SAINT MAUD, de Rose Glass
Da “Casa Mãe” de Ari Aster e Robert Eggers, A24, chega até nós, no 5º dia de Festival, Saint Maud, da britânica Rose Glass, a sua estreia enquanto realizadora de longas metragens. Foi uma das estrelas que esgotou a capacidade da reduzida da Sala Manoel de Oliveira.
Num revisitar de alguns clássicos tal como Rosemary’s Baby (1968), e assente numa estética visual muito própria, Saint Maud leva-nos a um patamar anestésico, que nos imerge na intriga, fazendo com que esta incorpore a realidade e com ela se misture, oferecendo uma tremenda experiência sensorial.
Maud (Morfydd Clark), é uma jovem enfermeira que decide dar outro rumo à sua vida, sair do decadente apartamento onde habita e partir para uma nova experiência profissional. Assim, é recrutada enquanto cuidadora de uma doente paliativa, ex bailarina, com uma personalidade algo excêntrica: Amanda (Jennifer Ehle). As duas, começam a desenvolver uma relação, que nunca se aprofundou em demasia.
Maud é guiada por Deus. Todos os seus passos são provas de devoção e a cada um deles, grita por um pedido de ajuda e de validação por parte do Senhor. Ao longo da trama Maud passa por diversos episódios de êxtase, em que garante estar a ser iluminada e tocada por Deus. Há, não obstante, nesses momentos, alguma sexualização, um prazer físico que se une à sua ligação emocional e devocional.
O breaking point acontece durante a festa de aniversário de Amanda, que, cada vez mais doente, acusa a sua cuidadora de ser zelosa ao extremo. Maud, num estado de aparente perda da posse do seu corpo, e de abandono da realidade, com os sentidos toldados, agride a paciente e, como seria de esperar, é despedida.
Lendo a situação como uma mensagem de Deus, a guiá-la para fora de casa da Amanda, regressa ao seu apartamento e embarca numa noite de pura bebedeira e engate num pub local. Sofre múltiplas alucinações, sempre encaradas como mensagens do Senhor, luzes que lhe mostravam “o verdadeiro caminho”. O pequeno altar que tinha no quarto foi crescendo e avultou-se de mais e mais imagens, tal como foi crescendo o nível de entrega espiritual de Maud.
Ainda que não de uma forma explicita ou gore, entrega-se à autoflagelação envolvendo milho seco e pioneses, e claro, muitas imagens religiosas à mistura. Maud rapidamente assume diversas atitudes e comportamento que rasam o cómico, mas que pela brilhante atuação e interpretação de Clarck, são antes, de cortar a respiração e nos colar ao ecrã.
Acaba por encarnar a figura de uma santa: cabelos longos, um manto drapeado e uma cruz com missangas ao pescoço. É assim que sai para a rua e se prepara para a última visita a Amanda.
A cena final está realizada com um tal nível de excelência e mestria que lançou uma onda de suspiros por toda a plateia, seguidos de uma enorme salva de palmas, a maior até agora, sem dúvida.
O ritmo da narrativa, o crescimento não desmesurado da intensidade, a performance do elenco, a brilhante fotografia, contribuem para fazer deste, um verdadeiro filme de culto, que se irá perpetuar.
Às mãos de uma mulher, acabámos por conhecer mais uma jóia do terror (no feminino), que nos abre portas para algumas discussões do ponto de vista religioso e dogmático, extremamente interessantes.
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Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.