A Minha Vida Com John F. Donovan de Xavier Dolan
A Minha Vida com John F. Donovan (The Death and Life of John F. Donovan ), é a nova produção de Xavier Dolan, realizador de J’ai tué ma mère (Eu Matei a Minha Mãe), de 2009, premiado em Cannes. A sua filmografia enquadra-se na cinematografia de género, e retrata a realidade com um cunho estético muito pessoal e quase teatral.
Esta longa metragem, a sua primeira rodada em língua inglesa, foi escrita em colaboração com Jacob Tierney, e recorre a um grupo de atores notáveis de onde sobressaem Natalie Portman, Thandie Newton, Kit Harington, Kathy Bates, Michael Gambon e Susan Sarandon.

A história apesar de, em certa medida ser autobiográfica, é também um revisitar de alguns sótãos de ideias hollywoodescas, mas com alguma elevação e menos sensacionalista do que a média.
O realizador que, conforme revelou no Festival Internacional de Cinema de Toronto 2018, com 8 anos escreveu uma carta a Leonardo DiCaprio, conta-nos aqui a história do pequeno Rupert Turner, que aos 11 anos (nesta idade, interpretado por Jacob Tremblay) começou a corresponder-se com John F. Donovan, um ator norte-americano em ascensão, e da atípica relação entre ambos que daí nasceu.

Partindo da morte de Donovan, avançamos uma década, até ao momento em que em 2017 e com 21 anos Rupert (aqui, por Ben Schnetzer) lançou um livro que narra a relação que vivera com John, apenas por correspondência. Esta história, mal vista e mal interpretada pelos media, e que revirara a vida de ambos é agora contada pessoalmente a Audrey Newhouse (Thandie Newton, a Maeve Millay de Westworld) uma cronista social do Times.
Kit Harington, (Jon Snow em Game of Thrones), incarna Donovan com uma aura que nos prende ao ecrã, tanto pelo carisma que consegue estampar na personagem, como pela instabilidade sentimental com que o envolve, e que nos entrega de bandeja.
Sam (Natalie Portman) e Rupert Turner, mãe e filho, emigram dos Estados Unidos, para Inglaterra, em busca de uma nova vida, e de uma nova esperança para ambos. Rupert sonha em ser ator, o mesmo sonho que, outrora, iluminara a vida da sua mãe. Isolado pelo medo dos preconceitos a uma homossexualidade calada, Rupert procura refúgio nos sonhos da vida que idealizava vir a ter.
A narrativa segue um curso temporal sequencial em dois mundos distintos, mas ligados através das cartas em papel e da tinta verde com que John sempre escrevia. John vive numa profunda instabilidade assente numa mentira constante, um homem perante as câmaras, outro longe delas, não sendo capaz de assumir a sua homossexualidade e sempre em conflito consigo mesmo. Os problemas com a medicação e a débil relação com a mãe (Susan Sarandon) também não ajudam.

Entre festas, conferências de imprensa, premières, Donovan tenta manter a capa de um homem perfeito, casado com Amy (Emily Hampshire), a sua melhor amiga, mas só Rupert tem conhecimento da pessoa que é John por detrás das máscaras e mesmo assim, tudo nos aparece demasiado turvo para compreender plenamente.
O mito da superstar é aqui explorado, revelando a fragilidade de uma celebridade sob o foco dos media na era das notícias 24/7 sendo o olhar mais direto sobre a vida de John enquanto pessoa, que oferece ao filme um outro brilho.
Do lado de cá do oceano, Rupert, vítima constante de bullying por parte dos colegas, vive frustrado com a mudança e desiludido com a mãe, que acusa insistentemente de ter desistido dos seus sonhos. A relação que mantém em segredo com o seu ídolo Donovan, é o seu garante diário para sorrir e manter a esperança.

Apesar de nunca se terem conhecido pessoalmente, conheciam-se um ao outro, melhor do que ninguém. O teor das cartas é-nos praticamente desconhecido, mas o impacto que elas têm na vida de cada um deles, é gigantesco.
Desde Adele até Green Day, as músicas são referências para a cena e correspondentes ao período temporal do filme: 2007 a 2012. A cenas de 2017, quando Rupert está a conversar com Audrey são silenciosas. Opção interessante por parte do realizador, visto que as realidades apresentadas fogem ao brilhantismo Hollywoodesco, indo de encontro à realidade, procurando um realismo terreno. Os diversos momentos de silêncio, são sempre bem compensados nas cenas ilustradas pela banda sonora.
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Numa produção fora do círculo mainstream, mas com atores do tapete vermelho, é um dos filmes deste ano, sem dúvida. A fotografia, as cores, os zooms quase forçados – ainda que característico de Dolan – e a genialidade da banda sonora servem de base a este filme, em que as diversas e magníficas interpretações nos fazem sentir tudo de forma quase visceral.
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Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.