Christine Herzer
O que se segue não é uma entrevista. É o fruto de um longo diálogo entre Christine Herzer e Clare Mary Puyfoulhoux, e tenta dar conta de uma conduta crítica como uma co-construção do pensamento.
É uma mulher que escreve com as mãos. Alemão, americano, francês, parisiense, sempre jovem, assombrada, totalmente esfarrapada, engraçada. Violência a comentar. Ouvi a música, entendi o seu alcance. São mãos que exprimem em folhas de papel o significado abstrato das palavras, o amor de um amigo morto, por aquele que vive.

Christine Herzer, happy, 1 2 2020, Marqueur sur papier Canson, 19 x 24 cm. photo: Christine Herzer ©
Christine Herzer e James Lee Byars. Ela escreve desenhos, fala-nos do seu site, escreve desenhos enquanto ele digere a palavra. “The Monument to language” é o título de uma exposição que teve lugar em 1995 na Fundação Cartier de Arte Contemporânea.
James Lee Byars apresentou ao público uma esfera oca de bronze com três toneladas, completamente coberta de folha de ouro e que poderia ser ocupada por um corpo com uma voz que seria então o veículo para Fragments d’un discours amoureux de Roland Barthes.
Um dos pontos que os dois artistas têm em comum é o desafio colocado à linguagem como rede: o que se pode dizer, que memória extrair do que está em jogo entre (o artista e eu, o material e o suporte, o pensamento e o gesto)?
O que fazer com o ideal, com aquele horizonte de sofrimento, desejado, o que é aquilo que se vislumbra à beira de toda a criação?
Como dar conta disso, e que rito inventar para reformular o mito?
“…o seu carácter cerimonial que convida o público a comungar e a juntar-se à busca da beleza e da perfeição a que James Lee Byars se comprometeu.” Da apresentação do catálogo para a exposição de James Lee Byars na Fundação Cartier.
James Lee Byars, The Monument to Language, 1995, Bronze poli et doré à la feuille d’or, Diam. 300 cm. © Estate of James Lee Byars. Photo © Florian Kleinefenn.
Christine Herzer, Feuille mensuelle ‘FEVRIER 2020’ (détail), Crayon, Marqueur, Stylo à bille sur legal pad paper, 28 x 21,5 cm. Appartenant à la Série ‘FEUILLES MENSUELLES’ (Janvier 2019 – présent) commencée en Janvier 2019 lors d’une résidence d’écriture au Couvent des Récollets à Paris. 14 feuilles à ce jour. Photo: the artist ©
sex. 14 nov. 2019 21:41
Quero mostrar-te a banana que incluí, além de uma pimenta laranja…
qui. 29 nov. 2019 09:16
eu criei uma base para a pimenta.
A palavra é uma forma que diz nada menos que a ideia que temos dela e que é portadora de som, de peso, de gesto e de apoio. Nunca para. Suspensa numa árvore, exposta na tela, cobrindo completamente uma janela, uma porta, uma parede, ocupando uma fatia de pão.
O que importa é a morada, aquilo que faz o espaço e uma barreira entre mim e o outro que tu és, se é que alguma vez foste.
E a propósito, “To language”, o título deste artigo, não é o monumento, é o caminho para, ou através da linguagem. Coloca o outro em perigo, atrai-o numa miragem. Assim, em vez de usar a linguagem para ir na sua direcção – se – fosse, dou por mim a olhar para a linguagem como uma estrela cega, inacessível e original.
Estou consumida, toda absorvida. Ele (o título e a língua) aponta a diferença entre relacionamento e relação. Então o que posso dizer, por palavras, sobre tal trabalho? Pensar no espaço, invocar Beckett já que convocamos Byars, lembrar Rockaby:
when she said to herself
whom else
time she stopped
time she stopped
going to and fro
all eyes
all sides
high and low
for another
another like herself
another creature like herself
a little like
(N. do T. – Escusamo-nos a a traduzir o excerto acima, já que, mesmo que aparentemente simples, e talvez por isso mesmo, consideramos que retirar-lhe a patine da língua original lhe retira igualmente parte muito importante do espírito).
Rockaby é uma peça de 1980. Uma mulher solitária balança numa cadeira de baloiço, descrevendo a paisagem que vê pela janela, que imaginamos urbana e edificada. É um monólogo da angústia, que fala de um tédio habitado, de um desejo dos outros, mas só se o outro for mesmo (outra criatura como ela / um pouco como ela). Vemos a linguagem quando ela se esvazia, quando se torna um som de fundo, ou um eco do que foi a vida. Esta mulher sozinha, na peça de Samuel Beckett, não fala com ninguém, o seu discurso chega num nada que o dispositivo teatral nos faz sentir (vêmo-la a uma distância razoável, no palco, e sentimo-la dentro de nós, sentimo-nos inquietos com ela).
sex. 21 fev. 2020 19:10
eu vi o vídeo.
como é que sabes? Que idade tens?
a voz, essa voz as palavras, a duração, a maquilhagem a face o olhar
(…)
SEELE é o título de uma obra que expus em Montmartre na exposição ” Ma Langue ” (1)
o trabalho estava colocado no chão
um visitante tentou sair com ele, [IMPOSSÍVEL POR SER MUITO PESADO]trata-se de um saco de papel, o saco está vazio, pintei o saco, tinta branca fosca, fora do saco dos marcadores, mas apenas de um lado, acumulação, muitos, muitos marcadores, marcadores que eu usava para escrever os meus desenhos; marcadores de fim de vida, marcadores mortos – o peso dos marcadores faz com que o saco não fique em pé
Christine diz-nos: é entre a linguagem e a língua que isto se processa . E eu, como crítica, sei: porque eu projeto, porque o trabalho que me é apresentado me faz viver algo de mim que até então eu não conhecia. Não sei, mas encontro, em eco, o que ressoa. O Eu, através da observação activa que a minha prática assume, faz sentido e provoca ressonâncias. Christine Herzer, James Lee Byars, Samuel Beckett e eu. Christine, precisamente porque o faz no seu trabalho que retira por nós os fios condutores da linguagem, força a presença em experiência. “Os fios são isolados por uma bainha, para evitar qualquer risco… Condutores de núcleo sólido: em cima um conduto simples, em baixo cabos multicondutores…” (2)
To Language: como um suporte, meio, ferramenta, sonho. La langue, para referir Lacan que faz referência a Saussure, “Alguém pronuncia [uma palavra] […]. Segundo a forma como é considerado: como som, como expressão de uma ideia, como correspondente [de outra língua], etc. Longe do facto de que o objecto precede o ponto de vista, dir-se-ia que é o ponto de vista que cria o objecto. “(Saussure 1916:23). Certamente, Christine sabe isso tudo e ninguém, aqui ou no atelier, espera que o espectador (ou receptor) leia, faça a arqueologia do conhecimento para compreender.
Por outro lado, Christine tenta não se desfazer, mas movimentar-se, criar um espaço, ou rascunho, entre ela mesma e essa palavra que obstinadamente inscreve na superfície de algo que pode não ser mais do que a sua retina.
seg. 24 fév. 09:19 (há 26 minutos)
em 2012, fiz este vídeo THE WOMAN IN THE PICTURES
estou a pensar porque, na altura, tentei encontrar uma forma; tentei dizer “ver” sem interpretação: “ver”, tentei ver para o que estava a olhar; as palavras que se ouvem, a voz. Foi uma improvisação, foi intuitivo: olhei para as imagens e disse/registei as palavras.
o que me impressionou, nos artigos que encontrei sobre o rockaby: diz-se que a atriz interpreta dois papéis, interpreta a mulher E a voz.
A isto, os críticos respondem, e no texto, que existe, desde os anos setenta, a égide de John Berger sob a qual se colocar, com e contra o qual pensar (bem colado): Vê, episódio 2, em que Rockaby aparece ao mesmo tempo que Berger escreve.
E o diálogo de tomar a direção de uma prática e de um intercâmbio de mulheres, entre mulheres. Há um ver e ser visto especificamente (quando eu digo mulher aqui, estou a falar de um estado, uma posição, não uma condição), uma relação com o outro particular, entre a latência e a provocação. Uma expectativa que só uma mãe poderia cumprir, diz a linguagem psicanalítica, e que Christine aborda com canetas alimentadas com línguas estratificadas e porosas (e Cyndi Lauper para entrar na dança) para que a espera se transforme em boas-vindas.
Não teremos falado sobre como aquilo que satura sutura, nem realmente sobre a forma de um corpo (com e sem órgãos) em permanente reparação. Terá sido mencionada, no fundo, a relação entre as etiquetas estéreis art brut, terapia pela arte, performance, literatura, teoria e prática que não se aniquilam mutuamente, mas nada está esgotado e tudo, mais uma vez, ainda está para vir.
Christine Herzer, Orange, couverture d’un recueil de poésie paru chez Ugly Duckling Presse (Brooklyn, NY). 2018. 24 pages. ©
Christine Herzer, Research, Teaching, Poesie etc. (Mon Travail), 2018, Marqueur sur Marshmallows, 2018, Dimensions variables. Photo: CH ©
Christine Herzer, I LOVE LANGUAGE, 2018, Vue du studio C02, Cité des Arts, Montmartre. Photo: A.G.ANNE
Christine Herzer, I LOVE LANGUAGE, 2018, Vue du studio C02, Cité des Arts, Montmartre. Photo: A.G.ANNE ©
Christine Herzer, MA PRATIQUE (Ma Langue), 2019, Vue de l’exposition, Villa Radet, Paris. Photo: Maurine Tric ©
Christine Herzer, Ma Langue, 12 Novembre 2019, Vue de l’installation, 3 jours avant l’ouverture. Villa Radet, Paris. Dans le cadre du Festival visions d’exil. Photo: Christine Herzer ©
Christine Herzer, i practice falling (Ma Langue), 2019, Vue de l’exposition, Villa Radet, Paris. Photo: Maurine Tric ©
Christine Herzer, Orange, Recueil de poésie paru chez Ugly Duckling Presse (Brooklyn, NY). 2018. 24 pages. Edition spéciale limitée, signée, numérotée par l’artiste, Couverture écrite à la main. Photo CH ©
Christine Herzer, Help I, 2017, Marqueurs sur papier Arches, 36 x 26 cm. Appartenant à une série de 22 dessins écrits en 2017 et intitulée ‘The Experience-Drawings’. Photo: CH ©
Christine Herzer, Body, 2014, Marqueur sur Toast, Sachet plastique refermeable, 18 x 13 cm, Vue de l’exposition, The Monalisa Kalagram, Pune, India. Photo CH3 ©
Christine Herzer, time after time, 2020, Marqueur sur papier, ruban adhésif tissu, 28 x 35 cm. Photo: CH ©
(1) Exposição “Ma Langue”, Christine Herzer, de 15 a 30 de novembro de 2019, Cité internationale des arts – Montmartre
(2) https://www.systemed.fr/conseils-bricolage/denudage-fils-electriques,8469.html
O artigo original Christine Herzer – To language foi publicado @ BOUMBANG
The original article Christine Herzer – To language appeared first @ BOUMBANG
Ajuda-nos a manter viva e disponível a todos esta biblioteca.

Este artigo foi traduzido do original em francês por Redação Artes & contextos
Talvez seja do seu interesse: Rebecka Tollens – Névoa fantasmagórica
Assinados por Artes & contextos, são artigos originais de outras publicações e autores, devidamente identificadas e (se existente) link para o artigo original.