A metade do céu um projeto de Pedro Cabrita Reis na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva – Feminismo pelo buraco da fechadura
Entramos agora nos últimos dias da exposição A Metade do Céu. Um projeto desenvolvido pelo artista Pedro Cabrita Reis, que apresenta na Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva (FASVS) um diálogo profícuo entre múltiplas gerações de arte produzida por mulheres.
A narrativa da luta das mulheres para um lugar de igualdade com seus pares tem sido longa e percorre a história da arte europeia pelo menos desde o século XV com figuras como Christine de Pisan a qual apresenta logo uma visão completamente nova ao defender o sexo feminino face a uma perspetiva masculina de inferioridade do mesmo. Ao redigir a obra Cidade das Damas (1405) defende para a mulher a capacidade de entender e pensar tão bem quanto os homens, ao nível das artes e ciências. Múltiplas foram as que vieram a ser apagadas do seu devido lugar conduzindo a que os nossos museus hoje, tanto em Portugal, como naEuropa e Estados Unidos da América tenham um muito escasso número de obras de artistas femininas.
Estudos desenvolvidos, como o produzido por Taylor Whitten Brown para a plataforma de arte Artsy intitulado Why is Work by Female Artists Still Valued Less Than Work by Male Artists? ou o coordenado por Chat Topaz para a Public Library of Science com o título Diversity of Artists in Major U.S. Museums, apresentam resultados avassaladores. Provam, o primeiro, que hoje, o preço de uma obra de arte realizada por uma mulher permanece com um valor de mercado menor face a uma peça produzida por um homem e o segundo, demonstra que ainda não existe equilíbrio nos museus quando se trata de obras de artistas femininas ou masculinos. Assim, a história de arte, a museologia e as galerias têm vindo a dar resposta de modos diversos a estas questões, no entanto o caminho ainda é longo.
Finalmente, reconhece-se à mulher um lugar de igualdade, fora de dogmas que começam a ser quebrados com as lutas femininas no mundo da arte do século XIX. A defesa de um mundo da arte que todos nós idealizamos como de coexistência mútua, livre de julgamentos é um ideal que está cada vez mais próximo de nós. Intervenções como esta e muitas outras, dão a figuras femininas o lugar cimeiro de reflexão, seja na curadoria, produção artística e crítica trabalhando para recuperar um diálogo que não poderia existir sem um conjunto de momentos que até há bem pouco tempo tinham sido apagadas da nossa história de arte.
O projeto de Pedro Cabrita Reis é, em certa medida, uma ótima abordagem a adicionar às várias iniciativas que têm vindo a ser empreendidas. Trata-se de uma relação através das obras das artistas selecionadas com obras tanto de Maria Helena Vieira da Silva, bem como de Arpad Szenes. As artistas escolhidas por Pedro Cabrita Reis expressam em vários suportes abordagens diversas que percorrem séculos de arte, desde Josefa de Óbidos com uma das suas belíssimas naturezas mortas até ao contemporâneo com manifestações provocatórias.
Apresentada e curada de um modo que não procura retirar protagonismo à coleção permanente, são-nos apresentadas obras que dialogam nos seus múltiplos suportes em parede, mas que saem também da mesma e vêm ao nosso encontro. Num momento em que a atenção à condição social e artística da mulher é tão notória, esta exposição procura uma reflexão um pouco fora desse sentido. Homenageia de modo muito especial Maria Helena Vieira da Silva que é aqui representada com obras de início de carreira, e encaminha as restantes mulheres submetendo-as a um olhar específico.
É uma iniciativa boa que pode pôr novas questões sobre o modo como pensamos percursos e gerimos espaços. Através desta exposição permite-se também introduzir ao público que à partida iria visitar obras de dois artistas específicos – Vieira da Silva e Arpad Szenes, interpelando-os e chamando-lhes a atenção para novos universos de arte que à partida não seria natural ali encontrá-los. No entanto, ressalvamos que aqui se põe desde logo uma questão de gosto, o gosto do curador ao escolher sessenta artistas que dispõe ao longo da coleção tanto permanente como temporária. Na opinião de Luísa Soares de Oliveira expressa no jornal Público, trata-se de um conjunto de mulheres com múltiplas abordagens que se submetem a um olhar e a uma disposição de um homem, ficando por isso fora desta exposição toda a teoria feminista que se tem vindo a desenvolver ao longo dos tempos. Conforme o artista defende, não houve uma pretensão de colocar questões ideológicas ou políticas. Nada disso, levando até que Ana Jotta dispusesse à entrada um conjunto de panfletos: um grupo dizia “Só para rapazes” e o segundo “Eu e a Josefa estamos magoadas”. Cada visitante levaria um desses panfletos refletindo sobre a razão deles ali estarem e qual a relação com o que viram.
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Conclusivamente, temos uma exposição de muito boas obras, cobrindo um largo espectro temporal que dita o estado da arte produzida por mulheres organizada por um homem para uma abordagem feminina. Se é o mais correto ou não, não nos compete dizê-lo, no entanto, contribui para um alargamento de públicos, e para um novo capítulo de tentativa de equilíbrio do Art World em que vivemos.
Fotos gentilmente cedidas pela Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva
Licenciada em História de Arte pela Faculdade de Letras de Lisboa. Apaixonada por histórias contadas na imagem, literatura do século XIX e artes decorativas. Defensora da liberdade no mundo da arte.