
Ricardo Paula “E se um gesto contivesse a alma toda…” no MAC0 (0)
8 de dezembro, 2018
Fotografia ©Rui Manuel Sousa para Artes & contextos
O MAC – Movimento Arte Contemporânea recebe mais uma vez Ricardo Paula.
“A arte de Ricardo Paula” – diz Álvaro Lobato Faria, diretor da galeria, ao colaborar no lançamento deste artigo, – “constitui um elo entre a pureza do traço e a beleza das formas. É algo não só peculiar, mas também, até mesmo magnífico, uma visão toda nova e toda sua a engrandecer e a enriquecer o nosso olhar e a maneira de melhor nos entrosarmos e percebermos através desta postura as coisas e o universo em que vivemos”.
“Estamos perante uma arte memorial, testemunho de um eu, de um questionamento interior, onde a mulher surge como um centro crucial da sua criação, e no qual, com perfeito domínio técnico, é-nos permitido ultrapassar a disponibilidade formal entre o abstrato e o figurativo.
Em qualquer dos seus trabalhos é reconhecido o efeito de autoria, categoria que transcende a de estilo na medida em que é mais particular, que singulariza esse mesmo trabalho, por forma a que se torne identificável num primeiro olhar.
É como poesia, na sua totalidade fascinante e paradoxal, que as imagens de Ricardo Paula devem ser entendidas e interpretadas. São sonhos que conhecemos sem os ter sonhado, sugestões de fantasia, testemunhos imaginados, como que um sussurrar de segredos, fruto da sua força plástica e do uso sábio da neutralidade da cor. Sente-se também que os seus quadros são secretos, mas não se fecham ao mundo; são secretos como espelhos que nos fingem e vão olhando, plena de impulsos controlados, palpitante e de tão grande realismo, que muito nos sensibiliza.
A autenticidade dos seus trabalhos constitui uma oportunidade de reflexão sobre nós, pois aborda aspetos recorrentes da paisagem humana no conflito do seu eu, numa poética em que transbordam emoções”.
No MAC
Ao percorrermos a sala do MAC realça-se o corpo feminino. Os corpos em pose de indiferença, tratados de uma forma pura em tons que oscilam entre o azul e o cinzento são acima de tudo exaltações da beleza.
São corpos nus, quase sempre deitados, posicionados pudicamente, desenhados – e poderemos mesmo dizer até – pintados a carvão e enformados a óleo por pinceladas expressivas e espontâneas, em manchas muito diluídas, como se do pincel, restassem apenas carícias.
Ricardo Paula não dispensa, nem esconde o desenho, pinta com o carvão como desenha com os pincéis; não enche o branco de cor para forçar a forma, impõe-na ao espaço através de linhas aparentemente ocasionais, que o rasgam, reclamando o infinito, para uma partilha sem posse. O corpo usa a imensidão da tela como sua, como se ela não tivesse fim, e afirma-se em linhas gestualistas de consagração.
Ao longo da sala em cujas paredes brancas habitam dezenas de obras, há uma riqueza de momentos, de estados de alma, transbordantes em expressões, todas elas marcadas pela ligação ao intangível, alcançável pela visão do interior; pela exposição do que o artista vê, para lá do que mostra.
Em algumas telas, pequenos textos, excertos de mensagens ali deixadas, que apostas a cores e formas abstratizadas, as completam ou estão na sua origem, mas transformam as obras em manifestações intertextuais.
A multiplicidade de mensagens, a forma e até os dialetos pictóricos desta mostra, são submetidos ao epítome “E se um gesto contivesse a Alma toda…”.
Quantos gestos dirão o quanto de uma alma? Um gesto repete-se vezes sem fim e nunca está concluído, nunca disse tudo, nunca se reproduz, mas pode dizer da mesma alma tudo – o transcendente, o imutável, o eterno. Um gesto carrega sempre uma infinidade de impulsos, de hesitações e de incertezas, e em gestos vivos e lampejantes se mostra Ricardo Paula.
Pequenos formatos com representações de ícones religiosos, paisagens urbanas e rupestres, quase sempre com apelo impressionista/expressionista, evidenciando afinal, que parte da riqueza do que aqui vemos está no gesto. Ricardo Paula, empresta movimento aos modelos mais estáticos numa gestualidade rigorosamente desleixada; cuidadosamente espontânea.
O corpo feminino
E depois, voltamos sempre ao corpo de mulher, de uma mulher, quando uma mulher pode ser toda as mulheres. Corpos belos indiferentes, quase todos a abandonar a tela ou ignorando-a.
Quase todos sem rosto ou com pormenores de expressão fugidios, dissolvidos na expressão geral do movimento a que os corpos parecem rendidos. Como se aquele fosse o estado final de um repouso conquistado.
Por entre a energia dos traços e do vigor das pinceladas largas, denunciam-se pormenores arrancados ao carvão, num rigor formal que confere ‘ser’ aos corpos distendidos, abandonados à indiferença do modelo; corpos se espraiam na superfície familiar que os conforta.
Expressões de solidão ou de recato, como se evitassem o olhar alheio, como se em algum ponto tivessem dito ao artista, “basta, está bem assim”.
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Apetece-me perguntar: e se uma alma contivesse os gestos todos?
Confrontados que somos, com um retrato em infindável teia de gestos, de recantos da alma de Ricardo Paula aqui à nossa vista, assim sejamos capazes de ver para lá do olhar.
“E se um gesto contivesse a alma toda…” no YouTube Artes & contextos
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.