Miguel d’Alte 1954-2007_ Retrospetiva(s): Capítulo VII é o culminar de um projeto de cinco anos conduzido por Helena Mendes Pereira e que tem como principal objetivo gravar definitivamente o nome de Miguel d’Alte, o “Pintor Maldito” na História da Arte.
Este trabalho resulta de uma profunda investigação não só à arte, mas também à vida do artista e inclui toda a documentação recolhida, com tudo o que ele escreveu e tudo o que sobre ele foi escrito durante a sua curta e tragicamente interrompida vida.
O projeto, que já desde 2008 investigadora e curadora, desenvolvia esforços para concretizar, avançou em 2013, recuperado que foi, um contacto de 2009 com Manuel Tavares Correia, o maior colecionador de Miguel D’Alte, possuidor de cerca de cento e cinquenta obras do artista. Este espólio viria a ser responsável pelo maior corpo de todas as exposições deste ciclo de homenagem.
Contactou ainda elementos da sua família e pessoas próximas.
Foram então idealizadas sete exposições em sete locais diferentes de norte a sul do país, sete locais que de algum modo fizeram parte em algum momento, da vida do artista e também a publicação de dois livros.
Ao contrário do que possa imaginar-se, não se trata de uma exposição itinerante, uma vez que, diferentes em filosofia, cada uma teve uma específica seleção de obras, sempre que possível pertencentes a colecionadores locais ou de algum modo relacionadas com o local.
Em todas as cerimónias de inauguração, houve momentos musicais (e também poesia) com um grupo residente de músicos que interpretam música de Zeca Afonso, que o artista admirava e do qual foi aluno em Moçambique.
A primeira exposição deste ciclo, realizou-se em 2016 na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia, cidade onde o artista faleceu, na tarde de 24 de dezembro de 2007, colhido por um comboio.
Nesse mesmo dia 9 de abril de 2016, foi lançado Miguel d’Alte 1954-2007 Catálogo Raisonné, onde estão catalogadas cerca de 1200 obras entre pinturas, desenhos, objetos diversos, catálogos, fotografias e textos do artista; textos publicados sobre ele em vida e artigos por autores convidados a escrever sobre ele.
A segunda, ou o Capítulo II realizou-se no Fórum Cultural de Vila Nova de Cerveira, onde viveu e onde estão depositadas as suas cinzas.
O Capítulo III realizou-se em Braga, a cidade natal do pintor no Museu Nogueira da Silva.
Seguiram-se Figueira da Foz, no Centro de Artes e Espetáculos e a Casa das Artes em Tavira, onde o artista já expusera por três vezes.
O Capítulo VI realizou-se na cidade do Porto, na Fundação de Escultores José Rodrigues, cujo fundador (falecido) o mestre José Rodrigues possui o último trabalho inacabado do artista.
Esta exposição, teve uma sala dedicada aos trabalhos dos dois artistas expostos como num diálogo.
O VII e último capítulo de Retrospetiva(s) está agora e até dia 30 deste mês de abril, patente na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa, de que o artista era sócio desde 1982.
Com o fecho do ciclo foi editado o livro Miguel d’Alte: Palavras escritas à Lua, apresentado na cerimónia de inauguração desta exposição. Prefaciado pelo pintor Jaime Silva e com texto introdutório de Helena Mendes Pereira, o livro apresentado em forma de caderno é uma recolha de textos inéditos do artista.
A presente exposição reúne obras posteriores a 1990, altura em que Miguel d’Alte mudou para Lisboa, onde nasceu o seu filho e cuja obra revela algum apaziguamento. Até então a sua pintura foi marcadamente de um surrealismo e abstracionismo marcadamente “negros” e dramáticos. O surrealismo é também uma constante na sua escrita.
Aluno de Álvaro Lapa, nos anos 80 do passado século, partilhava com este a convicção de que as referências não estão no real e uma forte tendência para a reflexão sobre o Cosmos e o intangível, foi-se tornando obsessiva. “O referente situa-se cada vez mais no vazio”
No período que agora se expõem o artista mantém o pendor entre o surrealismo e o abstrato, em que algum figurativismo surge quase sempre onírico e cosmológico. Percebe-se uma forte ligação entre os extremos do infinitamente grande do cosmos e do (quase) infinitamente pequeno das células, por diversas formas representadas nas suas telas e uma reaproximação ao real.
Em meados da década de 90 nota-se em algumas obras uma aproximação ao cubismo abstrato e até ocasionalmente algum suprematismo.
Um dos pontos mais importantes da exposição, é a colocação de três telas em que há alusão quase simbólica a linhas de comboio, em destaque na ala ocidental do salão.
Os suportes, que podem ser tela, papel, madeira e até mesmo papel em pasta feito por ele e as manchas de cor tendem, numa maioria das obras, para uma quase neutralidade plástica, representada em azuis, milhares de azuis, em matizados de cinza e “alguns” brancos.
Por vezes pintava sobre tinta já seca e pintava de novo. A cada fase se questionava se a obra estaria pronta e pintava novamente para depois, por vezes, raspar as camadas de tinta que já era uma pasta, para descobrir camadas anteriores e assim a tela se compunha de muitos estados, de muitos momentos assimilados e quem sabe rejeitados, ou reinterpretados.
A exposição está organizada em forma temática, sendo ainda dividida em núcleos por uniformidade de plasticidade.
“Não é cronológica, embora haja, claramente, obras do mesmo período de tempo juntas. Procurei estabelecer uma relação com o salão da SNBA e ligar estes núcleos plásticos e temáticos aos textos”, diz-nos a curadora, em conversa.
A obra de Miguel d’Alte, extremamente rica e heterogénea, tanto em temáticas, quanto em técnicas ou suportes; tanto em assunto, quanto em modelo, retratou sempre um homem em conflito com a existência, um desalinhado e ainda assim um homem que congregava amigos e “gostava de contar anedotas”.
Nasceu em Braga em 1954 e em criança foi para Moçambique. Regressou em 1973; em 1975 expôs pela primeira vez na Galeria O Primeiro de Janeiro no Porto e em 1976 inscreveu-se no Curso Geral de Pintura da Escola Superior de Belas Artes do Porto, que nunca terminou. Em 1978 recebeu o seu primeiro prémio atribuído pelo Ateneu Comercial do Porto ao aluno da ESBAP que no ano letivo anterior se tenha destacado.
Os rumos da sua história, os seus altos e baixos, também nos são mostrados pelos seus diversos autorretratos, três dos quais presentes nesta mostra, com particular relevo para o último, produzido no ano da sua morte e que nos mostra um homem velho. Apesar dos seus 53 anos.
Apelidado Pintor Maldito pelo pintor Henrique Silva, seu amigo, num texto póstumo em sua homenagem, expôs dezenas de vezes individual e coletivamente, ganhou diversos prémios e trabalhou com as melhores galerias, mas foi sempre avesso ao aspeto comercial e às lógicas do mercado e quando sentia que tentavam instrumentaliza-lo provocava uma rotura e mudava de rumo.
Miguel d’Alte era sobretudo um homem livre, “a pessoa mais livre que se possa imaginar”, diz o filho Afonso, citado por Helena M. Pereira.
Presente no Salão da SNBA, está uma instalação em vídeo de Bruno Laborinho, que está a realizar um documentário sobre Miguel d’Alte, que será apresentado em agosto, enquadrado na programação da XX Bienal Internacional de Arte de Cerveira.
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A exposição está patente até ao dia 30 de abril.
Veja Miguel d’Alte 1954-2007_ Retrospetiva(s): Capítulo VII no Canal YouTube Artes & contextos
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.