Ghosts Before Breakfast (1928)
Um filme de Hans Richter tão à frente do seu tempo que foi profanado pelos nazis
Os chapéus fogem das cabeças. O laço não se ata. A arma não dispara e o alvo não fica quieto. Quando os próprios objetos se revoltam, algo terrível se aproxima da terra e o anarquismo revela-se. Esta é uma das conclusões da curta-metragem dadaísta do pintor Hans Richter, de 1928, intitulada Ghosts Before Breakfast, ou Vormittagsspuk, título original em alemão (“Susto Matinal”). E pode interpretá-la de uma maneira bastante diferente da audiência em 1928. Tudo bem. É dadaísmo. É uma explosão na nossa mente.
Mas existem eventos e problemas reais em torno do filme e das suas consequências. No final da década de 1920, Richter já tinha quase vinte anos de carreira na pintura abstrata/cubista e, no início da década, já tinha feito experiências com a nova forma de filme. O seu filme Rhythmus 21, de 1921, foi um dos primeiros a tentar trazer ideias abstratas – formas, luz, ritmo – a este meio. Por volta de 1926, ao escrever num periódico alemão, Richter afirma “…o cinema é capaz de cumprir promessas feitas pelas artes antigas, no cumprimento das quais a pintura e o filme se tornam vizinhos próximos e trabalham em conjunto”.
Ah, mas será que a música e o filme mudo podem trabalhar em conjunto? Em 1927, a Gessellschaft Fur Neu Musik, em Berlim, pediu a Richter que colaborasse com o compositor Paul Hindemith numa peça a ser exibida no seu festival anual. Hindemith sugeriu algo agradável, no campo. Richter ficou sem tempo e filmou algo num estilo improvisado. Mas, por vezes, a falta de tempo mostra o que há de melhor nas pessoas. O legado de Ghosts Before Breakfast é prova disso mesmo. É considerado um dos melhores filmes dadaístas, graças à invenção pura e à diversão.
Se existe alguma narrativa em Ghosts, é esta: objetos confundem os seus donos, enquanto um relógio conta insistentemente os minutos para o meio dia, um trocadilho com a expressão alemã “Es ist fünf vor zwölf”, isto é, “cinco minutos para o meio dia” ou “o tempo escasseia”. (Também há um pato).
Richter juntou um pouco de tudo ao filme: movimento inverso, negativo, animação de recortes e quadro-a-quadro, efeitos especiais em câmara. E, transversalmente, um dos mais simples efeitos: quatro, três, dois chapéus-coco fantasmagóricos a flutuar no céu, fugindo dos seus donos.
O artista chamou ainda amigos para o ajudar: convidou Werner Graeff, estudante da Bauhaus e escultor, Hindemith, o compositor Darius Milhaud e a sua prima/mulher, Madeleine Milhaud, e ainda o editor de filmes, Willi Pferdekamp, para participarem no filme.
Ghosts teve um final trágico: os nazis queimaram o filme original e a partitura que Hindemith escreveu para ele. No entanto, isso deixou uma réstia de música no ar, pois vários compositores tentaram recuperá-la: Ian Gardener, Jean Hasse, a banda The Real Tuesday Weld, entre outros. Steven Roden compôs quatro versões para uma retrospetiva do trabalho de Richter do museu LACMA, usando várias táticas dadaístas. Uma delas consistiu em gravar um vinil de Hindemith, que já tinha sido preparado pelo mesmo.
Contudo, todas as partituras resistiram a uma sincronização perfeita. De facto, em 1947, Richter pronunciou-se contra isso mesmo:
Devíamos arranjar uma maneira de o som e a imagem se moverem sozinhos na mesma direção, mas, contudo, separadamente. Refiro-me tanto à palavra falada, como à música e outros sons.
Com quase 100 anos, Ghosts Before Breakfast ainda nos está a preparar para o futuro, com uma forte mistura de verdade.
Este artigo foi traduzido do original em inglês por Joana Rosa
Ajuda-nos a manter viva e disponível a todos esta biblioteca.
O artigo original foi publicado em @Open Culture
The original article appeared first @Open Culture
Talvez seja do seu interesse: What is Dadaism or Dada Art?
Assinados por Artes & contextos, são artigos originais de outras publicações e autores, devidamente identificadas e (se existente) link para o artigo original.