Inicialmente sob forma de romance (Manhattan Nocturne, da autoria de Colin Harrison), a história serviu de base ao filme de Brian DeCubellis, «Manhattan Nocturne».
O universo da escrita volta assim a estar presente através da pena de Porter Wren (Adrien Brody), o qual assina uma coluna de larga visibilidade num reputado jornal de Nova Iorque.
Porter procura incessantemente uma boa história de maneira a respeitar os apertados prazos do jornal e a corresponder às expectativas dos seus numerosos e fiéis leitores. Ele escreve crónicas jornalísticas baseadas em factos marcantes do dia-a-dia de Nova Iorque, relatando fait-divers, tragédias, acidentes ou crimes, misteriosos enredos que o seu faro apurado ajudará a esclarecer. A crónica compõe-se através de mil fragmentos que o colunista selecionará em função do ângulo que escolhe. A sua fama precede-o, de tal forma que é já conhecido como “aquele que encontrou a menina desaparecida”. Pura sorte, mero acaso, descoberta colateral ou instinto aguçado?
Para lá do seu evidente talento e sucesso junto do público, o experiente Porter terá que fazer algumas concessões ao modus vivendi nova-iorquino e comparecer a receções luxuosas envergando um sempiterno smoking; aparecer também faz parte do seu trabalho, mostrar-se mesmo que discretamente àqueles que detêm o poder financeiro, como o poderoso editor Hobbs (Steven Berkoff).
Para esses, basta uma palavra para reduzir a sua coluna a cinzas, por opção conjuntural ou por simples capricho. Nesse contexto, Porter conhece uma misteriosa e sedutora viúva, que o alicia para uma investigação sobre a morte do seu marido encontrado sob os escombros de um prédio demolido, um excêntrico realizador que durante toda a vida acumulou dezenas de vídeos filmados através de câmaras ocultas.
Paralelamente ao seu trabalho tão imprevisível quanto fervilhante, Porter vive em família numa vivenda inesperadamente acolhedora, à qual se acede através de um corredor claustrofóbico. Uma surpresa em Manhattan e um achado para esta família solidamente ancorada numa rotina estável, que põe a nu um homem enternecedor e vulnerável. Na verdade trata-se de um rochedo inalienável para Porter, o qual usufrui de uma felicidade tranquila e previsível em meio à azáfama matinal de uma família com filhos pequenos.
Caroline Crowley (Yvonne Strahovski) é a mulher que vai transtornar e transformar a vida deste discreto cronista. Até que ponto valerá a pena pôr em risco a própria vida, o status e a paz familiar por uma história de contornos sombrios? Porter vai confrontar-se com uma série de intrigas paralelas e de incongruências que envolvem chantagem, obsessão sexual e comportamentos borderline. Talvez ninguém seja exatamente apenas o que aparenta e todos tenham um segredo a evitar. O próprio Porter será tentado a acumular silêncios, mentiras e vidas alheias em nome de uma linha de investigação que se ultrapassa a si mesma. Talvez tudo valha a pena por um momento de êxtase e de adrenalina, quiçá o instinto animal e a curiosidade jornalística insinuem caminhos perigosos e ofereçam apenas o caos, a sordidez e profundas ruturas internas. Quem vive esmagado entre prazos age mais do que pensa, age enquanto pensa, faz do instinto o motor do raciocínio.
Estão reunidos neste filme alguns dos ingredientes clássicos do film noir: a mulher fatal, os personagens de ética duvidosa, violência, quadros obsessivos. Um ambiente urbano e contemporâneo e o uso da narração, neste caso na primeira pessoa, pela voz do próprio jornalista.
Com um cenário sólido e uma intriga que prende desde os primeiros instantes do filme, Manhattan Nocturne é um thriller eficaz que deixará muito poucos espectadores indiferentes, também pela brilhante interpretação de Adrien Brody na pele do carismático cronista.
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Em exibição desde ontem 13 de julho
Escrevo crónicas, contos e poesia. Ensaio palavras entre linhas e opino sobre cinema, preferencialmente africano e lusófono. Semeio letras, coleciono sílabas e rumino ideias.