Neste artigo vou tentar dar aos leitores que estiverem dispostos a abrir o espírito e escutar, algo relativamente novo, que é “underground” no país de origem (E.U.A.) e, naturalmente em Portugal é praticamente desconhecido. No entanto, como já é hábito para os nossos leitores, ser desconhecido e pouco valorizado, pelos outros meios de comunicação não é para nós motivo automático de exclusão, pode até chamar-nos mais a atenção do que os conhecidos e sobrevalorizados. Mas chega de texto fiado, estou a falar de Sturgill Simpson, artista que no país de origem é identificado, em termos de género musical, como Outlaw Country e eu que não sou particularmente adepto da música country, acredito que este músico merece toda a atenção. Para dar uma ideia das sonoridades expectáveis nos álbuns deste senhor, eu alinho-o nos sons tradicionais do Country, misturados com Rock clássico e psicadélico, sim psicadélico, principalmente na produção em estúdio e em algumas letras.
Uma das coisas que demonstram quão único é o som de Sturgill, é o facto de que, para se encontrar alguém que se assemelhe a ele é necessário viajar no tempo até à década de 60 e 70 do século passado, época em que o Rock clássico ainda era chamado simplesmente Rock, e o Rock psicadélico estava no seu auge. Waylon Jennings (1937-2002), músico, cantor e compositor, lança em 1973 Lonesome On’ry and Mean e Honkey Tonk Heroes, os dois primeiros álbuns, da sua longa carreira (desde 1958) em que teve o controlo total sobre o processo criativo. Coincidentemente, ou não, estes álbuns marcam o início de uma década próspera para o músico e a introdução de uma nova sonoridade no Country, sendo então batizado de Outlaw Country.
Regressando ao século XXI, não ao presente, mas ao passado próximo, 2004 mais concretamente, encontramos o nosso artista, Sturgill com 24 anos, nascido no estado do Kentucky, na cidade de Jackson (sim depois do fim do mundo, segunda à direita), numa trajetória de vida, em termos musicais, muito parecida à de Waylon. Sturgill faz parte de uma banda de Country com o nome Sunday Valley, com a qual grava um álbum nesse ano e faz umas tours. No entanto o grupo não passou desse primeiro álbum.
Já em 2013, Sturgill começa a carreira a solo, com o seu primeiro álbum High Top Mountain, álbum este que puxou a memória de pessoas como Shooter Jennings, filho de Waylon, de uma forma surpreendentemente agradável para a década de 70 do pai. Apesar de em termos sónicos o álbum ainda não ter muito de psicadélico, tem já a sua porção de experiências, ainda que muito ao de leve. Tornando pertinente a questão; então que aspeto deste álbum é que faz Shooter lembrar-se do Country do pai? Bem, a sonoridade não é o único fator que Waylon e Sturgill têm em comum, os outros aspetos partilhados por estes são, as letras, o seu desdém pelo Country “convencional” e a forma como discográficas, produtores e promotores gerem o género e os seus artistas, (se não ficou nítido no inicio do artigo, sim o Sturgill não é grande fã do “sistema”) e em High Top Mountain, Sturgill, deixa essa mensagem bem clara, para que não haja dúvidas nem confusões. A primeira música do álbum, Life Ain’t Fair and the World is Mean, não é exceção, para começar esta faixa apresenta-nos o álbum e aquilo que podemos esperar deste, tanto em termos sonoros, como em termos líricos de forma bem explicita. Sonicamente falando, como já referi acima, o álbum é mais próximo do country tradicional. No que diz respeito à letra, os dois versos inicias são demonstrativos da posição do músico e do tema geral do álbum,
Well that label man said son now can you sing a little bit more clear
Your voice might be too genuine and your song’s a little to sincere (…)in Life Ain’t Fair and the World is Mean
demonstrando que para o country comercial, Sturgill não é a melhor escolha. No entanto isso não trava o músico e o álbum apesar de não ser bem sucedido comercialmente, foi muito bem recebido pelo público em tour.
Logo após a tour, Sturgill começou a trabalhar no seu seguinte albúm que foi lançado em Maio de 2014, com o nome Metamodern Sounds In Country Music, se o nome não basta para perceber, este sim é um álbum com muitas camadas, algumas delas muito grossas para explicar aqui o conteúdo. Como tal, eu vou simplesmente enunciar algumas, citar partes de letras e quem ficar curioso faça então a sua própria exploração. Os temas abordados talvez mais relevantes são: evolução natural humana, sentido da vida, física, moral e amor. Quando eu digo que são camadas grossas é porque estes temas não são abordados numa perspetiva simples, mas sim extremamente complexa envolvendo tudo desde filosofia, teoria e mitologia cristã, budista e zen, convergidas com questões filosóficas desde o iluminismo até ao presente dia, sim é assim tão fundo, por isso, desafio a que depois de ouvirem vão estudar, com o risco à responsabilidade de cada um de aprenderem muita coisa que não ensinam na escola.
Continuando, as músicas mais psicadélicas do álbum são, Turtles All The Way Down e It Ain’t All Flowers, sendo que são também provavelmente as com mais camadas.
Tenho que dizer, para este álbum, porque era um desejo seu, Sturgill aproveitou experimentação com lsd, cogumelos, e cannabis para influenciar o som do álbum, de notar que o músico foi alcoólico e está sóbrio há 10 anos e as experiências com drogas foram feitas para o propósito do álbum apenas. Tal como no primeiro álbum, a primeira música serve de mote para as restantes faixas, esta é Turtles All The Way Down, curiosamente não só apresenta o álbum pelos efeitos sonoros que contém mas também pela letra preenchida de verdades, dúvidas e pensamentos do autor, mascarados com metáforas e analogias exotéricas e às vezes alucinadas
There’s a gateway in our minds
That leads somewhere out there, far beyond this plane
Where reptile aliens made of light
Cut you open and pull out all you pain
Para no fim chegar à conclusão de que a única coisa importante na vida é o amor,
Marijuana, LSD, psilocybin, and DMT they all changed the way I see
But love is the only thing that ever saved my lifein Turtles All The Way Down
conclusão esta que é também a do álbum. Amor foi de facto o que lhe salvou a vida, pois não só foi o amor da sua mulher que lhe permitiu estar sóbrio até aos dias de hoje, como lhe deu o seu primeiro filho, que é a inspiração para o seu terceiro álbum e talvez o mais ambicioso projeto até agora, A Sailor’s Guide to Earth (2016).
Como referi acima, em 2016 nasceu o primeiro filho de Sturgill, para comemorar e ao mesmo tempo, como um verdadeiro guia de sobrevivência e boas-vindas para o filho, o artista lançou A Sailor’s Guide to Earth. Para além de ser um manual de sobrevivência em termos de conteúdo lírico, é um estender dos géneros musicais abrangidos por Sturgill, a base continua a ser o Country, mas é acrescentado Funk (como é que isso fica a soar bem? Vão ouvir e vão ver que ele faz com que resulte), que é introduzido principalmente através de instrumentos de sopro, maioritariamente metais, e também pela mudança de ritmo na música. Este álbum é sem dúvida o mais rico sonicamente, dos três, e curiosamente é o primeiro totalmente produzido por Sturgill. Tendo como foco principal, um álbum com sequência entre faixas e que estas fossem o máximo possível gravadas ao vivo.
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Gravadas ao vivo? Sim, o que isso quer dizer hoje em dia é que, em vez de se gravar a bateria e os instrumentos que constituam o ritmo e melodia base da música, (cada um destes músicos toca a sua parte sozinho) e depois então gravar-se a voz por cima também separada dos restantes, volta-se à “moda antiga” e tudo quanto for possível tocar e gravar ao mesmo tempo, faz-se ao mesmo tempo. Qual é a diferença? Bem, para os meus ouvidos é algo que não é quantificável, “feeling”, mas em termos técnicos existe diferença. Se gravarmos tudo separado a música muito vai provavelmente sair “matematicamente perfeita”, “quadrada”, o que pode parecer desejável, mas não é. Por isso existe depois uma ferramenta de pós-produção à qual foi dado o nome de “Groove” que basicamente dá “Groove” à música, noutras palavras “feeling”. Se gravarmos à “moda antiga”, porque os artistas estão a tocar juntos consegue-se ter “feeling” ou “groove” que é a parte inaudível de uma música, são os pequenos toques e contratempos, que um conjunto de artistas que se conheça e ligue entre si consegue dar a uma música, e que não se consegue de outra forma . Tudo isto para explicar porque é este último álbum o mais rico dos três, sendo que no período em que este artigo foi escrito houve quem tenha reparado nisto mesmo, e como tal o álbum ganhou um Grammy de “Melhor Álbum Country do Ano”, o que na minha opinião é ainda pouco reconhecimento por tal genialidade artística, mas é um começo.
Tenho de resto apenas que recomendar, mais uma vez, a audição atenta do trabalho deste senhor e esperar que continue o excelente trabalho. E aos leitores do Artes & contextos, opinem na secção dos comentários pois nós temos todo gosto em esclarecer, debater, recomendar e aceitar ideias para artigos futuros.
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