Clément Mancini - Noite Branca Artes & contextos clement mancini

Clément Mancini – Noite Branca
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14 de Agosto, 2020 0 Por Artes & contextos
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Também o tempo torna tudo relativo.

Este artigo foi inicialmente publicado há mais de 3 anos - o que em 'tempo Internet' é muito. Pode estar desatualizado e pode ter incongruências estéticas. Se for o caso, aceita as nossas desculpas.

Clément Mancini

 

“A pintura abstrata representa um objeto total onde o espaço é um continuum que liga ao contrário de separar”, escreve Clément Greenberg em Art et Culture (1). O trabalho de Clément Mancini faz eco a esse conceito modernista da obra que considera o espaço da pintura como superfície plástica ininterrupta que olhamos como um todo e não através dele. Daí, cria-se o efeito de uma “visualidade pura”, de um conjunto pictórico completo que não tem mais nada a esconder a não ser o que ele oferece, quase servido numa bandeja. A pintura de Clément Mancini é de facto autónoma: ela rejeita qualquer imitação e não esconde nada.

 

Au Départ 01 - plaster, acrylic and oil stick on canvas - 190 x 150cm ©Clément Mancini

Au Départ 01 – gesso, acrílico e óleo em bastão sobre tela – 190 x 150cm ©Clément Mancini

Oneirataxia - wood, plaster and acrylic - varbiable dimensions ©Clément Mancini

Oneirataxia – madeira, gesso e acrílico – dimensões variáveis ©Clément Mancini

Nesta ideia participa inteiramente o gesso, um tipo de marca registada do pintor, que liga a obra como um bloco inseparável.  O gesso, material de propriedades ignífugas e isolantes, cria um para-fogo seguro onde o olho se pode pôr em segurança. Do grego plásso (“formar”, ”moldar”), o gesso reveste, espalha-se, estica-se.
Clément Mancini utiliza-o sob a forma líquida, derramando-o diretamente sobre a tela no chão, com toda a espontaneidade que acompanha esse gesto. Tão logo, emerge uma dimensão escultural que baralha as referências: o gesso é tomado como tinta e a pintura é toda em volume. Esse aspecto material da obra, assim como sua falta de brilho assemelha-a a uma parede raspada. Às vezes, molduras no interior da tela vêm criar aberturas como passagens que desembocam noutros mundos, valorizando ainda mais os ligeiros relevos.

 

Untitled 01 - plaster, acrylic and oil stick on canvas - 146 x 114cm ©Clément Mancini

Untitled 01 – gesso, acrílico e bastão de óleo sobre tela – 146 x 114cm ©Clément Mancini

Untitled 10 - plaster, acrylic and oil stick on canvas - 146 x 114cm ©Clément Mancini

Untitled 10 – gesso, acrílico e bastão de óleo sobre tela – 146 x 114cm ©Clément Mancini

Sob a camada de alabastro, estendem-se marcas terrosas ou elétricas, características da massa de Clément Mancini: azul noite, castanho escuro. Em acrílico ou em giz de cera, essas cores vêm excitar as asperezas do gesso e as suas declinações cremosas.
O toque é espontâneo: é uma pintura que tem fé no imediato. No modo dos seus traços, o artista, quando cria, dança em frente ao seu suporte, o seu corpo está completamente em contacto com a sua obra. É importante lembrar que o seu olho foi educado na arte da rua e no graffiti. Do grego graphein significa ao mesmo tempo “escrever” e ”desenhar”, o graffiti designa antes de tudo uma marca deixada de maneira impulsiva. No entanto, a marca é particularmente presente no trabalho de Clément Mancini, no sentido de uma marca humana fixada num revestimento ainda húmido. Esse fenómeno instintivo dá de facto a esses gestos a forma de uma assinatura do artista, tipo de marca assinada com o seu pincel.
Rudimentares, os significantes gráficos são como esquemas indicando uma passagem. A pintura de Clément Mancini é dessa forma herdeira de uma abstração informal histórica, tendo uma ligação com a escrita, evocada pelo seu caractere script independentemente de toda a produção de sentido.

 

Prémices - Chapitre II - plaster, acrylic and oil stick on raw canvas - 260 x 195 cm ©Clément Mancini

Prémices – Chapitre II – gesso, acrílico e bastão de óleo sobre tela – 260 x 195 cm ©Clément Mancini

© Clément Mancini

© Clément Mancini

Apresentar, menos o objeto do desenho do que a ideia mesmo de desenhar. Pode ser que haja alguns ecos, nessa leveza pictórica, da criança artista, borrador e rabiscador que põe precisamente a mão na massa sem que seja representado o que quer que seja.

A originalidade é desde já integrada nessa ideia de desenho livre no gesso como no mármore. “Toda sensação e toda Figura já é sensação “acumulada”, “coagulada” como numa figura de calcário”, escreve Gilles Deleuze na sua obra sobre Francis Bacon. As marcas de ferrugem e de cobalto no gesso de Clément Mancini parecem camadas de uma experiência presa na massa. Esses traços evocam de facto essa noção de figura “figural”, definida pelo autor no mesmo texto como uma figura não figurativa, tipo um fulgor escapando ao discurso e à narração.

Vue d'atelier © Clément Mancini

Viista do atelier © Clément Mancini

 

(1) GREENBERG Clement, Art et culture, essais critiques, éd. Macula, 1988, p191

(2) DELEUZE Gilles, Francis Bacon :  Logique de la sensation, Paris, La Différence, p.27

 

Este artigo foi traduzido do original em francês por Cláudia Almeida

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