Michael Lindsay-Hogg, qualquer semelhança…
… com pessoas que existem ou existiram, é pura coincidência.
Sim, o olhar é surpreendido ao examinar, ao querer reconhecer um rosto na multidão dos retratos de Michael Lindsay-Hogg, que no entanto não os assume como tal. É a partir de uma imaginação superlotada que ele desenha estas múltiplas fisionomias, inventadas do zero no primeiro momento. E por vezes, quando o trabalho está terminado, uma identidade é revelada.

Este artista autodidata, que desde sempre desenhou, e que chegou atrasado à pintura, há vinte anos, assume uma atitude de lucidez.
Sem defender o “culto do erro”(1), para Michael Lindsay-Hogg a falta de formação pode reverter a seu favor. Basta “deixar o erro [de onde pode sair a verdade] funcionar”, conforme a máxima de Francis Bacon – o filósofo(2). E o artista possa “falhar novamente” mas “falhar melhor”, segundo Samuel Becket(3). O gesto espontâneo, fácil e quase imperioso do desenho, anda de mãos dadas com este trabalho básico de pintura.

O primeiro gesto está profundamente enraizado naqueles anos em que ele preferia a banda desenhada aos livros, as histórias em imagens. Para aquele rapazinho, o desenho era uma espécie de escrita que aparece em qualquer sítio e a qualquer hora. O gesto pictórico aparece mais tarde e oferece-lhe uma nova forma de expressão, permitindo-lhe organizar o caos(4) através das exigências da técnica, enquanto dá livre curso à “parte estranha da mente”, a uma arte inventiva e não “cultural”(5), próxima da Art Brut, da qual Michael Lindsay-Hogg afirma fazer parte.

O seu olhar também se volta para a arte figurativa alemã dos anos 20, George Grosz, Max Beckmann, mas também Christian Schad, com o trabalho dos quais, a sua obra ressoa. E há os artistas próximos ou pertencentes ao movimento Dada, contemporâneos da nova objetividade e o fotógrafo August Sander, autor de uma enorme coleção de retratos. Mais perto dele, as personagens fazem lembrar os passageiros, tanto hieráticos como altamente expressivos, no Métro de Jean Dubuffet.
A imaginação transbordante do artista estimula a imaginação do espectador; os retratos sucedem-se e os esforços do olhar para reconhecê-los só induzem a conjecturas. Não é apenas a semelhança que está em jogo, mas também a referência alimentada pelo cinema, teatro, música, arte, notícias, na maioria das vezes involuntárias ou inconscientes. Assim, Débonnaire/Dapper Cat evoca o retrato em que Balthus se proclama The King of Cats (1935) para sintetizá-lo – o gato tem vestida a roupa do pintor – enquanto em Allegory o pintor vê os rostos dos irmãos gémeos Kray, dois criminosos londrinos dos anos 50 e 60 que o fascinam.
O olhar é requisitado muito para além das referências. Já não se trata apenas de reconhecer personagens, mas de reconhecer uma história. Aqui, um casal posa com orgulho diante do espectador (At the races), ali um outro olha-se com raiva, num silêncio glaciar sobre um fundo vermelho (Luncheon Rendez-vous). Os gestos são frequentes, os olhares eloquentes, e o esboço de uma história é-nos oferecido sem que possamos situá-la, muito menos desvendá-la. O triplo retrato Noir é paradigmático da densidade de uma narrativa carregada quase exclusivamente pelo olhar.

No entanto, o artista não reivindica uma abordagem narrativa: “Eu pinto personagens, não histórias”. O que acontece no quadro permanece por resolver “como na vida, não sabemos para onde nos dirigimos”. Este carácter enigmático dá ao trabalho “uma vida mais longa”. Para Michael Lindsay-Hogg, que também é um homem do teatro, a pintura é uma cena onde “a mente vagueia” e não um roteiro onde tudo é escrito com antecedência.
- «L’art est le culte de l’erreur», Francis Picabia, Ecrits, 1975.
- «Truth will sooner come out from error than from confusion», Francis Bacon Novum Organum, 1620.
- Samuel Beckett, Cap au pire, 1991.
- «Les arts organisent et ordonnent le chaos, la peinture à travers les couleurs, la musique à travers les notes», Michael Lindsay-Hogg cite de mémoire Igor Stravinsky.
- Définition de l’Art Brut par Jean Dubuffet, L’Art Brut préféré aux arts culturels, 1949.








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Este artigo foi traduzido do original em inglês por Redação Artes & contextos
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