, energia e aura são denotadas por essa tonalidade particular, uma espécie de elixir que se arrasta entre os pigmentos.
Este artigo foi traduzido do original em francês por Cláudia Almeida
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