The 1975
A banda de Manchester, começou a criar raízes em 2002 pelas mãos dos amigos (Matthew) Matty Healy, Ross MacDonald, Adam Hann e George Daniel. Dez anos depois lançaram o seu primeiro EP, Facedown, e agora, a 22 de Maio de 2020, acabam de lançar o seu quarto álbum de estúdio, Notes On A Conditional Form.
A data de lançamento do álbum – algo já usual no que toca ao misticismo que os rapazes gostam de manter – foi incerta durante algum tempo, com avanços e recuos. O resultado final, não poderia ter sido melhor. Ao longo de 22 faixas, há uma viagem sensorial, impactante, capaz de transportar a nossa mente para cenários completamente diferentes.
Definir um género? Praticamente impossível, o ecletismo é o melhor gear, nesta questão. Sons instrumentais básicos, acordes de guitarra, o som do saxofone, e muito tecno, preenchem este longo álbum, que vive de uma mistela de coisas boas e inexplicavelmente confusas.
A banda tem vindo a traçar um percurso interessante, com cartas lançadas em vários palcos, mas permanecendo fiel ao seu ponto de origem, com uma singularidade assinalável. Os fãs já sabem o que esperar: nunca se sabe o que esperar. Cinco minutos de música de fundo e uma forte mensagem da jovem Greta Thunberg, dão início ao álbum. Nunca esconderam a sua forte ligação a movimentos sociopolíticos, LGBT e causas ambientais, acompanhando de perto com ecos na sua música, cujas letras são autênticos discursos, que se tornam bem audíveis na voz de Healy.
A transição entre a primeira faixa e a segunda – People – é genialmente bem feita: Wake up! Greta diz-nos para acordar, olhar e agir; The 1975 dizem-nos: Wake Up Wake Up Wake Up, It’s Monday Morning, And we’ve only got a thousand of them left, Well, I know it feels pointless and you don’t have any money, But we’re all just gonna try our fucking best. Num rock mais forte e onde se nota um piscar de olho ao punk, com um tom direto e agressivamente expressivo, Matty grita uma mensagem bem clara: o problema é real, não vale a pena omitir, abafar ou ignorar.
Para Matty, o ABIIOR (A Brief Inquiry into Online Relationships) seria o sucessor do Notes e não o contrário. Com uma mensagem catalisadora dos nossos dias – tecnologia e a relação praticamente carnal com o humano – o álbum tem uma estrela falada numa das faixas – The Man Who Married A Robot / Love Theme – que explica e esclarece que vamos falar de amor, política (e as suas asneiradas) e “bater no ceguinho” até dizer chega. O NOACF não está longe disso. Aliás, poderemos considerar o discurso de Thunberg, o sucessor do Love Theme supracitado.
Tal como ler um livro, os rapazes não queriam deixar de incluir um prefácio, glossário e índice, provocadores como sempre.
A estética musical e visual do trabalho dos The 1975 é feita de uma forma particular, que nos dá a sensação de que a imagem é tal qual o som, e vice-versa. Com os anos, a estética da banda tem vindo a mudar, e progressivamente a interligar elementos, tais como o famoso retângulo monocromático ou colorido. Desta vez, há uma imagética que vive dos tons néon, fortes e garridos, sem medo de chocar, com a curiosa inserção de filtros do Instagram, mesmo nos videoclipes.
Há diversos singles no álbum – People, Frail State of Mind, Me & You Together Song, The Birthday Party, If You’re Too Shy (Let Me Know), Tonight (I Wish I Was Your Boy) e Guys – diferentes, e únicos na sua essência, mas cujas mensagens se vão construindo e complementando com o avanço de cada faixa. A sonoridade, e o apelo visual transportam-nos para um look 2000’s, das bandas punk/pop/rock, exatamente aquilo que queríamos na banda sonora de um cult movie da primeira década do milénio.
Existe um certo saudosismo inerente à produção deste disco, que tem um cunho muito ferrado de George, e do seu estilo de composição/produção. Somos transportados – no caso dos Millennials – para os anos da adolescência, numa viagem bastante interessante. Todas as faixas são incrivelmente versáteis: são tão boas de ouvir na sua versão estúdio, como ao vivo. E, como já nos têm vindo a habituar, muitas são puramente instrumentais, num mix de tecno e instrumental, e a inserção de alguns back vocals computadorizados.
Numa entrevista ao Pitchfork, Healy coloca a tónica na importância que a composição e a produção do álbum tiveram no seu processo de reabilitação, tal como a necessidade de escrever sem maneirismos apologistas, não tentando demonizar, mas colocar os pontos nos ‘is: é isto que eu quero dizer!
Desde Joan Didion a Ricky Gervais, as punchlines misturam-se, entre si, à medida que vamos ouvindo o álbum e entendemos – ou então tentamos, no meio do, muitas vezes, seu inconfundível british matraqueado – as farpas que vai lançando. Não é novidade, visto que metáforas, jogos de palavras, mensagens diretas, outras embrenhadas, é algo que já ouvimos, e vemos, desde o self-titled até ao Notes.
Não é fácil gostar, nem é esse o objetivo, não é fácil ouvir nem mastigar, mas há uma plenitude na arte dos quatro ingleses, cuja maturidade sonora tem vindo a evoluir, tal com a própria mensagem. Determinadas faixas lançam-nos para memórias de outras, pertencentes a álbuns anteriores – como por exemplo Nothing Revealed / Everything Denied – If I Believe You – Antichrist – outras são absolutamente inovadoras.
O culminar do álbum resume-se às duas últimas músicas: Don’t Worry e Guys. A primeira, escrita por Tim Healy, o pai do front man, remanescendo um cordão emocional e de amor puro e genuíno; a segunda, da autoria de Matty, uma autêntica declaração de amor aos seus peers: «You’re the love of my life, (…) The moment we started a band, was the best thing that ever happened».
Um álbum puro, forte, intuitivo, ainda que impetuoso, longe de ser perfeito, mas perfeitamente bem criado. Há uma emocionalidade, excitamento, tranquilidade, tudo junto, que advém da experiência ao ouvir o disco. É uma «palmadinha nas costas», um «puxão de orelhas» e um calor imenso, que rodeia cada acorde, linha, letra e som.
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It’s time to rebell!
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Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.