Chloé Sassi
Chloé Sassi é uma dessas pessoas apaixonadas pelo passado e desconfiadas do futuro. Ela pertence a esta geração que se constrói num terreno vago. Diante dos nossos quotidianos semeados de problemas ecológicos e de tratados de colapsologia; diante das nossa paisagens e mutações constantes e da natureza frágil, ela, busca a grande potência.
Ela cresceu nessa natureza selvagem arrastando os pés nos pântanos bretões, e foi com certeza o que selou esses laços intrínsecos entre essa natureza e o seu trabalho. Entre a nostalgia dos decénios precedentes e a presunção de um futuro desastroso, entre o nevoeiro asfixiante da poluição e a doce bruma dos fantasmas, Chloé traça o mistério. Como uma fuga para outros universos para um encontro original, ela tenta um “regresso às origens pelo fim do mundo”(1).
Os seus trabalhos, entre fotografias, vídeos, quadros vivos, são sempre impressos duma pulsão de vida, duma esperança nascente levada por uma juventude encarnada; essa juventude que mergulha num mundo degradado, uma juventude que vagueia e que cria imagens com o que resta de outros tempos.


É quando a artista parte à conquista de céus estranhos, na luz da aura ou do crepúsculo, para favorecer a permeabilidade dum mundo a um outro: do mundo terrestre ao mundo celeste, da noite ao dia, do início ao fim. Ela coloca então as suas personagens na paisagem em vista de uma harmonia com essas iluminações transitórias.
Além dos céus, e sempre por quebrar as nossas referências, pelas suas decorações, ela parte à procura de ambientes sociais, de ruínas, de aldeias abandonadas, de pântanos… Todas essas “paisagens entre o arcaico e o apocalíptico” são lugares que conheceram a vida, que conheceram o tempo porque sucumbiram ao abandono dos deles. Trata-se de reescrever a história deles, de repovoá-los pela carne.
Então ela percorre, ela viaja, ela encontra, ela observa e a cada instante, ela examina. Ela modela o seu próprio Novo Mundo, em paralelo do nosso. Um tempo com o seu próprio tempo, nem realmente passado, nem realmente futuro e certamente não é presente.
Um mundo com os seus próprios territórios, mas sobretudo os seus próprios indivíduos. Nesta época onde o desastre sanitário nos aproxima pouco a pouco da possibilidade de um futuro higienizado; o mundo de Chloé Sassi coloca finalmente os corpos na frente do palco.


Então eles são jovens, eles têm corpos de todas as cores e de todos os géneros. Eles têm uma nudez original. Eles não são nem vivos nem mortos, eles são quase entidades, ou alegorias. Eles pintam-se, mascaram-se, não fazem pose, não voltam depois da festa, carregam tochas em chamas ou flutuam sobre águas geladas.
Eles esperam a bruma, entre dois tons, eles saem para cruzar os caminhos, eles introduzem-se numa natureza selvagem e frágil à procura dum Outro lugar. Um Outro lugar e a possibilidade da invenção de uma nova Idade do Ouro pós-apocalipse. Eles são todos amigos de Chloé Sassi, porque para se imergir, é preciso ter confiança.

Respirar, escutar os sons ao redor, ignorar as hostilidades, sentir o vento e a pureza do ar, apreender cada sensação na pele, cada arrepio, cada sombra, cada gota de chuva. Fechar os olhos, imaginar se é de dia, se é de noite, se é o amanhecer ou o anoitecer. Imergir-se, como mergulhar numa piscina, imergir-se como penetrar águas estagnadas, imergir-se na imersão. Imaginar que haja um protocolo é quase uma blasfémia, é ir lá, dar o salto, pular de pés juntos e olhos fechados.
Próximos do estado de plena consciência, as crianças selvagens fundem-se com a atmosfera para que cada parcela de sua pele encontre eco com o espaço-tempo no qual eles renascem. Eles movem-se por ações da ordem do ritual para ter acesso a um Outro lugar palpável. Esses gestos às vezes são espontâneos e iniciados pelos atores, às vezes pensados de antemão pela artista; sempre nessa dinâmica de construir pontes ou diálogos invisíveis entre duas eras. Por isso, ela busca a sua inspiração na mitologia e num universo místico pessoal. É assim que nesta doce peregrinação encontraremos flores em campos minados, sereias em piscinas, fantasmas saídos de suas bolhas, renascentes do crepúsculo, bruxas em falanstérios, ou Vénus envoltas em carnes humanas.
Esse distúrbio no tempo transmite-se também pelos meios de difusão, a artista faz malabarismo entre velhas câmaras e novos aparelhos, TVs catódicas e vídeo projeções. Nas imagens sedutoras que ela apresenta, se olharmos bem, não há nada de binário, nada de casta. Não é nem o antes, nem o depois; nem o homem, nem a mulher; nem o sonho, nem a magia; nem a vida, nem a morte. Tem uma ambiguidade permanente que nos faz perder as nossas marcas. Ela semeia problemas no arquétipo, destrói nossas normas e os nossos modelos. É um convite a atravessar os muros e as paredes que nos eclodem, nós mas também as nossas obras.
Cada expectador é um viajante que doma esse Novo Mundo mas de uma certa maneira o trabalho de Chloé Sassi interroga os limites dos nossos lugares de difusão, interroga os muros, interroga as portas, os espaços fechados e cimentados. Ela criao seu Outro lugar no exterior e entrega-nos as provas do possível no interior.
A idade de Ouro de um jardim primordial pode inventar-se sobre azulejo branco?








(1) Proposta da artista
Este artigo foi traduzido do original em francês por Cláudia Almeida
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O artigo original foi publicado em @Boumbang
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