Josefa de Óbidos: a descoberta de uma pintura na Alemanha e obra de Ayala em reflexão – a presença feminina na pintura portuguesa
Josefa de Ayala de Óbidos, nascida em 1630, em Sevilha, Espanha, produziu a sua obra em Portugal. A filha de Baltazar Gomes Figueira, soube criar uma obra distinta, que até tempos recentes foi menorizada, e mal estudada, tendo poucas monografias e estudos a ela dedicados. É, no entanto, inegável a sua importância na História da Arte portuguesa, com o impacto de estudiosos, tais como o Prof. Doutor Vítor Serrão, catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Característica na sua obra, é a temática religiosa, o que nem a propósito, veio a público uma pintura da sua autoria – datada e assinada – num leilão na Alemanha, o qual vai ter lugar, amanhã, dia 1 de junho. Completamente desconhecida até agora, a obra de pequenas dimensões ostenta iconografia Mariana, com o menino Jesus. Apresenta pormenores tão característicos da pintora, tais como as rendas e os bordados e a presença icónica de um bodegón, no canto inferior direito (vista do observador).
A assinatura Josefa 1667, ajuda a corroborar a autoria do quadro, no qual, ao observar-se a retratação das figuras, não apresenta grandes dúvidas. Josefa de Óbidos é um símbolo essencial para traçar a presença efetiva da mulher na História de Arte portuguesa. O quadro surge no website da leiloeira alemã Anbetung des Kindes, e não foi considerado, até ao momento, roubado ou dado como desaparecido.
A barroquização da sua obra desvenda-se através, não só de um pretexto contextual, mas também numa perspetiva temática e decorativa das obras. Ofereceu ao estilo de pintura um novo olhar, aumentando a dimensão aurática de cada bodegón ou pintura religiosa. O simbolismo na sua obra, é, sem sombra de dúvidas, o elemento mais catalisador da mesma. Para levantar o véu de cada pintura, é necessário ver além da mesma, compreendendo cada pincelada, luz, sombra, cor, e detalhe como um foco de simbologia associado a uma mulher que quis ver além.
A presença Mariana na obra de Ayala surge na forma da Natividade, da Anunciação, da Sagrada Família e da Adoração dos Pastorinhos. Esta obra, agora descoberta, afigura-se com uma unicidade muito própria, sendo única do género. Cada detalhe iconográfico, está minuciosamente expresso na tela. A influência sevilhana está impressa na presença dos chapéus, e o bodegón ostenta a tradição familiar, que já Baltazar Gomes Figueira tinha marcado na sua obra. A luz branca que emana no Menino Jesus e na Virgem Maria, é focalizada neles, e apenas neles. Cada pormenor é pensado ao detalhe, demonstrando a capacidade iconológica de Ayala, ao inserir tamanha carga simbólica nas suas pinturas.
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Ao contrário de muitas outras pinturas desaparecidas, em que havia registo fotográfico das mesmas, desta nada há. É algo inédito, tanto para a obra da pintora como para a História da Arte em Portugal, e a pintura no feminino. A defesa de que pintura feminina não deveria ser um género, por si só, mas sim pintura em geral, sem distinção de género, tem como Josefa, um exemplo maior: uma mulher que teve de se emancipar, sustentar a mãe, depois da morte do seu pai, e que através da pintura fez, sem se cingir à pintura decorativa que era indiciada para as mulheres artistas.
Com uma base de licitação de 25 mil euros, esta “jóia da coroa”, é um marco da pintura em Portugal, e da vanguarda artística que Ayala representa, não pelo estilo per si, mas pela carga simbólica que carrega. Apesar do seu folego artístico se traduzir com maior força nos bodegóns, a pintura religiosa, no seu acervo, veio a ganhar muito com a descoberta desta pintura inédita.
Licenciada em História da Arte, apaixonada por arte e fotografia, com o lema: a vida só começa depois de um bom café, e uma pintura de Velázquez.