Na Sombra da Lei (Dragged Across the Concrete), produzido em 2018, chega hoje às salas de cinema portuguesas. Da produção e argumento de S. Craig Zahler (1973-), nasce um filme neo-noir influenciado pela corrente do mundo de crime de muitos outros filmes de que Taxi Driver é um exemplo, e uma referência para o realizador.
Conhecido por produções como Brawl in Cell Block 99, Zahler no seu mais recente trabalho apresenta-nos uma produção que assenta em duas figuras fundamentais: Brett Ridgeman (Mel Gibson) e Anthony Lurasetti (Vince Vaughn), mas quem nos é apresentado nos primeiros minutos do filme, é uma terceira figura igualmente importante: Henry Johns (Tory Kittles).
No que é típico num filme neo-noir, nenhuma das personagens apresentadas é totalmente inocente: Brett e Vince, são dois detetives da polícia judiciária, que embora suspensos, decidem usar o seu muito tempo livre para investigar de forma ilegal e pelos seus próprios meios o caso que aqui nos traz. Do outro lado da história temos a família de Henry, cujo irmão se encontra numa cadeira de rodas devido a um acidente e uma mãe que não tendo dinheiro suficiente para sustentar a família, recorre à prostituição. Henry também não é nenhum santo, e o filme inicia com o retorno dele às suas origens, ao seu lar, após ter cumprido uma pena na prisão. Esta é, aliás uma história de equilíbrio constante entre o bem e o mal.
Na Sombra da Lei é um filme que não se preocupa com pudores, apresenta-nos uns Estados Unidos da América (EUA) que se deveria ser, segundo o famoso slogan Land of free and the Home of the Brave, na visão do realizador, acaba por ser tudo menos isso.
Levando-nos ao mundo da descriminação racial, tema tão atual dadas as situações sociais que o país vive, bem como aos problemas da droga e seu tráfico, retrata estes temas friamente, mostrando-nos a vida num bairro pobre, da família de Brett, que reflete as posições deste polícia e da sua mulher (também ex-polícia) nas questões raciais e no reverso através de Henry.
Sendo passado no mundo do crime este não é o filme que retrata o sonho de viver nos EUA, mas sim o pior do que isso eventualmente pode implicar.
Trata-se de um filme bastante longo, com quase três horas, ao longo das quais o desenvolvimento das personagens é bastante lento. Podemos defender que esse desenvolvimento não necessitaria de tanto tempo, e algum é perdido com pequenas storylines que têm pouco efeito na história. As decisões de cada uma das personagens levam muito tempo a serem tomadas, e isso pode cansar o espectador que espera uma resposta mais rápida por parte dos intervenientes. Ainda assim, Zahler defende que o filme foi realizado com uma economia de meios que é notória ao longo do filme, sendo de louvar o resultado.
Por isso temos cenas simples, diálogos práticos, que por vezes podem roçar o que esperávamos nos anos 50 e não em 2019, mas que não destoam do objetivo do diretor. Dizemos isto, porque não temos grande complexidade nas personagens, em termos psicológicos, levando a que muitas vezes o modo como se expressam através do roteiro seja fora do esperado.
Devemos, no entanto, destacar com louvor o modo claustrofóbico com que os interiores são filmados, recorrendo apenas a focos dos vários candeeiros, que acentuam bastante bem a intensidade do drama, contrastando esse efeito nos interiores com a amplitude dos exteriores, e combinando muito bem.
O resultado da história pode muito bem não ser o esperado, ou ser mesmo surpreendente, mas apesar de algumas decisões tomadas pelas personagens serem muito questionáveis se transpostas para uma situação real, não é também desse questionamento que afinal vive o cinema?
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Veja, Na sombra da Lei no IMDB
Estreia: 11 de Julho
Licenciada em História de Arte pela Faculdade de Letras de Lisboa. Apaixonada por histórias contadas na imagem, literatura do século XIX e artes decorativas. Defensora da liberdade no mundo da arte.