Humphrey Bogart
Segundo o teórico do cinema David Bordwell, houve uma grande mudança nos estilos de interpretação na década de 1940. Desapareceu o estilo de “actuação comportamental” da década de 1930 (a primeira década completa do cinema sonoro), onde os estados mentais eram demonstrados não apenas através do rosto, mas através do movimento do corpo, e como os actores se impunham.
Em vez disso, na década de 1940, há uma “nova interioridade, uma espécie de neutralização, da actuação, que é intensa, quase silenciosa, ao estilo do cinema mudo.”

Parte disto deve-se a narrativas psicológicas cada vez mais complexas, incluindo muitas narrações. Algumas delas devem-se também a estúdios que esperam alcançar a profundidade psicológica dos romances literários.
Em suma, sejam quais forem as razões na década de 1940, passamos a ver as personagens pensarem.
No último ensaio vídeo do Nerdwriter, Evan Puschak examina o ícone da representação masculina dos anos 40: Humphrey Bogart, cuja habilidade e oportunidade o colocou no lugar certo e no momento certo para tal mudança de estilo. Pense em Bogart e pense nos seus olhos e sim, nos longos momentos em que a câmara se mantém no seu rosto e…nós vemo-lo pensar.

Em retrospectiva, parece que ele estava à espera deste momento. Puschak retoma o conto com The Return of Dr. X, de 1939, que apresenta um erro crasso de Bogart como cientista louco. Mas o ator tinha passado a maior parte dos anos 30 interpretando uma seleção de bandidos, a maioria gangsters. Ele era bom nisso, mas também estava cansado do typecasting (N. da R. repetição do estilo de papel).
Também cansado de interpretar gangsters estava George Raft, e isso acabou por ser bom, já que Raft recusou o papel principal no Último Refúgio, escrito por John Huston e reaalizado por Raoul Walsh.
Huston e Bogart eram amigos e companheiros de copos, e foi a amizade deles, mais Bogart a convencer tanto Raft a recusar o papel e Walsh a contratá-lo a si, o que resultou num avanço na sua carreira.
Como Puschak salienta, embora Bogart estivesse de novo a fazer de bandido, trouxe à personagem do cão raivoso Roy Earl um cansaço no mundo e um interior vulnerável, e nós vemos isso nos seus olhos mais do que através dos diálogos.

No mesmo ano, Bogart interpretou o detective privado Sam Spade em Relíquia Macabra, também um papel que George Raft recusou. Bogart trouxe à personagem o cinismo e a frieza dos seus papéis de gangster; parece repetitivo dizer que foi um papel icónico, mas é verdade – é uma actuação que se estende no tempo a todos os actores que viriam a interpretar um detective privado, que lha tomam emprestada, manipulam e viram de cabeça para baixo.
Não teríamos tido o Columbo nem Breathless (O acossado).
Será que George Raft alguma vez percebeu que era uma espécie de anjo da guarda de Bogart? Porque, pela terceira vez, um papel que ele recusou tornou-se um clássico do Bogart: Rick Blain em Casablanca (1942).
Como salienta Puschak, é um papel difícil, pois Rick é decididamente passivo e casualmente mau durante a primeira fase, deixando as pessoas à sua sorte. Resulta apenas porque podemos ver todas as decisões que Rick toma a fervilhar por detrás dos olhos de Bogart, e sabemos que ele acabará por ceder e fazer a coisa certa.

À medida que foi envelhecendo e os anos 40 se tornaram nos anos 50, Bogart começou a brincar com este tipo de personagens. O seu explorador em O Tesouro da Serra Madre tem olhos alucinados com a ganância e a loucura; o seu escritor em Num Lugar Solitário é suspeito de homicídio, e Bogart interpreta-o de forma tão ligeiramente louco que nos perguntamos se ele poderia ser um assassino. É uma das interpretações mais desconfortáveis de Bogart, agarrando o que se tinha tornado familiar e confortável na sua persona no ecrã e distorcendo-o.
Morreu em 1957, aos 57 anos, devido aos efeitos cancerígenos de uma vida inteira de tabagismo. Que tipo de papéis poderia ele ter desempenhado se tivesse sobrevivido aos anos 60 e 70? Tê-lo-iam contratado os realizadores franceses da Nouvelle Vague? Scorsese ou Altman ou Coppola? Mais uma vez, não podemos deixar de nos qustionar, mas é só…
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Este artigo foi traduzido do original em inglês por Redação Artes & contextos
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