Romain Bernini

Romain Bernini Como um encanto
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20 de Outubro, 2020 0 Por Artes & contextos
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Também o tempo torna tudo relativo.

Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 2 anos - o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.

Romain Bernini

A prática pictórica de Romain Bernini inscreve-se numa figuração contemporânea que assume o seu constante interesse por certas formas de magia. Longe de ser a ilustração de uma prática oculta em particular, trata-se de uma estética sincrética e misteriosa que difunde o seu encanto no espaço plástico como incenso. A fauna, a flora e o humano são lá as razões de ser e não de ter, que vivem em simbiose uns com os outros.
Toda reveladora é, desde já, a ausência de narração nas pinturas de Romain Bernini, onde os acessórios e atributos escapam ao seu status utilitário para formar os vestígios de um ritual passado ou futuro. O feitiço é paralisado no momento em que se abre na cena silenciosa.

Romain Bernini, Chipko, 2019, 220x180cm

Romain Bernini, Chipko, 2019, 220x180cm

Romain Bernini, Blind dream, 2019, 41x33cm

Romain Bernini, Blind dream, 2019, 41x33cm

Como no rito, a pintura é ativada. Traços de pincel visíveis destacam a passagem do gesto e os líquidos juntam-se às partes lambidas. Na série Vâhana, o próprio quadro é montado sobre um outro como um objeto a ativar, outro passo que poderia ser de um ato neo-mágico. Os temas escolhidos atribuem ao «bom selvagem» uma creolização de mitos ancestrais, tradições populares e fenómenos mais recentes. É o caso de uma série de Vénus paleolíticas que se destacam sobre fundos psicadélicos. Associadas a ritos mágicos pelos arqueólogos do início do século XX, como Salomon Reinach, essas musas esteatopígicas impõem os seus corpos frontalmente, cuja perceção erótica variou ao longo dos anos.

Esta hipertrofia adquire sob o pincel de Romain Bernini uma dimensão totémica, como a de uma figura protetora e propiciatória.

Romain Bernini, Dress Sexy At My Funeral, 2019, 200x160cm

Romain Bernini, Dress Sexy At My Funeral, 2019, 200x160cm

Romain Bernini, Grans Bwa XVII, 2018, 200x160cm

Romain Bernini, Grans Bwa XVII, 2018, 200x160cm

Também centrados na composição como símbolos, retratos de mãos associadas a nomes de animais formam uma linguagem de sinais próxima à cultura xamã, onde a comunicação frequentemente passa pelo animal. Pensa-se também nos Vâhanas, animais transportadores dos deuses na cultura hindu. Romain Bernini age sobre a perceção antagónica do animal segundo as culturas e épocas. O papagaio, em especial, é por vezes associado à verbosidade vaidosa ou aos prazeres dos sentidos que a sua plumagem colorida sugere.

Romain Bernini, Grans Bwa XX, 2019, 230x600cm

Romain Bernini, Grans Bwa XX, 2019, 230x600cm

Também é recorrente o tema da floresta, lugar original da vida selvagem, como indica a etimologia (“selvagem” vem de “silvaticus” em latim: “florestal”). Os dossiês densos e radiantes parecem apoiar o maravilhoso e o imprevisível. É nessa vegetação insegura que a literatura traça o quadro da liminaridade, este estado de indeterminação durante o ritual, onde o indivíduo está entre o seu antigo e o seu novo status de iniciante. O encantamento sente-se na paleta de Romain Bernini que não hesita em convocar campos multicoloridos e punks que se dissipam na tela como fluxos de energia. Muitas vezes ligada ao sagrado e ao animismo, a floresta torna-se lugar protetor e é pensada como um sistema fértil onde se entrelaçam os estratos de múltiplos ecossistemas. Em Chipko, uma personagem encostada a um tronco refere-se ao movimento eco-feminista indiano de mulheres abraçando árvores para protegê-las do desmatamento.

Romain Bernini, Porc-épic, 2019, 40x40cm

Romain Bernini, Porc-épic, 2019, 40x40cm

A obra de Romain Bernini tira a magia do campo antropológico para lhe dar um poder político. No segundo capítulo das Duas Fontes da Moral e da Religião, Henri Bergson afirma a importância da “função fictícia” da magia e o vínculo social mantido pelas quimeras mais extravagantes. “Um ser essencialmente inteligente é naturalmente supersticioso”, diz ele, e a ilusão alimentada pelo homem é também uma forma de rebelião.

Romain Bernini, Survival Tree, 2019, 220x180cm

Romain Bernini, Survival Tree, 2019, 220x180cm

Romain Bernini, Vâhana XII, 2020

Romain Bernini, Vâhana XII, 2020

Romain Bernini, Petite tortue 2019, 40x40cm

Romain Bernini, Petite tortue 2019, 40x40cm

 

Este artigo foi traduzido do original em francês por Cláudia Almeida

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