Se eu quisesse resumir, diria que este filme retrata o período da vida de Karl Marx entre o momento em que, em Paris, começou a conviver com Friedrich Engels e a publicação do Manifesto Comunista, um filme sobre ideias preenchido com conversas. Mas seria um erro. Criaria provavelmente a imagem de um filme aborrecido e seria imperdoável.
Este filme rodado entre a Alemanha, França e Bélgica, representando Colónia, Paris, Bruxelas, Manchester, Londres e Ostende demorou dez anos a ser produzido é falado em três línguas, o Francês, o Alemão e o Inglês, fluentemente pelos principais atores, é superiormente realizado e é tudo menos aborrecido.
O Jovem Karl Marx, de Raoul Peck, co escrito com Pascal Bonitzer, narra uma época crucial da vida de um homem cujas ideias viraram o mundo de cabeça para baixo. Esteticamente impecável e intelectualmente sério, apenas julgo que falta ao filme alguma intensidade, alguma violência, talvez, mais consonante com o período que se vivia (ás portas da terceira Revolução Francesa, ou com a Revolução Francesa ainda por concluir) com a convulsão causada pelas ideias de Marx e Engels, com Proudhon à vista.
Algo clamado pelo próprio Marx ao dizer “deixei de lutar com pregos, agora quero um martelo”.
No início, assistimos a uma sequência em que um grupo de pessoas pobres recolhe lenha para as fogueiras acompanhada de uma reflexão sobre os conceitos de propriedade e posse que viriam a marcar a dialética de Marx e sua “fricção” com Proudhon.
Segue-se o fecho pelas autoridades prussianas do periódico Gazeta Renana em 1843, antecedido por uma discussão acesa entre Marx (August Diehl), a impor a sua superioridade com alguma arrogância, Max Stirner e Bruno Bauer, os “jovens hegelianos” e Arnold Ruge, o editor de Marx entre outros. A isto seguiu-se a prisão e a partida de Marx para Paris, sempre acompanhado pela esposa Jenny von Westphalen (Vicky Krieps), a jovem e culta aristocrata de Trier que foi sempre o seu apoio indispensável e incondicional.

Em contraste com o pobre, desgrenhado e cliente de charutos baratos, Marx, vemos surgir o jovem Engels (Stefan Konarske), um aristocrata bem-apresentado e sorridente, dandy style acompanhando o pai, um rico industrial de Manchester, do qual é procurador. Enquanto assistimos a uma demonstração de força daquele perante um grupo de operários sublevados, vemos sinais claros da repulsa do jovem Friedrich à mão de ferro com que o pai gere as manifestações de descontentamento dos trabalhadores.
À cabeça daquele grupo está a bela Mary Burns (Hannah Steele) que acaba por ser despedida e que viria a ser a companheira de Engels. Esta e outras situações testemunhadas pelo jovem Friedrich levaram-no a desenvolver importantes estudos sobre a classe trabalhadora inglesa.
O filme acaba por ser mais sobre a amizade e cumplicidade entre Marx e Engels do que propriamente sobre Karl Marx. Conheceram-se em casa de Arnold Ruge e após o quase confronto entre o ego de Marx e o romantismo de Engels, surgiu o reconhecimento de parte a parte de que ambos se encontravam perante um par brilhante.
Os conflitos dialéticos entre Marx e Hegel, entre o idealismo filosófico de Hegel, apesar da sua aproximação final ao materialismo, e o materialismo dialético de Marx, com origens inconfessadas em algum idealismo filosófico, são várias vezes abordados, mas carecem na minha opinião de algum desenvolvimento que facilitasse o seu enquadramento inclusivamente com as ideias de Proudhon, aqui, Olivier Gourmet.
O filme corre a um bom ritmo, conduzido também pelas constantes mudanças de cidade dos jovens filósofos e pela força do caráter e personalidade de Marx, sempre aberto a uma discussão, mas não tanto à contestação das suas ideias. De assinalar o belo trabalho de caraterização no envelhecimento dos personagens.
Com uma realização irrepreensível e estética notável, acompanhamos a vida destes dois (quatro) jovens, entre os altos e baixos do entusiasmo das pequenas conquistas à dificuldade em fazer vingar as suas ideias e os seus ideais, até ao convite a Marx e Engels para se associarem e dirigirem a Liga dos Justos, que, entretanto, renomearam para Liga Comunista e à elaboração e publicação do Manifesto Comunista, escrito em duas semanas e publicado em Londres em fevereiro 1848.
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Estreia hoje.
Jornalista, Diretor. Licenciado em Estudos Artísticos. Escreve poesia e conto, pinta com quase tudo e divaga sobre as artes. É um diletante irrecuperável.
