Imagem em destaque ©MotelX
Como vimos o Motel X 2019
Durante seis dias o assombro e o medo invadiram Lisboa, com obras de geografias diversas e com distintos modos de fazer e viver o cinema de terror.
Para além do cinema, uma série de eventos e atividades voltaram a colocar Lisboa em alvoroço e enriqueceram os seis dias do programa com workshops, conferencias, sessões da meia noite (esgotadas), cinema à hora do almoço, sessões ao ar livre e até uma Masterclass.
Destes “à partes” realçamos o lançamento de livros, destacando o mais famoso conto lovecraftiano, O Despertar de Cthulhu, que conhece agora uma edição de capa dura e ilustrada.
O Museu Nacional de Arte Antiga, o Convento de São Pedro de Alcântara e o Largo Trindade Coelho foram os palcos escolhidos para os warm-up events que antecederam o início oficial do festival.
No MNAA houve duas sessões para 31 pessoas que percorreram várias icónicas obras, numa visita noturna, assombrada pela relação daquelas com o terror e com o fantástico. Já o Convento abriu portas para um cine-concerto oferecido por Filipe Raposo, Um Piano Afinado pelo Medo.
Inédito no MotelX, foi a abertura de um espaço para Curtas À Tarde, que antecediam o visionamento das longas metragens.
A hora de almoço era passada a ver as Curtas Ao Almoço, sendo que nos dias 14 e 15 foram exibidas todas as curtas portuguesas em cartaz, seguindo-se um Q&A no Lounge.
Destas o galardoado foi Guilherme Daniel, com Erva Daninha, que já tinha ganho o mesmo prémio na edição anterior com A Estranha Casa na Bruma, sendo automaticamente selecionado para o Méliès d’Or.
As crianças não foram esquecidas com mais uma edição de Lobo Mau, que permitiu aos mais novos o contacto com o “terror” à sua medida, com filmes como O Pequeno Vampiro e Um Susto de Família.
Outras atividades fizeram parte também do programa destinado aos mais pequenos: desde um Peddy Paper imersivo no São Jorge a um atelier de Cozinha Rub-a-Duckie em que aprenderam a decorar cupcakes, bolinhos, etc, com criaturas assustadoras.
Sendo uma 13ª edição que por acaso… calhou numa sexta feira treze, tivemos uma sessão de Duplo Azar na qual as personagens têm mesmo azar do início ao fim do filme.
O ecletismo cinematográfico, fez-se sentir nas longas metragens em competição para a melhor Longa de Terror Europeia / Méliès d’Argent. Desde o psicológico de A Good Woman is hard to Find , looping em Koko-di Koko-da , tortura com Finale , o Folk de Midsommar ou o emocional All the Gods in The Sky .
Reino Unido, França, Irlanda, Dinamarca, Rússia e Portugal foram os países representados este ano. A menção honrosa, foi atribuída a The Hole in the Ground de Lee Cronin, mas foi Why Don’t You Just Die! , do russo Kirill Sokolov, (a sua primeira longa) que venceu a competição.
Houve propostas que nos chegaram de geografias mais longínquas como Bacurau , do Brasil; Tumbbad da Índia e The Gangster, the Cop, the Devil da Coreia do Sul.
O cinema português marcou presença na competição de longas com Faz-me Companhia realizado por Gonçalo Almeida que vem provar que o cinema de terror português está vivo e continua a ganhar expressão com os anos.
Muitas foram as sessões que mesmo antes do início do festival se encontravam esgotadas das quais destacamos Midsommar, a segunda longa metragem de Ari Aster, que nos traz uma fábula altamente sangrenta suportada numa relação amorosa, e com uma realização magistral. Ou Bacurau, a nova longa de Kleber Mendonça Filho com uma visão distópica, mas com referências muito nítidas a algumas realidades dos nossos dias, que nos conta uma história de uma pequena comunidade que começa a ser atacada por outsiders que pretendem extingui-la.
Em jeito de comemoração dos 60 anos da sua realização, foi passado o mítico Plan 9 From Outer Space, um cult movie para muitos admiradores e também Ed Wood, o filme biográfico do seu realizador, (por muitos considerado o pior de sempre) realizado por Tim Burton e exibido no Largo Trindade Coelho.
A celebrar também 40 anos e por isso com direito a exibição em 4K, passou Alien de Ridley Scott.
A sexta feira 13 foi também escolhida para a festa Motel X After Dark que contou com diversas atuações e DJ sets. Ainda assim, o espírito da sexta feira 13 reinou durante todos os dias do festival assinalada pela a presença assídua e insistente de Jason Voorhees, o sanguinártio assassino do mítico filme Friday the 13 que passou o tempo a assustar os visitantes do festival.
Para além de Jason, também foram muitos foram os realizadores, atores e outros membros das diversas equipas que estiveram em Lisboa. Convidados de luxo que povoaram o Cinema São Jorge, como por exemplo Jack Taylor, que assistiu na primeira fila ao clássico Necronomicon de 1968, parcialmente filmado em alguns dos locais mais icónicos de Lisboa.
Mas, a grande estrela foi Ari Aster, o jovem realizador de Hereditary, já um clássico do terror, e do mais recente sucesso, Midsommar, transmitido em sala esgotada, e vencedor da votação do público.
O realizador brindou a audiência com uma masterclass, também transmitida em direto no Facebook do festival: Folk Horror e New Folk Horror: A Conversation with Ari Aster que teve como mediador Howard David em nome do The Miskatonic Institute of Horror Studies. Conversa bastante animada que nos permitiu conhecer a sua visão sobre a nova onda da produção de obras do cinema de terror.
A ligação destas produções com as culturas locais, a sua a valorização e a importância da sua preservação, são pontos fulcrais para o realizador, que adiciona aos seus filmes o cunho pessoal e o amor ao que produz.
Trocamos algumas impressões com um dos entusiastas presentes, Filipe Dias, 22 anos, amante de filmes de terror, falou connosco acerca do cinema do género, e da mutação visível da filmografia de terror.
FD – É a minha primeira vez no MotelX, e está a ser uma experiência diferente… uma ótima maneira de conhecer filmes novos. É-nos dado o privilégio de conhecer novos atores e realizadores, que com estes festivais ganham um novo brilho. Há imenso talento por aí, basta procurar.
A&c – Disseste-me que já viste hoje, Koko-di-Koko-da e The Hole in the Ground, qual a tua visão geral de ambos?
FD – Sinceramente, não é o meu género de filmes de terror por assim dizer… gosto de filmes que saibam misturar o suspense, o medo e como assustar a audiência sem fazerem demasiado por isso… não terem de recorrer sempre ao velho jumpscare. Por exemplo, o Pesadelo em Elm Street, um clássico que teve um budget mínimo e tem todos os ingredientes para um brilhante filme de terror, sem ter de recorrer aos clichés mais óbvios. Deste dois, adorei o primeiro, a ideia de estar preso num pesadelo sem fim… muito bom. Do segundo, gostei um pouco mais, os atores estavam mesmo empenhados… em geral, dois ótimos filmes.
A&c – Fala-nos um pouco da tua ótica sobre o terror, um género que se apresenta em mutação, e as tuas expectativas para o futuro do mesmo?
FB – Como dizes… está tudo a mudar. As pessoas hoje em dia, pensam que ver filmes de terror é assustar, e veem-nos para serem assustados… ganham essa disponibilidade. Para mim, é o contrário, quando vejo um filme de terror espero ver uma história com pés e cabeça, e se pensarmos nos grandes filmes de terror, são lembrados pelas personagens, e pelo enredo… não pelo susto gratuito e oferecido. Freddy Krueger, Jason, Myers, Leather Face, entre outros. Esses são sempre os mais icónicos e mal posso esperar pelo meu favorito, Friday the 13th.
De realçar a organização fantástica a que o festival nos tem habituado, bem como o largo número de visitantes com que contou, parecendo-nos ter sido a edição mais visitada.
O Motel X terminou, anunciando assim a chegada do outono e com ele o Halloween, no entanto creio que encheu as watching lists de muitos dos aficionados que por lá passaram e que se deixaram encantar/assustar pelas propostas do cartaz.
Esta edição, veio confirmar que Lisboa permanece imune aos ares dos tempos que têm vindo a standartizar os vários festivais e a criar categorias estanques e acéticas quanto a uma tipologia de filme.
No discurso de encerramento, Raquel Freire (Rasganço) considerou que este festival, cuja génese é o terror, oferece a liberdade de fazer cinema. Através dele o realizador pode experimentar modos diferentes de fazer filmes de terror, tendo um palco e um público recetivo.
Para nós, também aficionadas, é gratificante confirmar que a atmosfera de abertura criativa a diferentes visões permanece.
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Ao longo dos seis dias, fez-se a festa do cinema de terror em Lisboa e foram muitos os filmes que brilharam e que, com certeza, marcaram todos os que por ali passaram.
Por: Laura Carvalho e Maria da Luz Pinheiro
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