
Romain Bernini Como um encanto0 (0)
20 de Outubro, 2020
Romain Bernini
Como no rito, a pintura é ativada. Traços de pincel visíveis destacam a passagem do gesto e os líquidos juntam-se às partes lambidas. Na série Vâhana, o próprio quadro é montado sobre um outro como um objeto a ativar, outro passo que poderia ser de um ato neo-mágico. Os temas escolhidos atribuem ao «bom selvagem» uma creolização de mitos ancestrais, tradições populares e fenómenos mais recentes. É o caso de uma série de Vénus paleolíticas que se destacam sobre fundos psicadélicos. Associadas a ritos mágicos pelos arqueólogos do início do século XX, como Salomon Reinach, essas musas esteatopígicas impõem os seus corpos frontalmente, cuja perceção erótica variou ao longo dos anos.
Esta hipertrofia adquire sob o pincel de Romain Bernini uma dimensão totémica, como a de uma figura protetora e propiciatória.
Também centrados na composição como símbolos, retratos de mãos associadas a nomes de animais formam uma linguagem de sinais próxima à cultura xamã, onde a comunicação frequentemente passa pelo animal. Pensa-se também nos Vâhanas, animais transportadores dos deuses na cultura hindu. Romain Bernini age sobre a perceção antagónica do animal segundo as culturas e épocas. O papagaio, em especial, é por vezes associado à verbosidade vaidosa ou aos prazeres dos sentidos que a sua plumagem colorida sugere.
Também é recorrente o tema da floresta, lugar original da vida selvagem, como indica a etimologia (“selvagem” vem de “silvaticus” em latim: “florestal”). Os dossiês densos e radiantes parecem apoiar o maravilhoso e o imprevisível. É nessa vegetação insegura que a literatura traça o quadro da liminaridade, este estado de indeterminação durante o ritual, onde o indivíduo está entre o seu antigo e o seu novo status de iniciante. O encantamento sente-se na paleta de Romain Bernini que não hesita em convocar campos multicoloridos e punks que se dissipam na tela como fluxos de energia. Muitas vezes ligada ao sagrado e ao animismo, a floresta torna-se lugar protetor e é pensada como um sistema fértil onde se entrelaçam os estratos de múltiplos ecossistemas. Em Chipko, uma personagem encostada a um tronco refere-se ao movimento eco-feminista indiano de mulheres abraçando árvores para protegê-las do desmatamento.
A obra de Romain Bernini tira a magia do campo antropológico para lhe dar um poder político. No segundo capítulo das Duas Fontes da Moral e da Religião, Henri Bergson afirma a importância da “função fictícia” da magia e o vínculo social mantido pelas quimeras mais extravagantes. “Um ser essencialmente inteligente é naturalmente supersticioso”, diz ele, e a ilusão alimentada pelo homem é também uma forma de rebelião.
Este artigo foi traduzido do original em francês por Cláudia Almeida
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