The Lighthouse de Robert Eggers
Um filme que junta Willem Dafoe e Robert Pattinson, apesar de improvável, tem, de imediato uma premissa de algo muito bom.
Com backgrounds bem distintos, e com anos de experiência que os separam, foram colocados lado a lado por Robert Eggers, realizador de “A Bruxa” (The Witch), que pegou numa lenda, relacionada com os mitos dos homens do mar e criou uma obra sólida e envolvente.
Num écran 1:19:1, um preto e branco contrastantes com uma película de um ligeiro granulado que nos remete para aspetos mais retro, juntamente com o modo slapstick que em alguns momentos até pretendem desencadear o riso, irónico pois claro, tal como nos zooms exagerados e nos sons que os acompanham; no entanto, a construção do cenário, para um filme “com um orçamento razoavelmente baixo”, tal como referiu Dafoe, numa conversa após o visionamento do filme, no LEFFEST, implicou um elevado nível de tecnologia moderna, e muito profissionalismo.
Filmado na Nova Escócia, no Canadá, “O Farol” (The Lighthouse), que ainda não tem data de estreia comercial em Portugal, é absolutamente arrebatador. Conta-nos a história de dois faroleiros, Thomas Wake (Willem Dafoe) e Ephraim Winslow (Robert Pattinson) que chegam ao farol, para lá passarem duas semanas.
A cena que inicia o filme afigura-se como uma mensagem direta para o observador: os dois fitam a câmara e olham diretamente para nós, como se estivessem a dialogar com cada um de nós, direta e individualmente. É um aspeto que nos coloca num nível de tensão e antecipação, imediatos sem saber o que esperar.
Durante duas semanas, as rotinas de ambos são constantes: Ephraim trata, durante o dia, da manutenção dos mais variados aspetos inerentes à casa e ao funcionamento do farol; enquanto que Thomas é o vigilante noturno do farol, atribuindo essa tarefa a si, e a si só.
Ao longo destes 15 dias, as mudanças comportamentais são notórias incitadas por discussões e visões subsequentes
da solidão, que assombram Ephraim. Seja a gaivota que o persegue, ou a sereia que o encanta e enfeitiça o seu olhar, no meio das rochas, a loucura é atenuada pela esperança de rapidamente abandonar o cume.
O penúltimo dia traz um certo alívio ao olhar de ambos, ainda que Thomas sempre tenha demonstrado uma afeição ao local, como quem conhece todos os cantos à casa.
A convivência não é, de todo, pacífica, levantando algumas questões sensíveis a ambos. Thomas é um homem rígido e
ríspido, para com Ephraim, e guarda consigo, segredos e mistérios da vida no alto mar, e no topo do farol. Já Ephraim, é um rapaz reservado, renitente a aceitar a bebida que Wake lhe oferece ao jantar, e resiliente no trabalho que deve cumprir. Mas, também é um curioso. Quase que nos incorpora a nós, público, que queremos saber mais, para lá do pano.
No dia da partida os ventos mudam, o mar revolta-se e não permite a chegada do barco que os iria buscar, e lá iria depositar mais dois faroleiros. Presos, numa sensação que também nos sufoca, vão verificar a quantidade de provisões que lhes resta para poderem sobreviver por tempo indeterminado. Este ponto de rotura é uma chave que abre as portas do lado negro da psique de ambos.
Dias antes, Ephraim havia matado a gaivota que o perseguia há dias, numa cena brutal e agonizante, e Thomas, julga que foi esse o mote para a tempestade: uma maldição. Ephraim havia ainda guardado consigo uma pequena estatueta de uma sereia. A simbologia da sereia e da gaivota, ancestralmente ligadas à vida no alto mar, envolve este terror psicológico, num confronto com a solidão e o desespero.
O álcool é agora a única coisa que preenche a vida de ambos, estando entre o desespero, o aborrecimento, e uma partilha aberta de segredos e confissões. Ephraim confessa a Thomas que o seu verdadeiro nome é Thomas, também, e que adquiriu este primeiro em virtude de um acontecimento trágico. O comportamento agressivo de Thomas fez despertar traumas interiores do homónimo, mais novo, e que levaram a cenas de agressão e luta, no meio de uma casa arrasada. Há uma mudança no posicionamento na relação de ambos, onde verificamos uma raiva que consome Ephraim, e que o leva a ter uma atitude mais rígida para com Thomas.
O guião é brilhante. Dafoe, com uma experiência longa e sólida em teatro, encarna os longos diálogos que são propostos à sua personagem, que são caracterizados por um enorme peso e densidade, e interpreta-os com essa mesma corporalidade. Sem piscar os olhos uma vez que seja, lança as palavras de uma forma teatral, percorrendo as poéticas linhas deste guião. O impacto da fotografia, é complementado pela sonografia, mas também, pelos momentos de silêncio, que contribuem para a criação criam uma história em forma de mito.
O farol é o ponto central, claro, e cujo som ecoa desde o início até ao fim do filme, numa cadência sequencial. Não seria imediatamente transponível para teatro, visto que os enquadramentos cénicos e paisagísticos são fulcrais, mas o guião tem um aspeto de teatralidade inerente. É, sem dúvida, um filme fascinante, em que as atuações de Dafoe e Pattinson nos cativam. Dois atores tão diferentes, mas que se complementam e cuja química resulta muito bem. As frases chave, quase como as das story tales densificam a perspetiva mítica deste filme que convida a uma introspeção.
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Dance Winslow, Dance!
Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.