
Dila Moniz Expõe no Forum Grandella0 (0)
1 de Novembro, 2019
Dila Moniz “Olhares, Pensamentos e Memórias”
Curadoria de Olga e Sousa
A exposição está aberta ao público no Fórum Grandella, em Benfica/Lisboa desde 19 de setembro e mantém-se até 16 de novembro de 2019. Tem o apoio da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, uma autarquia que se tem destacado no apoio às artes e nas iniciativas de carácter cultural. Este feliz acontecimento foi o pretexto encontrado para escrever uma pequena nota sobre a obra de Dila Moniz, artista plástica luso-angolana cuja extensa biografia vos deixo descobrir ou relembrar no desdobrável em anexo.

Dila Moniz – O Robe, Acrílico s/Madeira 130 x 105 e Por Dentro do Inferno, Acrilico s/Tela 130 x 90 cm
Devo estas linhas a mim própria desde o dia em que vi pela primeira vez alguns quadros da artista em 2018, na UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa), em Lisboa¹ , integrados numa exposição coletiva de várias dezenas de artistas plásticos angolanos intitulada Artes Mirabilis.
Descobri, encontrei… ou travei conhecimento com a obra da artista. Lembro-me de ter ficado parada em frente a um quadro com um enorme rosto de criança “desenhado” com alfinetes de cabeça esférica sobre um fundo preto em tecido opaco e mate. Era um rosto expressivo, cuja emoção, sombreado e contornos se percebiam melhor a certa distância. Agradeço sempre à minha miopia proporcionar-me leituras díspares de certas obras e ajudar-me a regular a distância ótima de visualização.
Foi então que eu vi, olhei, mas também perscrutei, analisei, estudei e espiei a obra tentando interiorizar o alcance de tais efeitos; são operações sucessivas que requerem algum tempo de observação acurada e não é de estranhar que mais do que uma vez tenha sido submetida aos encontrões e “com licença” enfadados dos visitantes que ali se aglomeraram na altura, entre altas individualidades dos Estados angolano e português, protocolo, artistas e simples mortais como eu, amantes da arte sob todas as suas formas e em qualquer circunstância.

Dila Moniz – O Manto Azul, Acrílico sobre Madeira 122 x 122 cm
Nessa exposição perdi-me de outra talentosa artista² com quem tinha marcado encontro e dei de caras com um irreverente amigo que não contava lá ver. A mole humana arrastava-me pelos longos corredores, mas mesmo assim fui observando como pude as magníficas obras expostas, diversas e unas no seu todo, com marcas identitárias evidentes, mas expressando também a individualidade e o génio de cada um dos artistas assim como a ousadia do curador.
Foi aí que confirmei que as inaugurações nem sempre são a melhor opção para quem deseja ver as obras respirar,

Dila Moniz – Menina Mulher, Acrílico sobre tela, 130 x 70 cm
falar com elas e interrogá-las sobre os seus desígnios. As inaugurações (que muitas vezes referimos pelo galicismo vernissages porque em tempos idos o artista aplicava a última camada de verniz nas suas obras diante do público) são um acontecimento social, muito para além do meramente artístico ou comercial: elas envolvem a Imprensa e destacam o acontecimento, não apenas pelo valor intrínseco das obras, mas sobretudo pelo fator novidade e pela atualidade. A Inauguração é “o momento”, a notícia, o evento, entre taças de espumante e refrescos (em três ou quatro versões de cocktail mais ou menos sofisticadas) onde se reúne le beau monde, curiosos, apreciadores e conhecedores de arte, colegas e conhecidos; os mais dotados e desembaraçados dedicam-se a fazer contactos relativamente profícuos, entre artistas, marchands, curadores, colecionadores e galeristas.
Porém, podemos acorrer a uma exposição com uma intenção diferente e com a cabeça regulada para a arte pela arte. Utopia? Talvez. Não nos esqueçamos que os artistas também precisam de vender as suas obras e as exposições e mostras também têm esse propósito — não há mal nenhum em assumi-lo claramente, embora admitindo que grande parte dos artistas, no momento de conceber as suas obras e executá-las, a última coisa em que pensa é no fator comercial, pois daí resultaria provavelmente um bloqueio criativo.
No meu caso, desta exposição ficou-me sobretudo a vontade de conhecer melhor a obra de Dila Moniz ao vivo. A oportunidade surgiu com a exposição individual que atualmente está patente no primeiro andar do Fórum Grandella onde podemos agora filtrar com mais atenção as suas premissas conceptuais e tentar uma maior intimidade com o conjunto da sua obra, que, nesta exposição em particular, certamente por opção curatorial, aborda vários períodos criativos e temáticas eventualmente sobrepostas e complementares.

Dila Moniz – Maria Josué, Acrílico sobre tela 130 x 130 cm
Logo à entrada da pequena sala acolhedora onde nos acotovelamos devido à grande afluência de pessoas (em dia de inauguração) vemos uma coleção de colares e gargantilhas de cores vivas feita de materiais com uma aparência semelhante ao sisal, que têm em comum a forma circular — em jeito de pulseira grande — suportada por um material rígido que assegura a indeformabilidade da peça.

Dila Moniz – Auto Retrato – Pastel seco sobre MDF
Em torno da estrutura principal em volta do pescoço surgem formas geométricas irregulares e assimétricas que se nos afiguram como uma das marcas dos acessórios de moda produzidos pela artista-artesã.
Acessórios que se podem facilmente converter em peça principal num conjunto sóbrio de base escura ou ainda de cores vivas e lisas. Mas também os imaginamos numa mulher de imagem mais ousada ou exuberante, combinados com peças de vestuário aparatosas em que o colar seria, já não a estrela principal, mas um apontamento alegre e original em harmonia com um conjunto com personalidade própria, já de si flamejante e colorido. Exceção feita aos tons pastel, fica-me a ideia que estes colares se podem coordenar com praticamente todo o tipo de matérias, mais fluidas ou encorpadas, lisas ou estampadas.
Mas estas peças não se esgotam como acessórios de moda pois consistem também num valioso acervo de artesanato e peças de design contemporâneo com mensagem própria, muito inspirado na etnografia africana e nos adornos das soberanas do continente que a História trouxe até aos nossos dias por intermédio de estampas e gravuras.
O aparte sobre moda é sobretudo um aguçar do apetite para aquilo que nos espera.
Dispostos de forma agradável entre a luz e a sombra estão uma vintena de quadros retangulares, quadrados, ou circulares, quase todos de grandes formatos, que mostram um vasto arsenal de recursos picturais. O que primeiro cativa a nossa atenção é a atmosfera marcadamente feminina e africana: são figuras e mulheres sensuais e trágicas na sua beleza arrebatadora e sombria. Abrem-se abismos de lágrimas e sofrimento, olhares esvaziados e cenas sinistras de um quotidiano universal e transgeracional: a violência contra mulheres e meninas é aqui retratada de forma quase abrupta sem, no entanto, deixar de veicular uma estética avassaladora e singular na representação gráfica dos tormentos da Humanidade.

Dila Moniz – Grito Silenciado, Acrílico e Pano Cru sobre tela 120 x 120 cm
Será uma forma de catarse, sublimação ou transfiguração daquilo que apenas encontra resposta na Arte, sendo que essa mesma arte nos questiona sobre o sentido do mundo em que vivemos, a agressividade, a violência das nossas ações, escolhas e pensamentos. Abre-se, no entanto, uma janela de esperança nos rostos infantis retratados onde até a expressão mais neutra e discreta está impregnada de doçura e inocência. Dila não precisa de exagerar expressões e caricaturar sentimentos e emoções porque eles existem de forma natural no ser humano e assim fluem também na sua obra.

Dila Moniz – Olhares (pormenor), Acrílico e Ráfia em Tela, 100 x 81 cm
Mas alguns dos seus quadros com uma carga dramática mais notória espelham igualmente a dualidade dos homens, a dicotomia entre o bem e o mal e aquela linha quase invisível que separa a pureza mais imaculada da perversão mais completa e hedionda. Os olhos são os mesmos mas o olhar é diferente, não é o órgão que ressalta mas a sua função; os quadros de Dila são movimento, vida e morte, dia e noite, mulheres que tanto podem ser diáfanas e suaves como malévolas, sacerdotisas, santas, feiticeiras ou simplesmente Mulheres. Mas estão quase todas a um passo da fronteira entre o abismo e a redenção.

Dila Moniz – Cosmos III e Cosmos I – Acrílico e Alfinetes em Tela 80 x 80 cm
Quanto a técnicas fica demonstrada, se necessidade houvesse, a versatilidade da artista, tal como a sua maturidade, fruto de uma já longa experiência e trabalho árduo ao longo dos anos muito para além da formação artística: entre acrílico sobre tela ou pano, madeira prensada, bambu entrançado, elementos metálicos como pequenos parafusos ou alfinetes, ráfia ou palha, tudo parece servir para dar suporte à criatividade expressa de maneira inequívoca em cada obra, única, mesmo dentro do espectro do seu universo pictórico.

Dila Moniz – Cosmos I (pormenor), Acrílico e Alfinetes em Tela
A obra de Dila apresenta uma grande plasticidade e traduz um hibridismo cultural evidente, feito de viagens, de travessias e de amadurecimento pessoal: da pintura aos acessórios consegue afirmar uma temática coerente, provocadora e destemida pautada pela excelência (diria que em torno de cinco eixos principais: a Mulher/ a infância/ África/ a dor/ a maldade e a violência) que soa como um grito que jamais será silenciado, pois todo o sofrimento moldado pela arte adquire uma dimensão eterna e intemporal.
Fotografia – Rui Freitas ©Artes & contextos
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[1]Coorganizada pela Embaixada de Angola em Portugal com o apoio da Fundação Berardo e curadoria do também artista plástico Lino Damião.
[2] Armanda Alves, artista plástica luso-angolana.
Escrevo crónicas, contos e poesia. Ensaio palavras entre linhas e opino sobre cinema, preferencialmente africano e lusófono. Semeio letras, coleciono sílabas e rumino ideias.
Parabéns, a sua visão da artista e da sua obra é mais uma janela que abre sobre um mundo que sempre nos pede que o desvendemos a cada dia, a cada olhar. Sobre as inaugurações, eu aplaudo de pé a sua opinião. Muito obrigado.
Muito obrigada pelo seu comentário encorajador. A obra de Dila Moniz inspira-nos e nesse sentido o mundo torna-se mais amplo pelo simples facto de o contemplarmos através da arte.