Álvaro Lobato de Faria é um homem sereno, de sorriso afável e terno, com o coração aberto e que acolhe quem o procura. E é muito procurado, sobretudo por artistas plásticos a quem abre uma casa, que na realidade são duas, que são referências nas galerias de Arte nacionais e de Lisboa em particular.
Franco, amável e dono de uma serenidade contagiante, tem feito, ao longo dos anos, amizade com muitos dos artistas que acolhe, algumas das quais bastante profundas e sólidas, que respiram para lá das galerias e das telas.
Nasceu em Castelo Branco e teve uma infância feliz. Hoje tem três filhos e seis netos, dos quais se orgulha visivelmente.
Licenciou-se em Matemáticas Puras e deu aulas nos ensinos secundário e universitário.
Diz, no entanto, que a Arte sempre fez parte integrante da sua vida.
Desde a infância e sobretudo durante a adolescência frequentava museus e as mais diversas exposições em companhia de familiares o que me aguçou desde cedo a sensibilidade para as mais variadas correntes artísticas. As matemáticas surgem por aptidão natural e seguem um trajeto motivado pelo prazer que o ensino sempre me proporcionou. Numa necessidade de mudança de objetivos de vida, de experienciar novas vivências e novos rumos, a Arte acabou por emergir de forma quase espontânea, como uma antiga semente que aguardou as necessárias condições para germinar e eclodir.
Sempre gostou muito destas duas coisas: Arte e ensinar. E foram, se calhar estes predicados que, depois de passar pelo mundo da banca e pelas salas de aula e auditórios universitários, o encaminharam sub-repticiamente ao que chegou e onde está hoje.
Em 1993 fundou o MAC – Movimento Arte Contemporânea e nunca mais parou, sendo hoje um dos galeristas mais antigos (dadas as circunstâncias da Arte em Portugal, eu diria mais teimosos) do país. É considerado e respeitado.
Começou esta aventura, abrindo portas a artistas em princípio de carreira e desconhecidos, oferecendo-lhes uma oportunidade, habitualmente apenas ao alcance dos consagrados, e com o que eles poderiam sonhar para, apenas dali a muitos anos. Álvaro Lobato de Faria, o professor, cria, crê, no direito de oportunidade, e tem o seu quê de “jardineiro”.
Como é um comunicador com alma de professor, gosta de partilhar conhecimento e fá-lo através da criação de textos que vão desde os ensaios às apresentações, passando naturalmente pela crítica artística, em jornais e revistas nacionais e internacionais; das palestras aos congressos, em Portugal, em Cabo-Verde e Guiné Bissau. Sempre pela divulgação e sempre pela lusofonia, já participou em eventos variados por toda a Europa e América Latina, como o Brasil, Colômbia e Argentina e também nos Estados Unidos.
Já recebeu diversos prémios, nacionais e internacionais e em 1997 instituiu os Prémios MAC para distinguir anualmente artistas e outros agentes do mundo da Arte.
Gosta, naturalmente, de música e tem um gosto eclético que vai desde o Fado ao Pop Rock e do Jazz aos Pink Floyd; dos Genesis aos U2.
Há vários anos apaixonou-se pelos Açores e pela tranquilidade e paz que lhe proporciona a vida naquelas ilhas. Começou por estabelecer a sua base em São Jorge e mudou recentemente para São Miguel e a partir daí, para onde se desloca com frequência, desenvolve uma atividade cultural intensa pelas várias ilhas.
A&c – O MAC faz dentro de dias 25 anos(1). Quando isto tudo começou, pensava ir tão fundo no mundo da Arte?
Álvaro Lobato de Faria – O MAC surge como uma atividade que tendo aparecido num contexto de curiosidade depressa ultrapassou os objetivos iniciais. Pretendia ser um espaço destinado à divulgação de novos talentos artísticos e, apesar de já ter grande admiração por grandes mestres, e não os conhecendo pessoalmente, fiquei surpreso quando os mesmos começaram a procurar o MAC espontaneamente.
Num curto espaço de tempo e sem perder de vista o objetivo inicial, depressa o MAC se transforma num lugar desejado não só por emergentes como por grandes figuras do mundo artístico das mais diversas áreas, criando um turbilhão de acontecimentos até à referência que o MAC é hoje no contexto artístico português.
A&c – Se voltasse a 1993 corrigiria alguma coisa?
A.L.F. – Apesar de dificuldades na gestão de interesses e rivalidades pessoais quer entre artistas ou outras pessoas ligadas ao meio, o que condicionou momentos menos agradáveis, sempre se conseguiram criar consensos que permitiram ultrapassá-los de forma menos angulosa. Assim se foi criando uma harmonia que acabou por conduzir o MAC na abertura de um segundo espaço.
Esta evolução é só por si a prova da vida natural do MAC que, como um qualquer ser vivo, correções eventuais alterariam a sua própria identidade.
A&c – O MAC tem intercâmbios culturais e colaborações de todo o género com diversas instituições académicas científicas e governamentais, nacionais e internacionais. Há alguma parceria que gostasse de estabelecer e que ainda não tenha.
A.L.F. – Desde sempre o MAC se sentiu submergido por uma imensa vaga de todo o tipo de colaborações tanto a nível nacional como internacional quase esgotando a sua capacidade de resposta a todas as solicitações, sentindo-se muitas vezes obrigado a difíceis seleções nas constantes ofertas que nos são sugeridas.
A&c – O que aconselharia a um jovem que se preparasse para abrir uma galeria?
A.L.F. – A ideia de uma nova galeria é sempre um passo em frente para a divulgação artístico/cultural.
Dadas as dificuldades institucionais e a falta de apoios de toda a ordem, será necessário preparar bem o projeto, definindo responsavelmente os objetivos, tendo em conta um conjunto de dificuldades inerentes e frequentemente inesperadas.
Estando a Arte em constante mutação exige uma versatilidade e uma abertura de espírito para o qual é necessário estar muito bem preparado, dependendo essencialmente da variedade de mercados de destino. Sem esquecer que nem sempre o investimento inicial tem o retorno desejado.
A&c – Qual a maior evolução ou o maior passo dado no mundo da Arte em Portugal nestes 25 anos?
A.L.F. – Em vez de evolução da Arte considero que se deve questionar a transformação. A revolução tecnológica bem como sucessivas crises económicas dos últimos 25 anos manifestaram-se não só nas relações socioeconómicas como nas formas e apetências artísticas.
Portugal mais não faz que seguir as tendências da mundialização que se estende a todos os níveis da sociedade atual e naturalmente à Arte e cuja análise mereceria só por si uma verdadeira tese que não caberia nesta resposta.
A&c – O MAC, sendo uma galeria comercial, nunca foi só isso. Começou por acolher e dar oportunidade a jovens e desconhecidos artistas e chegou aos consagrados, que insiste em tratar como amigos. O que é afinal o MAC aos seus olhos?
A.L.F. – O MAC mantendo-se fiel aos objetivos iniciais de promoção e divulgação de novos talentos no domínio das atividades artísticas, tem tido a preocupação de se manter igualmente um espaço de aprendizagem e convívio proveitoso e agradável destinado aos mais jovens, promovendo frequentemente diálogos entre artistas e escolas onde se tenta incentivar o interesse pela Arte.
Entre consagrados artistas e novas tendências procura ser um espaço de continuada diversificação onde gerações diferentes se cruzam e a familiaridade se impõe.
A&c – Sendo o Álvaro uma pessoa altruísta para com os artistas, sente por parte da maioria retorno em afetividade?
A.L.F. – Em todos os domínios da sociedade a gestão das relações interpessoais nem sempre é fácil de gerir e de digerir.
A complexidade dos diferentes interesses, carácter, sensibilidades torna por vezes complicado a comunicação nas mesmas frequências de onda gerando conflitos e dificuldades de compreensão que, admito, me trouxeram por vezes dissabores inesperados. Tento gerir estas relações com o bom senso que cada um me inspira, sem guardar rancores que possam ferir a suscetibilidade de cada um, mesmo que por vezes me deixem uma certa mágoa.
A&c – O MAC aposta na proximidade com os artistas numa fórmula quase familiar e tem o seu núcleo. Como é em geral o relacionamento com os artistas?
A.L.F. – Acho que a resposta está implícita na anterior. Considero que há, no entanto, um núcleo de artistas cuja fidelidade ao longo do tempo se transformou numa mais sólida amizade.
A&c – Em 1997 instituiu os prémios MAC para distinguir artistas e outros agentes do mundo da Arte. Alguma vez se arrependeu de um prémio que atribuiu?
A.L.F. – Não. Os prémios atribuídos são da responsabilidade de um júri cuja idoneidade nunca foi posta em causa. A avaliação resulta de uma cuidada análise temporal e muito refletida o que tem permitido uma constante unanimidade.
A&c – Lembra-se do primeiro quadro que vendeu?
A.L.F. – No âmbito de uma primeira exposição em 1993 foram vendidos inúmeros quadros em simultâneo pelo que se torna difícil avaliar o primeiro.
A&c – O que se espera de uma obra de Arte?
Que seja capaz de sensibilizar o observador.
A&c – Sei que o desenho e a pintura não fazem parte das suas aptidões, mas não sente em si, interiormente algo de artista?
A.L.F. – Não me sinto artista por ser incapaz de manifestar a minha sensibilidade artística numa obra de arte manualmente, apesar da minha apetência para discernir e avaliar técnicas e estéticas.
A&c – Os portugueses hoje em dia compram arte?
A.L.F. – Vive-se neste momento uma crise de valores que se manifesta igualmente na aquisição de obras de arte. O potencial público interessado em Arte parece viver um momento de incapacidade de avaliação face à vaga de novas tendências de mercado e com dificuldades de discernimento dos valores artísticos e a dificuldade crescente na aquisição.
A&c – No entanto temos dois museus de Arte, Serralves e a Coleção Berardo entre os cinco museus mais visitados do país.
A.L.F. – Continua a existir um público advertido com a necessidade de alimentar essa procura cultural, embora se assista igualmente a uma tendência consumista de “moda”. Talvez fosse interessante aprofundar qual o impacto do turismo estrangeiro no aumento dos visitantes dos museus e mesmo em galerias.
A&c – Na missão do MAC é referido que é necessário “abrir as portas de um mundo hermeticamente fechado e gozado em exclusivo pelas elites”. Para além do MAC, sente que se tem feito alguma coisa neste sentido?
A.L.F. – Considero que as elites continuam a existir a par de uma nova “pseudoelite” que se manifesta ignorante do ponto de vista artístico, incapaz de saber apreciar e avaliar uma obra de arte.
A&c – O que pode ser feito?
A.L.F. – Incluir uma verdadeira disciplina curricular de artes plásticas que acompanhe todo o processo escolar capaz de sensibilizar as próximas gerações para uma mudança de paradigma.
A&c – Aristóteles, que inventou o conceito de escola pública, considerava a Arte um poderoso meio de educação. Como está a cultura artística dos portugueses nas camadas mais jovens?
A.L.F. – Até hoje muito pouco se tem discutido com realismo e convicção o papel da escola na sensibilização cultural. O pouco que se faz nesse percurso deve-se exclusivamente à “carolice” e mérito de alguns professores.
A&c – Há, numa perspetiva artística, uma cultura europeia?
A.L.F. – Há indubitavelmente uma cultura europeia que é histórica e identitária que está patente nos inúmeros museus, galerias, igrejas, monumentos públicos, palácios… Basta viajar e ser observador.
A&c – Há mecenato efetivo, em Portugal?
A.L.F. – Há mecenato, mas apenas para meia dúzia de artistas privilegiados, mas que sem dúvida nenhuma não são os melhores.
A&c – Se não tivesse limite, qual o próximo artista que convidaria para o MAC?
A.L.F. – Paula Rego.
A&c – Quando dá uma Palestra em Lisboa ou em Madrid, em Londres ou São Paulo; no Rio de Janeiro ou em Bissau, sente que as pessoas são “as mesmas”?
A.L.F. – O interesse do público é inversamente proporcional ao grau de desenvolvimento socioeconómico e cultural do país. Ou seja o público de Bissau mostra-se muito mais interessado e participativo que o de Madrid ou Lisboa.
A&c – Artistas como Nam June Paik e Joseph Beuys as suas instalações e os seus televisores ou a chamada videoarte revolucionaram o mundo com a chegada do audiovisual às artes. Espera-nos uma revolução com os dispositivos móveis ou aquela dos anos 60 ainda não terminou?
A.L.F. – Inevitavelmente. A dos anos 60 morreu prematuramente não resistindo à explosão tecnológica.
A&c – Marshall McLuhan, nos anos 60 dividiu a evolução humana no que diz respeito à comunicação em três (chamou-lhe) galáxias. Dizia que na era oral, pré-alfabetização, a primeira, eramos tribais, que na segunda a visual com a impressão dos livros sobretudo, destribalizamo-nos e que na terceira, com o áudio visual voltamos a tribalizar-nos. Em que ponto, com a web, as redes sociais e os smartphones acha que estamos agora?
A.L.F. – Num impasse de transição seguramente. O futuro responderá.
A&c – Tem escrito ao longo dos anos palestras, apresentações, monografias, críticas, apresentações. Nunca se sentiu a “falar sozinho” ao desenvolver estes trabalhos?
A.L.F. – Não. Senti-me muitas vezes a refletir sozinho.
A&c – Continua a escrever?
A.L.F. – Sim.
A&c – Algum dia vai escrever sobre ALF?
A.L.F. – Incógnita!
A&c – O A.L.F. tem uma vida para além do MAC. Fale-nos um pouco dessa vida.
A.L.F. – Uma vida de muito trabalho, mas apoiado por três filhos e 6 netos que me enchem de felicidade. Para além de um núcleo de bons e velhos amigos com quem convivo.
A&c – Teve uma infância feliz?
A.L.F. – Tive uma infância feliz rodeado de um sólido núcleo familiar.
A&c – Quando Deus criou os artistas deu-lhes uma missão. Qual foi?
A.L.F. – Fazer com que as pessoas se sintam bem e se sintam acompanhadas especialmente em momentos piores.
A&c – E ao Álvaro Lobato de Faria?
Ajuda-nos a manter viva e disponível a todos esta biblioteca.
A.L.F. – Contribuir tanto quanto possível para o bem-estar da minha família e de todos os que me rodeiam.
(1) O MAC celebra 25 anos, mas a Galeria da Av. Álvares Cabral, apenas 24.
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.