Darkness
Durante a Press Premiere do MotelX 2020, no já habitual Cinema São Jorge, fomos presenteados com uma antecipação do festival deste ano. O visionamento de uma das longas metragens internacionais, incluídas na Secção Serviço de Quarto. Darkness («Buio»), realizado por Emanuela Rossi é uma das mais sérias promessas desta edição. A obra, de 2019, é um dos cinco exemplares de realização no feminino, em que a organização do festival este ano, muito bem aposta.
Stella (Denise Tantucci), Luce (Gaia Bocci) e Aria (Olimpia Tosatto) são três irmãs que vivem encerradas num casarão.
O seu pai (Valerio Binasco), do qual nunca viremos a saber a saber o nome, chega a casa com fato completo e máscara antigás, ultrapassando barreiras de plástico que barravam o acesso à porta trancada a sete chaves, literalmente, Retira a proteção corporal e facial, guarda-a e larga os mantimentos. Se não soubéssemos que o filme é de 2019, podíamos imaginar tratar-se de uma produção Covid-19 inspired.
Proibidas de sair de casa, limitam-se às tarefas mais básicas, e, na ausência do pai, criam um horário próprio em que conjugam entre aulas de fitness, e «banhos de sol», proporcionados por um candeeiro de luz néon azul.
Ao olhar das mais novas, Luce e Aria, o pai é um herói. Chega, sempre a casa com alguns mantimentos, e com extraordinárias histórias de superação para os ter conseguido.
De acordo com o que lhes conta, a mãe morreu queimada pelo sol, que se tornou demasiado forte, sendo esse o motivo porque, segundo ele, ser imperioso que elas se mantenham encerradas em casa.
A curiosidade, a sede de aventura e, acima de tudo, de liberdade, fazem com que Stella questione as histórias que o pai impõe. Confinadas a uma casa escura, sem luz natural, e com escassa luz artificial, vivem numa realidade permanente e rotineira. Numa perspetiva de back and forward, vão-nos sendo mostrados flashes da memória de Stella com a mãe, e da mãe.
Cedo entendemos que a clausura imposta pelo pai, nada tem a ver com um pós-apocalipse. Até determinado ponto, desconhecemos as motivações que o levaram a esta situação e ao mesmo tempo percebemos que de entre as três filhas tem uma preferência por Luce. Aria, por, talvez por falta de estímulos exteriores é incapaz de falar; Stella, sabe, vê e retém informações que podem deitar por terra o seu plano.
Intercalando com surtos de violência, tem momentos carinhosos com as filhas, talvez numa tentativa de contrição.
A narrativa é-nos apresentada em capítulos interligados pelos seus títulos, que partem de uma expressão ou de uma palavra, que ficou em suspenso.
Esta solução imaginativa retira, no entanto, algum dinamismo à história, segmentando-a e apressando-a.
«O Dia do Ar» (Dia De L’Aria) é o capítulo em que testemunhamos, pela primeira vez, o contacto das três irmãs com o Sol e a luz natural.
Ainda que dentro de casa, o dress code é cuidado, e inclui os capacetes, fatos completos, e óculos. À medida que estacas de madeira são desaparafusadas das janelas, a luz o vento refrescante, começam a entrar gradualmente, enchendo a casa com luz branca, forte. Ao comando do pai, rodopiam sobre elas mesmas, com a visão obstruída, mas com o sentimento de liberdade possível.
Então, vemos a necessidade, quase no limite do desespero, de Stella, em retirar os óculos e encarar o «lá fora».
Todas as chegadas do pai, a casa, são cronometradas, pelas filhas, no relógio da cozinha.
A determinada altura, o tempo passa, e não ouvem o destrancar da porta, nem a entrada do pai. Este, é o breaking point.
De um momento para o outro, aquele que surgia com os mantimentos, as novidades do mundo em destruição, não voltou, deixando as filhas numa situação de perda de controlo.
No entanto, na ausência do pai, e agora com Stella, no comando da casa e proteção das irmãs, tudo muda: desde os candeeiros, mais e melhor comida, música contemporânea, e uma melhoria do bem-estar geral.
Stella, ao ver Luce e Aria, com fome e o frigorífico vazio, decide sair de casa para adquirir mantimentos, na sequência da descoberta de uma avultada soma de dinheiro no anexo, no quintal.
Stella vê Luce aterrorizada, com medo de perder a irmã, tal como havia perdido a mãe – queimada pelo sol.
Numa caminhada de reencontro com o mundo exterior, com uma mochila às costas, um fato de astronauta, capacete, e óculos cobertos de poeira que a obriga a retirá-la gradualmente, para poder ver o caminho, Stella dirigiu-se supermercado.
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Uma boa estreia para Rossi, com o seu primeiro trabalho enquanto realizadora de uma longa metragem, num filme com focos para a violência, os maus tratos pessoais, o abuso, a saúde mental, a crise ambiental e o empoderamento feminino.
Conheça o que ficamos a saber na Première MotelX 2020
Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.