Em conversa com Quarxx
Alexandre Claudin escolheu o nome Quarxx e criou para si um mundo. Um universo cheio daquilo que o preenche, e o faz feliz. Sabe como atingir a audiência, e deixá-la paredes meias com o ódio, a raiva e ferocidade.
Após a sua passagem no MotelX 2019, em Lisboa, para a apresentação do seu filme Tous les dieux du ciel, falámos com ele, numa conversa algo caricata, via chamada telefónica, Portugal-França, o que enriquece o caráter mais pessoal.
Um artista por completo, surge-nos como um homem simples, acessível e especial. De respostas longas e detalhadas, compreendemo-lo, e deixa-nos entrar no seu mundo, abrindo portas para o seu espaço mental de criação.
Laura Carvalho – Disseste numa entrevista anterior, que soubeste de uma história verídica, de um irmão que manteve a sua irmã, morta, em casa, durante três semanas. Essa história inspirou o teu filme ou foi algo que descobriste depois?
Quarxx – Soube da história antes, em 2012. Foi o ponto de partida do meu filme. Eram uma família de Avinhão, e um médico contou-me a sua história. A mulher tinha 30 anos, e o seu irmão quis acreditar que ela estava viva. Decidi contar a história destes dois irmãos. Apesar de tudo, a história que estou a contar no filme foi por mim inventada e todo o enredo também.
LC – O enredo e a história, por si, são muito pesados e complicados de lidar, principalmente em primeira mão. Houve algo que te fez parar, ou não fazer certas cenas, ou sentiste total liberdade para tal?
Q – Trabalhei muito, e lutei muito por este filme! Foi um filme muito difícil de fazer, e para além do mais, foi a minha primeira longa metragem! Apesar de termos as nossas diferenças, os produtores adoraram o guião. Nem sempre concordávamos em tudo, mas sempre fiquei encarregue da decisão final. Foi um filme que eu quis muito fazer, sabes… e sabia perfeitamente que era um bom filme, um bom guião e uma boa história. A equipa sempre me deixou fazer tudo o que quis e nunca me impôs barreiras. Mas acima de tudo, não quis fazer um filme para mim e para meu exclusivo prazer… sempre quis agradar à audiência, como é obvio. São eles os maiores críticos.
Num filme onde o poder visual se interlaça com o brilhantismo dos intérpretes, há uma força de vontade e determinação gigantescas para realizar todo este enredo. Quarxx não esconde a paixão que sente pelo seu trabalho final, tal como o exercício árduo envolvido na criação do filme, e em parte, na curta de 2016, Un Ciel Bleu Preque Parfait, que releva a mesma história.
A dupla magnifica de Gaydos e Couchard implementa um teor de atuação pessoal e quase ingénua, como se eles olhassem para a audiência e nos contassem a história, sem farsas nem esquemas. A frieza com que certos elementos são tratados, coloca o contacto mais direto, ainda que filtrado pela emoção do próprio observador.
LC – A Melanie Gaydos é uma mulher incrivel! Disseste, que demorou cerca de um a dois anos a encontrá-la… trabalhavas de novo com ela, e quem sabe, no teu próximo projeto?
Q – Sim e não. Para o meu próximo projeto ela não se iria integrar… ela tem uma presença muito forte, e é deveras original. Não quero estar a moldá-la aos meus projetos, nem moldá-los a ela. Quero fazer algo novo, expandir os meus horizontes, o meu universo.
Uma trama que prima pelo realismo e pouca filtragem, indicia algo para além uma boa história. A fotografia e o enquadramento cénicos são complementados pelo CGI (1), bem conseguido, e com uma fórmula escondida: resultados de uma psique demente que Quarxx formulou.
LC – Aliens são a tua cena ou foi só uma estratégia para criar um enredo mais sinistro?
Q – Eu por acaso, nem gosto de ScyFy. Os aliens foram uma estratégia para figurar a mente demente e distorcida do Simon. Foi um truque! Sabemos que ele estava a lidar com os remorsos do acidente da Estelle, e acabou por se ligar a outro mundo, na esperança de lhe dar o que este não deu. Um pedido de fuga, para que os levassem.
Quanto mais longe estás da terra, menos a consciência impera, e a demência de Simon é polarizada pelo Sol. Afasta-se do seu mundo, e aproxima-se de outro, onde a sua sobrevivência física não seria possível, pois a mente já se destacou do corpo.
LC – Quando é que te apercebeste que querias escrever, produzir e realizar filmes de terror?
Q – Nunca! Não gosto, nem considero o meu filme como um filme de terror! Acredito que esse terror é somente o feeling do filme… vejo-o antes como um drama ou quanto muito um terror psicológico. A índole do filme é a psique, não o terror. Não é um filme violento, nem com cenas gore… nem sequer gosto do género, muito menos encaixar os meus filmes em qualquer tipo de género.
LC – A land art no campo de trigo onde, durante o filme, o Simon esteve a trabalhar, é real ou CGI?
Q – Parcialmente, real, parcialmente CGI. Só o círculo onde está o Simon, é real. Não íamos lixar um campo de trigo inteiro, não é? Para além disso, seria caríssimo. O produtor de CGI fez um belo trabalho!
Uma história bem estruturada, com o final sem um desfecho claro e imediato, mas a léguas de um cliffhanger, deixa-nos repletos de emoções fortes das quais não é possível escapar.
LC – Há possibilidade de haver continuação para a história dos Dormel, ou ficamos por aqui?
Q – Não. Foi o fim, e depois de 3 anos de trabalho neste filme, e na curta de 2016, achei que colocar um ponto final a esta história fosse a decisão mais acertada. Quero explorar outros campos, partir para novas descobertas, longe da mesma história.
Mas, quem é Quarxx? Este homem genial, com ideias fixas, mas moldáveis aos seus atos criativos, que cede aos seus instintos de liberdade, com abordagens muito próprias.
LC – Que tipo de música ouves?
Q – Não oiço. Nem sequer quero muito saber. Vou explicar-me. Não tenho grande sensibilidade a não ser que tenha uma imagem. Nem sequer sinto a necessidade de música na minha vida… os meus olhos trabalham melhor, e mais sensivelmente. Agora, quando falamos de um filme, sou supercauteloso com os efeitos sonoros, e a música a integrar.
LC – E ler? O que lês?
Q – Sou muito eclético nesse sentido. Não tenho um autor favorito, leio clássicos, como posso ler mainstream, depende do meu mood. Mas, gosto quando, uma história me toca, me arrepia, deixa a sua marca… tal como num filme.
LC – Quando tinhas 10 anos, o que querias ser quando fosses grande?
Q – [Risos] Queria ser tanta coisa… pensei ser astronauta, detetive, até uma rockstar. Mas, entre os meus 13, 14 anos, decidi que queria ser realizador! E disse para mim mesmo: eu serei aquilo que eu quiser ser, e nisso irei suceder!
Conscientes de que continuará a brindar-nos com grandes filmes, com uma enorme carga cénica, este homem do mundo, culto e viajado, que agrega em si a paixão pela fotografia e pintura, indicia uma nova geração de cinematografia europeia, num género tão próprio.
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Aguardamos ansiosamente pelo seu novo projeto, previsto para 2020.
(1) Veja na Wikipedia o que é o CGI
Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.